Na cobertura em que Dan Harrington mora, uma mesa enfeitada e cheia de pranchetas ocupa o ponto central de uma espaçosa sala de estar. Uma antiga mesa de xadrez contrasta com uma parede de vidro e metal, que oferece uma vista panorâmica do luxuoso cruzamento da Third Street de Santa Monica. A grande televisão de plasma, sintonizada na CNBC, fornece dados de ações da bolsa valores, e as prateleiras cheias de livros sobre gamão, xadrez, administração e imóveis, sugerem as matérias-primas com as quais Harrington construiu sua singular vida. O advogado aposentado, de 63 anos, mestre do xadrez e sábio do gamão, passou sua vida transformando suas habilidades para atuar em jogos de competição em sucesso financeiro extraordinário. O campeão do World Series of Poker de 1995 acumulou mais de $6 milhões em ganhos em torneios ao longo de sua carreira de mais de 20 anos no poker. Contudo, esse título significou, e ainda significa, muito pouco para ele. Em vez disso, ele confirmou a tese de Harrington de que os jogos, seja poker, xadrez, gamão, investimentos ou mercado imobiliário, são vencidos com uma abordagem bem estudada e disciplinada. Harrington “se aposentou” do poker pouco depois de sua vitória no campeonato do World Series. De 1996 a 2003, ele obteve apenas nove ganhos em torneios e, em vez disso, passou a se concentrar em fazer de seu negócio, a Anchor Loans, a maior empresa de financiamento imobiliário dos Estados Unidos. Sua empresa empresta dinheiro a empresários e investidores que não conseguem obter financiamento suficiente por meios tradicionais para reformar casas e apartamentos residenciais em áreas dilapidadas. Harrington afirma que voltou ao feltro apenas depois que começou a assistir ao poker televisionado, em 2003. “Eu disse: Eu lembro como se joga no-limit hold’em, e sei jogar muito melhor do que eles”, recorda. “Foi isso que me tirou da aposentadoria e fez com que eu jogasse novamente”. Não era necessário aprendizado para “Action” Dan. Em 2003, ele novamente chegou à mesa final do evento principal do WSOP, terminando em terceiro lugar. Depois, em um dos feitos mais impressionantes da história do poker, ele novamente chegou à mesa final em 2004. Esses dois desempenhos lhe garantiram mais $2 milhões no bolso.
Harrington então estremeceu o mundo editorial do poker ao lançar os três volumes do Harrington on Hold’em. O abrangente tratado, co-escrito por Bill Robertie, apresentou pontos cruciais, cálculos “M-Zone” e outros termos ao vernáculo comum de todos os estudantes sérios de torneios. Foi um grande sucesso, deu a Dan muito dinheiro, e enfureceu muitos veteranos de torneios. No início do ano que vem ele lançará sua segunda série de publicações, com sua enorme sabedoria dessa vez focada para cash games.
Este ano Dan entrou para uma categoria de elite, depois de se tornar um dos cinco jogadores que ganharam um campeonato do WSOP e um título do World Poker Tour. Em agosto, ele superou 485 competidores e ganhou o título do Legends of Poker do The Bicycle Casino’s, e o maior pagamento de sua carreira: $1,6 milhão.
Harrington emprega alguns jogadores de poker na Anchor Loans. Ele diz que, se você conseguir dominar com sucesso as considerações de equidade e os problemas que o poker apresenta, deve expandir seus horizontes. “Se você tem talento para o poker, pode ganhar muito mais no mundo dos negócios”, afirmou ele.
Quer Dan goste ou não, ele é uma das lendas vivas do poker. A Card Player teve sorte de obter a perspectiva dele sobre tudo, desde a administração de dinheiro até as mais importantes estratégias para desenvolver seu jogo de poker e seu sucesso financeiro.
JM: Passemos a um tópico que quase todo mundo no poker é familiarizado: seus livros. A introdução de sua primeira obra diz que no-limit hold’em é um “jogo amplo e complexo”, e que você não poderia espremer tudo em um único volume. De todas as estratégias, conceitos e dicas que você aborda na série “Harrington no Hold’em”, quais são os mais importantes para o sucesso a longo prazo?
DH: Uma das coisas mais importante é permanecer dentro de seu limite. Eu já vi muitos jogadores fracos obterem sucesso no jogo simplesmente porque reconhecem suas limitações e não vão além. Você não precisa ser o melhor da partida. Precisa apenas jogar contra oponentes mais fracos do que você. Em última análise, é preciso apenas se conhecer e jogar bem no nível em que está.
JM: Após escrever a série, houve aspectos de seu próprio jogo que melhoraram?
DH: Ah, 100%. Meu jogo melhorou consideravelmente durante a confecção do livro. Muitos jogadores disseram que eu não falei nada de revolucionário. Os bons jogadores entendem o que todas essas manobras significam, mas o livro ajuda a priorizá-las. Quando você joga há muito tempo, esquece que a posição é mais importante do que a força de sua mão. O livro realmente me ajudou a saber de novo o que priorizar quando eu jogava. Eu sabia que do mesmo modo como os livros de poker continham informações, precisavam de atualizações. Foi aí que o xadrez entrou em cena. O xadrez tinha 600-700 anos de informação, e eles aprenderam como fazer isso. O poker estava em sua infância, e eles não sabiam como. É bem verdade que houve alguns bons jogadores que escreverem livros interessantes, mas, francamente, eles não traziam informações de maneira palatável. Muitos deles diziam: “Eu sabia que essa pessoa desistiria se eu fizesse tal aposta”. Bem, isso é muito bom, mas, enquanto leitor, como você saberia que aquela pessoa ia dar fold? O que ocorreu durante o processo de decisão? Eu sabia, por causa do xadrez, que era isso que as pessoas queriam, e elas queriam que isso fosse colocado de maneira esclarecedora.
