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EDIÇÃO 46 » ESPECIAIS

IGOR "FEDERAL" - O HOMEM-FORTE DO POKER BRASILEIRO

Igor Trafane é daqueles sujeitos cujo dia parece ter mais de 24 horas. Empresário, jogador e principal articulador político da regulamentação do poker no Brasil, ele trouxe para o meio uma cultura de profissionalismo na condução dos negócios. Isso inclui tanto o planejamento calculado das ações quanto a agressividade negocial. Leia mais.


Bruno Nóbrega de Sousa

Nascido no interior de São Paulo, em São João da Boa Vista, Igor mudou-se para a capital paulista a fim de estudar em uma das principais escolas de negócios do país, a Fundação Getúlio Vargas. Morou um tempo na Inglaterra, depois nos Estados Unidos, onde se especializou em franchising. Voltando ao Brasil, criou uma rede de escolas de inglês que, posteriormente, seria vendida e faria dele um empresário bem sucedido ainda jovem, na casa dos trinta e poucos anos. Em busca de qualidade de vida, resolveu se dedicar ao poker como jogador, tendo conseguido resultados bastante interessantes. Mas sua veia empreendedora falaria mais alto e ele acabaria criando outras empresas, agora ligadas ao poker. Tornou-se, possivelmente, a figura mais influente do meio no país.

Quis o destino manifesto que seu apelido, “Federal”, remetesse a autoridades constituídas. E ele, ciente de que trazia para si uma responsabilidade que poucos assumiriam – ou assumiriam, mas não conduziriam adequadamente – tomou a frente da Confederação Brasileira de Texas Hold’em. Desta vez, além de precisar gerenciar seus negócios, que incluem um site de poker online, um portal de conteúdo, um clube, uma revista especializada e um circuito de torneios, Igor se tornava também a voz dos jogadores e empresários do poker junto ao poder público. Essa, talvez, a mais complexa iniciativa da sua vida profissional.

Conheça um pouco melhor Igor “Federal” Trafane, o homem-forte do poker brasileiro.

PELA SUA TRAJETÓRIA, É POSSÍVEL VER QUE VOCÊ É UM HOMEM DE NEGÓCIOS EXPERIENTE. QUAIS CONCEITOS DO BUSINESS VOCÊ TROUXE PARA A MESA DE POKER E, VICE-VERSA, DO POKER PARA OS NEGÓCIOS?
Realmente é recíproco. O poker e os negócios têm muito de controle emocional, de estratégia e de paciência. Ambos tentam traçar os melhores caminhos para atingir objetivos. É muito jogo de cintura, percepção, feeling.

A matemática do poker, por exemplo, é como se fosse, no business, o embasamento teórico de que você precisa ter para fazer bons negócios. O poker é uma centelha. Há um paralelo muito forte entre a forma como você faz negócios e a maneira como você lida com ação em uma mesa de poker.

Eu sempre acho que um bom jogador de poker tem que ser uma pessoa muito preparada para a vida. Tem que ter certa malícia. Os bons empresários, via de regra, têm essas características.

FALANDO EM NEGÓCIOS, VOCÊ ACREDITA QUE O POKER PODE SE TORNAR UM PRODUTO DE MASSA NO BRASIL?
Acredito. Ele já é assim nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Temos potencial para que isso também aconteça aqui. Costumo dizer que o poker começou como “traço de mercado”, meia dúzia de apaixonados por alguma coisa, como rugby ou beisebol no Brasil. O poker era um traço de mercado, mas cresceu. Chegou ao que se pode chamar de “nicho de mercado”. Com os números que já apresentamos hoje, de jogadores, de adeptos e de curva de crescimento, está se transformando em “segmento de mercado”, com potencial para virar produto de massa. Se irá virar ou não, é o desafio que o poker tem.

Muita gente pode contribuir para que esses objetivos sejam atingidos mais rápido, menos rápido, ou até mesmo para que não sejam atingidos. Mas isso depende eminentemente do poker em si, da capacidade que ele tem de englobar e de cativar pessoas. Particularmente, eu acho que ele tem potencial para se massificar sim.

