EDIÇÃO 5 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Don't cry for me Uruguay


Marco Marcon

Olá amigos do poker,

Nesta coluna vou pincelar a aventura que fiz no Uruguai e algumas questões mais delicadas que envolvem o poker.

Mês passado fui passar dois dias no Conrad, em Punta Del Este, para um torneio e uma noite de cash game. No domingo pela manhã planejava já estar em casa, para um compromisso familiar.

No entanto, as coisas ganharam uma configuração diferente quando resolvi, no sábado, deitar para um breve descanso. Só fui acordado no domingo pela manhã, pelo Luiz Felipe. Isso mesmo: não levantei para jogar à noite e ainda perdemos o avião, que saía as 7:00h de Montevidéu. Fiquei muito chateado, pois esperava recuperar o que gastei com o torneio e a viagem. Eu e o Luiz resolvemos ir para a capital uruguaia mesmo assim, tentar pegar o vôo da tarde. Ao chegarmos, recebemos a notícia de que, além de não ter vaga, somente conseguiríamos pegar um vôo – sem que houvesse grande diferença no preço – na terça-feira. Foi aqui que uma viagem de dois dias (e com prejuízo) se transformou numa lucrativa viagem de sete dias.

Ao passear por Montevidéu procurando um hotel, encontramos o Casino Del Estado, e logo na porta havia um cartaz: “1º TORNEO DE TEXAS HOLD´EM DE MONTEVIDEO”. Eu e o meu parceiro logo abrimos um grande sorriso e fomos ver como funcionaria. Ficamos admirados com a qualidade do lugar, pois nunca ouvimos falar de bons cassinos em Montevidéu. Mais ao fundo, duas mesas de cash game rolavam soltas – tudo em pesos uruguaios, pois não aceitam dólares nem reais por lá.

Sem problemas. Os dois malandros trocaram o dinheiro que tinham por pesos e sentaram, um em cada mesa, para limpar os patos uruguaios. Coisa linda de ver foi quando nos demos conta de que era ilimitado o valor do buy-in na mesa, e o mais bacana: havia dois ou três jogadores que estavam com tantas fichas de mil pesos à frente, que não dava para se ter idéia do quanto eles tinham. Nosso cacife de sete mil pesos, cerca de 400 dólares (o que, para valores brasileiros, já são altos), não deu nem para brincar... Ao ver o Luiz perdendo o primeiro cacife, fui nele e disse que não havia condições de jogarmos lá. Mesmo assim ele resolveu entrar de novo e eu me mantive na minha mesa. Uma hora depois, estávamos saindo pela porta do cassino com uma mão na frente e outra atrás. Não estou brincando, ficamos com tão pouco dinheiro que tivemos que dormir num hotel de 10 dólares – parecia daqueles mal-assombrados, com direito a elevador a manivela e tudo mais.

Na segunda-feira acordamos com uma ressaca de poker. Além de termos dormido mal naquele ninho de pulgas, estávamos quebrados. O Luiz estava mais chateado do que eu, pois no Conrad havia comprado o rebuy do torneio e no cash tinha perdido também. E o pior: não achávamos forma de pegar mais dinheiro para, quem sabe, ficarmos até o torneio, na quarta-feira. Mas antes que o desespero tomasse conta, consegui fazer algumas retiradas num caixa internacional. Fomos ao aeroporto e mudamos nossa passagem para quinta-feira. Sobrevivi para contar a história.

Agora vou entrar na parte mais técnica da coisa. Quero trazer duas lições muito importantes para você, caro leitor: respeito ao bankroll e percepção de oportunidade. Jogar poker sem bankroll é loucura – sejam reservas pessoais ou do próprio jogo, é preciso ter de onde tirar; caso contrário, fique jogando em casa mesmo, divirta-se com os amigos, ganhe valores simbólicos e seja feliz.

A variação é capaz de agredir de tal forma que, mesmo o jogador habilidoso, se não tiver bankroll para agüentar, pode quebrar. Por outro lado, um bom dia de jogo pode render 500% a 1000% de retorno de investimento (ROI). Mesmo assim, chegar ao final do mês com ROI de 10 a 20% é coisa para profissionais de alto nível.

Nem preciso dizer que apostar pesado é para milionários. O ego inflado, tendências para o luxo e extravagância consomem o bankroll num piscar de olhos: guarde uma parte do lucro para as fases ruins, senão vai ser preciso inventar um “plano B” com urgência. Aja racionalmente: se você, assim como 99% dos entusiastas do poker, não possui centenas de milhares de reais na conta bancária, tome cuidado. Jogar em limites compatíveis com sua condição econômica é o melhor que se pode fazer pela sua saúde financeira e mental, além de ser um caminho interessante para se tornar um competidor de alto nível. Dinheiro ganho em boas sessões de cash game ou em torneios podem valer a sua sobrevivência. Se não for bem utilizada, essa grana vai lhe fazer muita falta, dependendo dos limites em que você joga.

Outros sequer permitem que a sorte grande bata à sua porta.

Foi justamente o bankroll aliado à noção de oportunidade que fez com que eu e o meu amigo sobrevivêssemos no Uruguai após uma bad run: em um único dia, ganhamos tudo que havíamos gasto nos outros seis, e ainda voltamos no lucro para o Brasil. A oportunidade de a sorte brindar a habilidade se deve ao bankroll, nunca se esqueçam disso. Quando entrei na mesa de cash game, um mínimo de sorte me fez ter a mesma incontável quantidade de fichas de mil pesos que tinha me assustado dias antes – repito, graças a uma única mão que, bem jogada, fez com que eu multiplicasse por 5 minhas fichas. Outro instante de sorte fez com que o Luiz Filipe ficasse em 2º lugar no torneio, multiplicando por 15 sua inscrição.

Por fim, estejam atentos ao Circuito Sul-Brasileiro de Poker, que dará um pacote completo ao WSOP e, quando pensarem em bankroll, lembrem-se sempre do conto infantil da formiga e da cigarra. No poker, invertendo a lógica da história, a maioria dos jogadores são cigarras, enquanto os profissionais de alto nível são formigas. Tenham isso em mente e não sejam “patos do longo prazo”.




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