EDIÇÃO 54 » COLUNA NACIONAL

O senhor sou eu


Pedro Nogueira
Parece que, num domingo desses, um parceiro que chamam de Diego Cara de Cavalo, porque ele tem o rosto comprido como o de um cavalo, forrou uma nota no pôquer online e decidiu dar um tirinho na mesa cara do Paradiso. E todo mundo sabe que precisa ter nervo e bala para dar um tirinho ali.

Bom, talvez o Cara de Cavalo tenha bala agora, mas já joguei várias vezes com ele para saber que nervo ele não tem. Esse não é o tipo de coisa que você desenvolve de um dia para o outro. Ou talvez nem dê para desenvolver. Quem tem nervo já nasce com ele.

A parceirada então gosta quando o Cara de Cavalo senta no jogo caro e pede 10 mil, afinal, não é sempre que um parceiro sem nervo engata ali. Mesmo quanto aparece rico que não sabe jogar direito, o sujeito sempre tem nervo, porque ninguém fica rico sem nervo. É um grande perigo sentar no jogo caro sem ter.

Quando o Cara de Cavalo chega, há um cochicho entre a parceirada – não a do jogo caro, mas a das mesas pequenas – sobre a forra do Cara de Cavalo na internet. Um dealer diz para mim que ele cravou um torneio de 45 mil dólares, o que certamente não é nada mal, ainda mais para um parceiro limitado como ele. Mas todo mundo sabe que ele vai queimar essa grana mais rápido do que cigarro em boca de ex-fumante.

Se a parceirada da mesa pequena já está sabendo da cravada do Cara de Cavalo, a da mesa cara também está, é claro. Eles vivem de ganhar dinheiro dos outros, e para fazer isso você precisa saber quem é que está forrado.

Então, a parceirada decide apertar o Cara de Cavalo e acelera o jogo. Ninguém quer só 10 mil reais. Quer os 45 mil dólares. O “General” pede mais 50 mil de frente. Daí “Paulinho Cego”, que de cego não tem nada – ele ganhou esse apelido porque joga com um óculos de grau sem lente – pede outros 50 mil, e toda a mesa faz igual. É claro que o Cara de Cavalo fez a mesma coisa, porque ele sabe contar dois mais dois: se todo mundo tiver 50 mil na mesa e só ele 10 mil, vai ser prensado.

Ali, da mesa pequena, estou olhando o jogo caro e vejo o Cara de Cavalo ficar amarelo quando assina o vale de 50 mil, o que é compreensível. Um parceiro que está acostumado a jogar na mesa pequena e engata no jogo caro sempre vai se sentir assim.

Estou tão concentrado no jogo caro e no Cara de Cavalo que fico desligado da minha mesa, e acabo perdendo todas minhas fichas quando um parceiro quebra a minha trinca de damas com uma seguida no river. Mas eu não posso ficar nervoso, a culpa é minha. Se eu tivesse prestado atenção, nunca ia bater aquele nove no river. Todo mundo sabe que as cartas gostam de castigar parceiro distraído.

Já que quebro, deixo a mesa pequena do Paradiso e visito a minha prima, que tem um flat ali perto. Dá para ir a pé. A Prima não cobra barato, mas ela gosta de mim. Então, fico até as três da manhã no flat – e poderia ter dormido lá. Mas estou realmente curioso para saber se o Cara de Cavalo já perdeu tudo no jogo caro. Deixo a Prima dormindo e volto ao Paradiso.

E quem imagina que o Cara de Cavalo está numa forra daquelas, com quase 200 mil para frente? Sento na mesa pequena, e o dealer diz que o Cara de Cavalo está matando mais parceiro do que catapora, por isso só sobram cinco jogadores no jogo caro.

Bom, o General é ganhador e todo mundo sabe; então não é surpresa que ele tenha 200 mil também. O resto da parceirada está short, mas ninguém quer largar o osso, porque enquanto há ficha na mesa, dá para forrar. E ficha tem demais. Cara de Cavalo e General, juntos, têm quase meio milhão. Não é sempre que você vê esse tanto de dinheiro, nem mesmo no jogo caro do Paradiso.

Com parceiro para trás e só cinco na mesa, a parceirada decide capar o baralho. Quando deixa só do sete para cima sai mais jogo e os potes ficam maiores. O dealer faz o que mandaram. É um golpe perigoso para todo mundo, porque você pode quebrar de vez ou enterrar todo o lucro da noite rapidinho.

Logo na primeira mão, o General quebra um parceiro. Full contra full. E o sujeito vai embora com um vale de 120 mil nas costas. Agora, com 300 mil de frente, o General, que é nego véio, começa a apertar todo mundo e não dá descanso para ninguém.

O dealer vira o sete de outros, o nove de espadas e a dama de espadas no flop. O General saí atirando o pote e todo mundo foge, menos o Cara de Cavalo, que aumenta para 10 mil. O General paga e o dealer vira um oito de espadas no turn. É uma carta bem perigosa, porque no Omaha capado sempre bate straight flush.

O General aposta o pote de 30 mil e o Cara de Cavalo paga. Um parceiro me cutuca e vou lá assistir o pote. Todo mundo no Paradiso vai também. A dama de ouros bate no river, que dá quadra. De novo, o general sai atirando o pote de 90 mil. O Cara de Cavalo, sem pensar, aposta tudo, 235 mil. O General paga. Eu tô achando que o General fez flush e o Cara de Cavalo quadrou de dama no river.

O Cara de Cavalo abre a quadra de dama, como eu estava imaginando, e o General diz assim:

“O senhor ganhou”. O Cara de Cavalo dá um sorriso de cabide e vai metendo a mão naquele pote maravilhoso. Está todo mundo besta de ver um parceiro sem nervo como o Cara de Cavalo metendo a mão num pote de meio milhão. Só que aí o General fala:

“O senhor sou eu”. E abre o dez e o valetes de espadas para um straight flush. O Cara de Cavalo parece um ovo de codorna de tão branco que fica. Desesperado, ele pega as cartas para encontrar um valete preto, o de paus. E todo mundo percebe que o Cara de Cavalo confundiu sua carta; achou que tinha o valete de espadas, que cortava o straight flush.

Depois que o Cara de Cavalo percebe a besteira que fez, fica vermelho feito um pimentão. Não por causa da besteira, mas por causa do comentário do General. “O senhor ganhou” e “o senhor sou eu” é pior do que tapa na cara. Cara de Cavalo voa por cima da mesa no General, que até cai da cadeira. A parceirada precisa segurar o homem para aquele golpe não virar tragédia.

Um parceiro da mesa pequena, amigo do Cara de Cavalo, agarra o infeliz e o leva embora. O General levanta do chão e começa a juntar aquele Kilimanjaro de fichas. Mesmo quando o Cara de Cavalo já está fora do Paradiso, ainda dá para ouvi-lo xingando o General, que de fato foi brutal no comentário. Mas todo mundo sabe que parceiro sem nervo em jogo caro dá nisto: forra para a parceirada. Só Cara de Cavalo parecia não saber.




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