JM: Que tipo de críticas (se é que ocorreram) você recebeu de colegas jogadores depois que a série foi lançada?
DH: Ah, recebi muitas. Inclusive, um famoso incidente aconteceu com Erik Seidel. Erik pegou uma crítica da Amazon, me enviou e disse: “Vai se f----, Harrington!” E alguns dias depois, ele pegou outra crítica da Amazon, me enviou, e disse: “Vai se f---- de novo, Harrington!” Depois, uma vez ele chegou para mim e disse: “Eu espero que você esteja feliz com os $50.000 que você ganhou com esses livros”. Eu disse: “Erik, eu quero que você se sinta melhor... Eu ganhei bem mais do que $50.000 com o livro, então espero que você se sinta melhor” (rindo).
JM: Fale-me sobre a próxima série: cash games de no-limit hold’em. Quando ela estará nas prateleiras?
DH: Ela sairá no máximo em março de 2008. Serão dois livros que vão ser lançados em um intervalo bem pequeno, provavelmente de um mês. A ênfase será na dissecação de teorias sobre cash games e poker em geral.
JM: O estilo loose-aggressive parece ser o preferido de muitos jogadores que têm obtido resultados impressionantes ultimamente. O que você pensa a respeito dessa abordagem do jogo?
DH: Eu acho que a maioria dos estilos funciona, dependendo da pessoa que os emprega. Não importa seu estilo, você deve perceber que não pode manter-se constantemente no mesmo estilo, pois isso dá muita vantagem a seu oponente. Se você for agressivo contra mim o tempo inteiro, faz com que seja muito fácil para mim enfrentá-lo, pois eu sei que seu padrão de mãos é muito fraco e eu tenho um padrão que será bem maior — bem, adivinhe o que acontecerá. Eu irei contra-atacar, e se eu achar que você descarta sua mão sempre que eu ataco, pensarei: “OK, ótimo. Eu posso contra-atacar com mãos mais fracas até achar um ponto de equilíbrio”. Abraçar um estilo em qualquer extremo, seja loose ou tight, é errado. A única razão pela qual eu não sou mais agressivo é porque dá muito trabalho. É preciso ser muito jovem para ter essa energia (rindo).
JM: Da última vez que a Card Player traçou seu perfil na revista, em 2004, você disse: “Eu estou aqui pelo dinheiro, você pode ficar com a glória”. Você ainda pensa assim?
DH: Sim, mas devo admitir que o dinheiro perde a importância quando se tem o suficiente. Mas, você sabe, a glória é muito passageira. Eu ganhei aquele torneio no Bike e $1,6 milhão, e fui o jogador da semana. Esse tipo de vitória é usado para fazer de você o jogador da década ou pelo menos do ano.
JM: Você se colocou na elite esse ano, tornando-se um dos cinco jogadores que já ganharam o Main Event do WSOP e um título do WPT. Ainda há algum feito que você deseja alcançar no poker?
DH: Sim. Eu quero ganhar $12 milhões no World Series (rindo)! Não me importa como eu ganhe. Você pode me dar um bilhete de loteria e eu não me importarei. Não, na realidade, tudo é uma grande piada agora.
JM: Como assim? Você tem participado do WSOP há mais de 20 anos.
DH: Ele costumava ser composto por um grupo que se conhecia mutuamente muito bem. Era um encontro agradável, amigável e cordial. Agora é uma imensa massa humana. No ano em que Jamie Gold venceu, a ESPN me perguntou: “Quais você acha que são suas chances de vencer?” Eu disse: “Você está vendo essa sala? Você tem que derrotar quatro salas desse tamanho”. Eu queria apenas dar meia-volta e ir para casa.
JM: Então, o que se vislumbra no horizonte de Dan Harrington? O que você espera alcançar nos próximos cinco ou dez anos?
DH: Eu diria que meu objetivo a longo prazo é estar vivo (rindo). ♠
Uma História da Mesa Final
Dan Harrington participou de três mesas finais do Evento Principal do World Series of Poker. Olhando para esses resultados, é fácil observar a trajetória evolutiva do poker enquanto popular esporte televisionado. Em 1995, quando Harrington ganhou o evento principal, 273 jogadores entraram na disputa e ele ganhou exatos um milhão de dólares. Em 2003, pela primeira vez se percebeu a influência da exposição do poker televisionado e o advento dos participantes vindos do poker online. Naquele ano, Dan enfrentou 839 oponentes, um aumento de 33% em relação ao ano anterior (que teve 631 jogadores). Chris Moneymaker, o contador do Tennessee com nome hollywoodiano, levou o título. Pela sua terceira colocação, Dan embolsou $650.000. Em 2004, o tamanho da competição explodiu para 2.576 jogadores. Apesar desse aumento de mais de 200%, Harrington novamente conseguiu chegar à mesa final e acabou em quarto lugar, faturando $1,5 milhão.