HOUVE UM PERÍODO EM QUE VOCÊ SE DEDICAVA QUASE EXCLUSIVAMENTE À CARREIRA DE JOGADOR. FOI QUANDO VOCÊ CONSEGUIU SEUS MELHORES RESULTADOS LIVE E ONLINE. QUAIS DELES VOCÊ CONSIDERA MAIS MARCANTES?
Tem três resultados que eu guardo com o maior carinho. Um deles foi quando eu ganhei a vaga para disputar a WSOP 2007. Naquela época, quase ninguém no Brasil imaginava jogar um torneio de 10 mil dólares. Vibrei como nunca quando ganhei esse pacote. E minha colocação no Main Event acabaria sendo a melhor de um brasileiro até então. Outro resultado muito marcante foi o campeonato paulista de Omaha. Na final, eu decidi com o Zidane, um dos maiores jogadores do Brasil. Isso também teve um valor emocional grande. E o terceiro foi quando eu cheguei à mesa final do Sunday Million. Fui o primeiro brasileiro a fazer final table do Sunday Million, com Greg Raymer na mesa e tudo o mais. Foi inesquecível.

É PROVÁVEL QUE VOCÊ ESTIVESSE NO SEU AUGE COMO JOGADOR QUANDO RESOLVEU MIGRAR PARA A CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO DO POKER. COMO SE DEU ESSA TRANSIÇÃO E COMO SURGIU A CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TEXAS HOLD’EM NESSA HISTÓRIA?
Eu acho que tenho um DNA empreendedor muito grande. Na minha veia corre o desejo de sempre fazer negócio, produzir, gerar valor e assim por diante. Simplesmente segui meu instinto. Percebi que o poker era um nicho de mercado interessante, e o quanto ele era forte nos EUA e na Europa. Sabia que tinha potencial para que isso acontecesse no Brasil, então fui naturalmente migrando mais para os negócios.
Quanto à confederação, bem, precisávamos trabalhar com poker, mas estribados por algumas defesas daquilo que tínhamos certeza interior e pessoal de que era legítimo, legal. Sabemos que o poker não é um jogo de azar, e sim uma atividade intelectual e de habilidade, mas a sociedade brasileira não entendia isso. Não adiantava chegar em frente a um juiz e jurar que há estratégia no poker. Era preciso criar caminhos de condução e argumentação que o ordenamento jurídico brasileiro aceitasse e entendesse.

E não tinha outra forma. Era preciso fundar uma associação, um corpo, para buscar documentos, laudos, pareceres etc. Isso para que, algum dia, quando alguém batesse à porta de uma empresa ligada ao poker querendo fechá-la, ou mesmo de um evento, querendo interrompê-lo, houvesse uma associação, um órgão, que defendesse o interesse dessas pessoas que trabalham com o poker, sejam elas jogadores ou empresários.

Eu torcia para que alguém fizesse, porque assim eu poderia me concentrar exclusivamente na atividade empresarial. Mas como na época não tinha ninguém fazendo isso, eu fui meio que assumindo a história. Fundamos a Confederação Brasileira de Texas Hold’em com o apoio de lideranças como Geraldo Campêlo no Paraná, Guga Azevedo na Bahia, Osvaldo Naves em Minas, Beto Bahia no Rio, Júlio em Goiânia, e por aí vai. Fomos juntando documentos e laudos, a coisa foi tomando corpo e tudo isso aconteceu.

AO LONGO DE ALGUNS ANOS DE ATUAÇÃO, A CBTH CONQUISTOU VITÓRIAS IMPORTANTES. FORAM PARECERES DE JURISTAS RENOMADOS, A CLASSIFICAÇÃO DO POKER COMO ESPORTE DA MENTE PELA IMSA E TAMBÉM A QUESTÃO DO CONAR, PARA CITAR APENAS AS PRINCIPAIS. QUAL MOMENTO VOCÊ CONSIDERA O MAIS DIFÍCIL ENQUANTO PRESIDENTE DA CBTH E QUAL O ATUAL FOCO DE AÇÃO DA ENTIDADE?
A CBTH teve três momentos muito claros. O primeiro, burocrático. O cartório não queria deixar a gente nascer, a Receita não queria nos reconhecer e os bancos não queriam nos aceitar. O segundo momento foi o de juntar documentos. Foram estudos, pareceres, laudos etc. Para isso é preciso verba. O terceiro momento foi fazer uso dessa munição para avisar a todo mundo da nossa existência. Foi a luta para colocar o poker na TV, com o BSOP, LAPT e por aí vai.

