EDIÇÃO 39 » MISCELÂNEA

A Síndrome da Folha Curta

Poucas tarefas são tão duras – e prazerosas – quanto escrever sobre o poker


Pedro Nogueira

Os escritores, às vezes, sentam-se na frente do computador e encaram uma feroz, uma intimidadora, uma indiscutível folha branca. No canto da tela, o relógio parece te julgar. Os minutos e as horas vão correndo num passo assustador, quase numa galopada de cavalo. E a folha continua branca. Um pistoleiro mexicano disse, certa vez, que a bala do revólver nunca mente. Eu diria que a folha branca nunca mente. Não há argumento contra a folha branca. Você pode protestar, dizer obscenidades impublicáveis. Não adianta. A folha branca está acima de qualquer discussão.

Há uma raça de escritores, porém, que não sofre desse mal: o escritor de poker. Sim, amigos. Esses exemplares raros da literatura estão livres da moléstia chamada “folha branca”. Mas não pensem vocês que a vida de escritor de poker é fácil. Absolutamente! Há um outro adversário ainda mais brutal, ainda mais selvagem, que persegue o escritor de poker: a folha pequena. Da mesma maneira que uma ratazana obesa é acossada por um londrino – a pontapés –, nós somos acossados pela folha pequena. Não importa se a folha é enorme, tão grande quanto uma Sibéria celulósica. Aos olhos do escritor de poker, ela sempre será pequena. Qualquer espaço é insuficiente para acomodar tudo o que há para ser dito sobre o poker.

Pode até parecer exagero. Mas não é. Cá estou eu, com a prazerosa tarefa de escrever a última página da CardPlayer Brasil. Súbito, ocorre-me o seguinte dilema: sobre o que escrever? E penso em Ilari “Ziigmund” Sahamies, um talento assombroso dos nosebleed stakes (os “cacifes hemorrágicos”). Esses dias, ele ganhou mais de 800 mil dólares numa única sessão. Renderia um ótimo artigo.

Mas como não falar de Gus Hansen, o Grande Dinamarquês? Em agosto, ele perdeu quase três milhões de dólares no Full Tilt Poker. Semanas depois, como um Cristo renascido, foi a Londres disputar a World Series of Poker Europe – e conquistou o seu primeiro bracelete. Teve, então, a má ideia de retornar aos nosebleed stakes. Torrou outro milhão. Repito, então, a minha pergunta anterior: como não falar de Gus Hansen? Ah, sim. Ele já esteve aqui no mês passado.

E lembro-me de outro jogador que mereceria toda uma edição de revista dedicada a ele. Ou, por outra: uma edição de livro! Phil “Unabomber” Laak. Assim como Hansen, o “Unabomber” ganhou em Londres o seu primeiro título da WSOPE. Além disso, não faz muito tempo que ele quebrou um recorde espetacular. Em junho deste ano, passou 115 horas seguidas jogando poker. “Como não falei dele na coluna daquele mês?”, me repreendo. Lembrei: escrevi sobre Alexandre Gomes, o divino, e o aniversário de dois anos do primeiro bracelete brasileiro.

Dizia eu naquele artigo que a vitória de Alê Gomes na WSOP fora uma batalha digna de uma Odisseia; e lamentava que Homero, o poeta grego, não estivesse lá para assistir. É quase um delito, quase um crime não falar de Alê Gomes em toda coluna. Ao cravar a WSOP, ele redimiu um povo, uma nação de jogadores brasileiros. Sempre digo que, no Brasil, o jogador de poker tinha síndrome de vira-latas. Bastava a carrocinha virar a esquina e nós tremíamos. Era o medo de ser laçado e virar sabão. Hoje, não mais. O bracelete de Alê Gomes transformou todos e cada um de nós em estrelas.

O leitor há de ter notado que nosso estimado dilema ainda está vivo. Escrever sobre o quê? E deixar de lado o quê? Poucas tarefas são tão duras – e gratificantes – quanto escrever sobre poker. As histórias são muitas; as folhas parecem sempre curtas demais. É como comprimir um livro do Machado de Assis num tweet de 140 toques. Ah, mas vale a pena... E como!

* Além de colunista da CardPlayer Brasil, sou agora blogueiro da nova revista Alfa, da Abril: revistaalfa.abril.com.br/blogs/poker-na-mesa. Espero que, com o blog, sediado na maior editora do país, eu possa contribuir para o crescimento desse esporte tão fascinante, tão encantador e tão envolvente chamado poker.




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