Eis a verdade, amigos: a ignorância não é uma benção. Em hipótese alguma. Pensei nisso ao ler um artigo estranho esses dias, cujo autor fazia uma crítica crudelíssima ao poker. O título já resumia, em um único período, toda a sua hediondez – “Pôquer online: o mal do ano”. Decidi ler o texto. Nove parágrafos depois, pude constatar o seguinte: o conhecimento do autor sobre o tema era curto, escasso, quase inexistente. Mas isso o impediu de articular, por toda uma folha, reflexões absurdas sobre o poker? Não.
Senti-me ofendido pelo artigo. E houve uma frase (“não passa de um jogo de azar”) que doeu-me até fisicamente. Sim, amigos: as palavras me atingiram como um legítimo pontapé. Daqueles que os londrinos costumam dar nas ratazanas do metrô. Que fiz, eu, então? Liguei para Wenderson Wanzeller, um consultor financeiro, o autor do espantoso texto que fora publicado no Jornal DCI. Eu queria entrevistá-lo para esclarecer alguns pontos obscuros do artigo. Gentilmente, Wanzeller me atendeu e topou responder a todas as perguntas.
Abaixo, transcrevo as passagens mais polêmicas do texto e um resumo da minha conversa com o seu autor. A íntegra está no meu blog, no site da Revista Alfa.
1. “No Brasil, jogar poker apostando dinheiro é contravenção. Do jogo no boteco à casa de luxo. Se for no Brasil, e estiver valendo, é ilegal”.
Eu digo: “Em que lugar da legislação brasileira está dito isso?”
Wanzeller responde: “Essa colocação é interessante. Mas, mesmo reconhecendo minha afirmação, acho que não devemos entrar no mérito jurídico”.
Eu noto: “Não existe nenhuma lei que proíba a prática do poker no Brasil”.
2. “O poker não passa de um jogo de azar”.
Eu digo: “Como explicar, então, um jogador ser oito vezes campeão mundial na World Series of Poker, como o Phil Ivey?”
Wanzeller responde: “Reconheço que existem habilidades no jogo. [...] Mas, falando em probabilidades, qual seria a chance de ele [Phil Ivey] vencer um novato que tivesse dois ases na mão? Somente habilidade não faria diferença”.
Eu noto: “Se o amador apostar com os dois ases, Ivey pode simplesmente sair da jogada e partir para a próxima”.
3) “O poker não é e nunca será uma profissão. […] Não existe curso técnico, faculdade nem diploma de jogador”.
Eu digo: “Segundo o dicionário, profissão significa ‘trabalho para a obtenção dos meios de subsistência’. Quem vive do poker, portanto, é um profissional das cartas. Além disso, o poker é comparado ao judô no artigo. Também não existe curso técnico, faculdade nem diploma para judocas”.
Wanzeller responde: “O atleta de judô é, sim, um profissional. Quem diz isso é a Classificação Brasileira de Ocupação (CBO)”.
Eu noto: “A CBO também não classifica o xadrez como uma profissão. O que foram, então, os gênios Bobby Fischer e Garry Kasparov?”
Fazia anos que o poker brasileiro não era atacado de uma forma tão retrógrada, tão intelectualmente rasteira quanto no artigo de Wanzeller. Eu escrevi, mais acima, que me senti agredido e ofendido pelo texto. Mas vale ressaltar: Wanzeller fez, na verdade, um grande favor para nós. “Como assim?!”, perguntará o leitor, surpreso. Exato. Ao golpear o poker com argumentos tão rasos, Wanzeller deu-nos a oportunidade de responder com a razão ao nosso lado. Dezenas, centenas, possivelmente milhares de mensagens circularam pela internet expondo a desinformação de Wanzeller. Depois do debate, os conservadores deste país vão pensar duas ou três vezes antes de falar mal do poker sem, sequer, conhecê-lo direito.