Para mim, a parte mais difícil foi a questão burocrática. Tomamos quatro ou cinco nãos do cartório, que dizia que a gente não podia fazer o registro porque o “objeto é ilícito”. Argumentamos, justificamos, fomos para a justiça, até que conseguimos fazer o cartório registrar a CBTH.

Depois, recebemos da Receita Federal um código de atividade. Até hoje eu guardo esse papel. Lá, a Receita teve o peito nos entregar um CNPJ cujo código de atividade era “Exploração de Jogo de Azar”. Como se dissesse, “Isso aqui é ilegal, mas estou lhe dando um código, recolha aí, que depois a gente acerta com a Justiça”. Brigamos na Receita até conseguir um código de associação desportiva e organização de eventos associativos. Então, essa parte burocrática foi realmente a mais complicada até agora.

Nos próximos anos a meta da CBTH é consolidar sua legalidade, sua legitimidade e sua existência. Isso tudo junto ao Ministério dos Esportes, ao Ministério da Fazenda, resolvendo as questões tributárias, trabalhistas etc. Em suma, consolidar todas as formas legítimas de atuação de um segmento econômico. Depois disso, minha missão junto à Confederação estará cumprida.

VOCÊ CONSEGUE VISLUMBRAR A CBTH SEM IGOR FEDERAL À FRENTE? QUANDO ESSA RENOVAÇÃO NATURALMENTE ACONTECER, QUEM VOCÊ ENXERGA COMO SEUS EVENTUAIS SUCESSORES NA CONFEDERAÇÃO?
Quando estávamos criando o estatuto da Confederação, algumas pessoas diziam: “Coloca uma cláusula para você poder se reeleger”. Outros falavam: “Coloca uma cláusula para você se defender e ter a posse disso e daquilo”. A CBTH não é minha. A CBTH é do poker brasileiro. Fiz esse trabalho até agora e vou terminar o que comecei, mas a instituição tem de ser forte por si só. Tem de ser maior do que eu, maior do que todo mundo. Ela tem de existir sozinha. E se ela não for maior do que todo mundo, é porque nunca foi maior do que ninguém. Ela já não é mais uma criança. Ela é um órgão, tem estatuto e leis sucessórias.

Meu único grande desejo depois disso é abrir os jogos olímpicos do Brasil em 2016 com o poker como esporte da mente. Essa vontade eu tenho muito grande, mas acho que consigo suplantá-la fazendo um acordo com o futuro presidente, dizendo: “No dia dessa abertura, me leva ao seu lado pra eu ter esse prazer”. Até lá, acho que minha missão vai estar cumprida.

Sobre os eventuais sucessores, bem, um candidato natural seria Alberoni Castro, o “Bill”, atual diretor executivo da entidade. Ele conhece tudo da CBTH e está ao meu lado todos os dias. Mas há, obviamente, outros nomes fortes, como Geraldo Campêlo, do Paraná, em razão da percepção associativa. Mas o presidente da CBTH não precisa ser um presidente de federação. Pela capacidade de formação de opinião, os nomes seriam você, Bruno, Juliano Maesano e Guilherme Kalil. O Marcelo Lanza é outro nome para o futuro. Quem também poderia naturalmente pleitear isso é o próprio André Akkari, claro. Enfim, precisam ser pessoas ligadas ao meio de forma profissional, séria, com solidez de condução pessoal dentro do poker.

QUASE TODAS AS VEZES EM QUE CONVERSAMOS, EM ALGUM MOMENTO, VOCÊ MENCIONOU A FIGURA DO SEU PAI. HOJE, ENTÃO, VOCÊ FALOU SOBRE ELE DE FORMA EMOCIONADA. QUANTO DO QUE VOCÊ É HOJE SE DEVE A SUA RELAÇÃO COM SEU PAI?
Bem, como eu costumo falar muito sobre meu pai, vou começar aqui mencionando a minha mãe. Ela é meu referencial de amor. De amor incondicional. Sou daqueles que podem dizer que tiveram a melhor mãe do mundo. Já meu pai é um referencial de razão, de competência, de trabalho. Ele é um homem nascido no interior, em São João da Boa Vista, e enfrentou o mundo. Era funcionário de uma farmácia e por méritos próprios conseguiu se tornar geólogo, formado pela USP. Viajou o Brasil inteiro de norte a sul, desenvolvendo, desbravando, construindo estradas (a Transamazônica, a Rio-São Paulo), trabalhando em Serra Pelada, na Serra de Carajás. Meu velho viajou o mundo e hoje se refugia de novo na minha pequena cidade do interior. Ele me incutiu todos os valores de decência, de caráter, de palavra, de condução de vida que eu procuro seguir. Meu velho sempre disse que eu sou uma versão melhorada dele. O que ele não sabe é que, se eu fosse 10% do que aquele homem foi, eu já seria o sujeito mais feliz do mundo.

