No poker, uma das aves mais raras de se encontrar é a unanimidade. São tantas variáveis em cada situação, que cada decisão acaba sendo praticamente única.
Seguindo as lições de Charles Darwin, o que os grandes jogadores fazem é se adaptar. Além de entenderem o conceito por trás das ações, eles possuem a experiência de terem vivido situações semelhantes. É assim que os melhores da espécie conseguem balancear bem suas jogadas e pensar em todas as possibilidades mesmo antes do flop, tornando cada movimento e cada pensamento diferente um do outro. Adaptação total.
Atualmente, no mundo inteiro, existe uma quantidade enorme de tubarões com vasta experiência. Têm sido cada vez mais comum, por exemplo, mesas em que a maioria dos jogadores são profissionais com mais de quatro anos de poker. Hoje, graças aos meios de divulgação dessas informações, como escolas de treinamento e aulas particulares, a concorrência está bem difícil. Todo mundo está aprendendo as tendências rapidamente. Atravessamos um momento em que o beabá já não é mais o suficiente: assim como em outras profissões, tornou-se essencial a procura pelo diferencial.
Com exceção dos jogadores recreativos, que incluem peixes e patos, ninguém sabe mais somente o básico. É preciso se esforçar para entender como os predadores estão agindo e criar uma contra-estratégia. Para tanto, porém, há um longo caminho a percorrer. É fundamental compreender os conceitos que eles conhecem, estudar a matemática do jogo e treinar bastante para colocar tudo em prática.
Algum tempo atrás, as discussões basicamente se resumiam a algo como: “Abri raise com K-10 em middle position e o button deu call. O flop veio 10♠5♦4♣. Qual a melhor linha?’’ E as respostas costumavam ser “aposte nas três streets” (bet/bet/bet) ou “aposte no flop e no turn, e dê check no river” (bet/bet/check). Agora, são necessárias muitas outras informações do adversário para que se chegue a uma resposta próxima do ideal para essa situação.
Vamos entender como isso funciona analisando exatamente esta situação que descrevi, com K-10. A diferença é que estaremos na posição do button e modificaremos o estilo dos oponentes, de modo a entender como isso influencia nossa forma de jogar. Este é um grande exercício de adaptação, que pode definir quanto tempo você vai sobreviver nesse habitat de fichas e cartas.
Para simplificar, vamos considerar a porcentagem de 12% de call pré-flop para todos os jogadores, os stacks serão todos de 100 big blinds e não teremos nenhum histórico contra esses jogadores. No range de call pré-flop, teremos: JJ a 22, AQs a ATs, A5s a A2s, KJs+, QTs+, JTs, T9s, 98s, 87s, 76s, AQo a AJo, e KQo. É importante definir isso, pois, caso qualquer uma dessas variáveis mude, nossa resposta provavelmente seria diferente.
Agora, veremos a jogada recomendada contra três estilos de oponentes com tendências pós-flop bastante diferentes entre si. Primeiro, enfrentaremos um jogador fraco, ou “weak” na gíria do poker. É um oponente que joga de forma honesta, procurando acertar uma parte do flop para pagar uma aposta, e que costuma dar fold diante de uma continuation bet. Depois, teremos um adversário que dá muitos floats, o famoso “call sem nada”. Este, por sua vez, é mais resistente às c-bets e valoriza as decisões no turn e no river, levando em conta a equidade, ou seja, a chance de sua mão melhorar nessas streets. Por último, veremos um insistente “calling station”, jogador que tem a tendência de pagar qualquer aposta e de supervalorizar a mão que possui.
WEAK
Após uma continuation-bet, ele continuará com pouco mais de 4% de chances de vencer, ou 1/3 das vezes que der call. Dentro desse percentual de 4%, que inclui JJ a 88, 55 a 44, ATs, QTs, JTs, T9s e 76s, você perderá com KT metade das vezes, ganhando apenas contra 88, 99, QTs, JTs, T9s, 76s.
Considere ainda que, mesmo quando ele estiver com essas mãos, você vai extrair apenas uma aposta na maioria das situações. Isso porque, com 88, 99, T9 e 76s, se ele não tiver melhorado, desistirá muitas vezes diante de uma segunda aposta no turn.
E se, em vez de apostar, você der check? Nesse caso, como você demonstrou fraqueza, ele vai pensar em apostar utilizando boa parte dos 2/3 da gama com que deu call pré-flop e em seguida desistiria diante de uma aposta sua. Ele tentará lhe tirar do pote apostando, assim, é possível aproveitar a maior parte do range de fold dele.
Em outras palavras, ao dar check você extrai uma aposta induzindo o adversário a blefar. Com isso, é possível extrair uma aposta que ele pagaria com mãos de valor se você tivesse atacado. Isso é bastante lógico, já que a tendência natural dele é proteger essas mãos apostando.
Nessa situação, o ideal é pedir mesa e pagar a aposta dele no flop. Depois disso, analise o turn em função das tendências do oponente e observe como o bordo se modificou. Entretanto, na maioria das vezes, sua tendência deve ser pagar mais uma aposta no turn e pedir mesa no river, dando fold diante se o adversário apostar pela terceira vez.
FLOATER
Contra essa espécie de oponente, que valoriza melhor as mãos, você vai tomar mais calls quando disparar uma continuation bet. Portanto, enfrentará um range mais fraco, tornando a c-bet mais lucrativa.
Dentre os 12% com que ele dá call pré-flop, vamos considerar que ele faça isso com 7,5%. Dessa forma, ele pagaria com JJ a 44; AQ de paus, ouros ou espadas; AJ de paus, ouros ou espadas; ATs, A5s a A4s, A3 de paus, ouros ou espadas; A2 de paus, ouros ou espadas; KQ de paus, ouros ou espadas; KJ de paus, ouros ou espadas; QJ de paus, ouros ou espadas; JTs, T9s e; 87 de paus, ouros ou espadas.
Em relação ao oponente weak, isso é quase o dobro das cartas com que ele pagaria sua continuation bet. Porém, contra o floater, que tem um range extenso para call em c-bet, o melhor é apostar no flop e pedir mesa no turn, preparando-se para pagar uma aposta no turn. No turn, não aposte, pelo mesmo motivo por que você deu check no exemplo anterior.
CALLING STATION
Contra este pagador nato, que supervaloriza as mãos que tem, o recado é simples: aposte no flop, no turn e no river. Em todas as streets, o calling station terá uma ampla gama de cartas com as quais dará call.
Como você pôde perceber, sempre analisamos o range do adversário observando o impacto de qualquer decisão, seja bet ou check, no range dele. Essa tática é importante para extrair o máximo de valor possível. Adaptação é isso. É perceber que cada situação é diferente da outra e agir de acordo com as variáveis envolvidas.
Em relação ao poker, adaptação significa compreender os conceitos e familiarizar-se com a matemática, para então aprender a pensar o jogo. Se existe um caminho evolutivo para se tornar um predador do pano verde, esse é o mapa que você deve seguir ao longo do tempo. ♠