NÃO SERIA EXAGERO DIZER QUE VOCÊ É, POSSIVELMENTE, A PESSOA MAIS INFLUENTE NO MEIO DO POKER NO PAÍS. NESSA CONDIÇÃO, QUE RECADO VOCÊ DARIA AOS JOGADORES BRASILEIROS?
A principal mensagem, que eu tenho falado insistentemente é: joguem com responsabilidade. A grande razão pela qual o poker sofreu tanto preconceito, desde a década de 50 até aqui, era porque irresponsáveis faziam dele uma fonte de desvio de condução de vida pessoal e familiar.

O poker é uma arte bonita, um evento social, esportivo, estratégico. É bonito demais para ser usado de forma tão pequena, de autodestruição, sabe?

Para você que quer ser profissional, utilizando o poker para trazer resultados financeiros, minha mensagem é que, se você perceber que não consegue ter resultados nessa dimensão, use o poker para se divertir. Na internet, utilize-o como entretenimento. Programe o quanto você pode gastar no poker como quem programa um jantar com a esposa ou uma ida ao estádio de futebol.

Use o poker de forma competitiva, jogando para se desafiar, para brincar, mas nunca para trazer coisas ruins para você. Sempre que alguém faz isso, afeta todos aqueles que querem viver do poker. Se o poker não puder ser sua profissão, que seja sua diversão, seu esporte.


TODO MUNDO COM A MÃO NA CABEÇA!
A origem do apelido “Federal”

Meu irmão Yan trabalhava na Bosch, em Campinas, e conhecia uma moça que era casada com um sujeito de gostava de poker. Um dia, conversando com meu irmão, ela comentou sobre essa turma de poker do marido dela e tal. Foi quando Yan disse que tinha um irmão que também jogava. Então, fui convidado para uma roda de poker em que eu não conhecia absolutamente ninguém. Entre os jogadores daquela mesa estavam Leandro Brasa, DC e Leo Bello, que era casado com essa colega do meu irmão.

Eu tinha duas formas de fazer amizade. A primeira era ir devagarzinho, conhecendo as pessoas. A outra era fazer uma brincadeira ali e encurtar todo o processo. Decidi ir pelo segundo caminho.

Eu tinha recebido uma carteirinha da Ordem dos Parlamentares do Brasil, por causas dos serviços que minhas empresas prestavam à educação e tal. Era uma carteira com um brasão nacional, que eu levei naquele dia do jogo. Conheci as pessoas, fiz aquela amizade superficial e, no meio do caminho, na hora que eu vi que a mesa estava cheia, um cara tinha dado raise, outro deu reraise, outro foi all-in, alguém deu call, enfim, aquela mesa cheia de fichas – nessa hora eu saquei a carteirinha do bolso, joguei em cima da mesa e gritei: “Polícia Federal! Todo mundo com a mão na cabeça!”

E botei Brasa, Leo Bello, DC e companhia na parede, com as mãos na cabeça [risos]. Um deles chegou a gritar que era oficial de justiça. E eu disse: “Agora é que a casa caiu de vez!” E já passei a mão no celular, fingi que estava ligando para alguém e falava, “Pode subir! Pode subir que está dominado!” Aí não me aguentei mais e comecei a rir. Quando os caras perceberam a armação, quando notaram que eu estava brincando, me deram uma surra, me deram tapa na cabeça, me jogaram no chão, pularam em cima de mim. Dali nasceu uma puta amizade.

No outro dia eu recebi e-mail: “E aí, Federal? Vamos jogar essa semana?” E ficou Federal isso, Federal aquilo, e pegou. Na hora de escolher meu nick na internet, ficou fácil, “IgorFederal”. O resto é história.




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