Em um mundo ideal, todos os nossos oponentes deveriam nos temer. Dessa forma, poderíamos mostrar todas as armas do nosso arsenal, o que nos permitiria ganhar muito mais do que uma quantia razoável de potes. Na realidade, muitos poucos de nós têm um estilo que imponha medo ao oponente, ao mesmo tempo em que é lucrativo. Se você é o líder em fichas disparado em uma mesa final, esta pode ser uma das poucas e afortunadas vezes em que todos o temem. Mas, a menos que seu nome seja Phil Ivey, você não assustará seus oponentes simplesmente por encará-los.
Entretanto, se não conseguimos fazer com que o oponente nos tema, podemos pelo menos nos certificar de que ele não será muito corajoso ao nos enfrentar. Sempre há adversários que me fazem pensar, “Quando eles estiverem nos blinds, vou tentar dar raise”. Não é só porque eles são tight, mas porque são tight-passive. Ou eles irão dar fold, ou não irão me punir por sair da linha. Os estilos deles me inspiram a ser agressivo, inspiram coragem – isto é morte instantânea no mundo do poker, algo que você deve evitar a todo o custo.
Você pode presumir que não tem nada com o que se preocupar porque não joga de forma tight-passive. Em geral, isso pode ser verdade, mas em uma base de mão-a-mão, você ainda tem que tomar cuidado para não criar a imagem errada. Deixe-me dar um exemplo do que quero dizer, tirado de uma situação real.
O jogo era no-limit hold’em $1-$2 deep stack. O UTG aumentou para $6. A mesa rodou em fold até um jogador agressivo em middle position, que fez tudo $18. Kyle recebeu K-K do button, e deu apenas call. Todos os outros jogadores largaram, incluindo o UTG, e eles viram o flop em heads-up. Bateu A-9-4. O raiser agressivo apostou $20, e Kyle pagou. O turn trouxe outro 4, e o reraiser dessa vez apostou $50. Kyle pensou por um tempo, e deu fold.
Mais tarde, Kyle me explicou sua lógica ao longo da mão. Ele deu flat-call pré-flop para disfarçar sua força e ver se o UTG iria dar 4-bet. Uma vez que o UTG deu fold, ele iria jogar sua mão como se fosse a melhor. Mas quando o ás bateu no flop, e o oponente apostou, ele não quis ficar envolvido demais com o pote. Ele deu call torcendo para que, se o adversário tivesse Q-Q ou J-J, ficasse assustado o suficiente para desacelerar. Uma vez que o oponente apostou alto no turn, Kyle decidiu que havia uma boa chance de o oponente ter A-A ou A-K, e não quis investir mais dinheiro no par de reis com um ás no bordo.
É inteiramente possível que Kyle estivesse derrotado, e que este jeito de jogar a mão tenha lhe poupado uma grande perda. No entanto, ele tinha muitos motivos para acreditar que poderia muito bem ter largado a melhor mão. Kyle não fez uma ação agressiva sequer. Então, seu oponente nunca teve motivos para temê-lo. O oponente provavelmente tinha a mesma mentalidade, e iria continuar a apostar independente do que tivesse, simplesmente porque Kyle não tentou impedí-lo de nenhuma forma significativa.
Em resumo, embora Kyle não seja normalmente um jogador tight-passive, sua imagem nesta mão foi justamente essa. Ele tinha a intenção de ficar agressivo em algum momento, mas nunca encontrou o instante certo para fazer isso e, portanto, não deu ao oponente motivos para se preocupar. Kyle até ajudou a criar um pote maior, que seu oponente tinha um incentivo extra para perseguir.
Às vezes, você começa dando slowplay na mão para disfarçar sua força, e depois pula fora quando seu oponente lhe coloca à prova. Você tem que pensar em como seu oponente vê o seu jogo. Se agir de forma fraca, ele vai agir de forma forte, quer ele esteja lhe derrotando ou não – é simples assim. É possível que seu slowplay tenha sido tão bem disfarçado que você o tenha inspirado a fazer uma jogada contra você. Não esqueça que era isso que você torcia para que acontecesse! Se sua mão não é forte o suficiente para mantê-lo na linha, você provavelmente escolheu uma mão ruim para dar slowplay.
O jogador que ganhou o pote provavelmente não pensou duas vezes em suas ações, e tenho certeza de que ele não tinha ideia de que Kyle tinha uma mão tão forte quanto K-K. Por que deveria? A única demonstração de força que Kyle deu foi pagar o reraise pré-flop, e até mesmo isso não foi tanto uma demonstração de força quanto uma indicação de que ele tinha algo com o qual queria jogar.
Quando você tem uma mão boa, mas vulnerável, geralmente vale a pena dar ao oponente uma ideia de quão forte sua mão é. Dessa forma, se ele contra-atacar, representando ainda mais força, é mais provável que isso seja legítimo. Por exemplo, Kyle disse que um dos motivos dele ter dado call pré-flop foi para ver se o jogador de UTG iria dar 4-bet. O que ele não considerou foi que um dos motivos para o UTG não ter dado 4-bet era que Kyle havia mostrado fraqueza por não dar 4-bet ele mesmo! Ele teria feito melhor se tivesse dado 4-bet e tomado controle da mão imediatamente. Aí, se alguém lhe desse raise, ele poderia largar seus reis com maior confiança.
Considerando que Kyle deu call pré-flop, ele teria se dado melhor se tivesse aumentado no flop, apesar da presença do ás. Dessa forma, ele poderia saber com grande certeza se seu oponente tinha um par baixo ou o ás. E se Kyle tivesse a melhor mão, o raise provavelmente lhe daria o pote ali mesmo. Kyle tinha esperança de que seu call no flop diminuísse o ritmo do oponente, mas contra adversários agressivos, você precisa fazer mais do que isso. Não há motivo para se valer da esperança quando um raise lhe permite saber exatamente onde você está.
No final das contas, quando for apertada a decisão entre fazer a jogada agressiva ou a passiva, a razão principal para escolher a agressiva é que você quer que seus oponentes lhe vejam desta forma. Parar e visualizar mãos como essa da perspectiva do oponente, e ver como foi a jogada do ponto de vista dele, realmente lhe ensina o valor da agressividade. Também me deixa imaginando com que frequência fiz um oponente largar uma mão muito melhor do que a que eu achava que ele tinha. Eu sempre achei que era meu jogo “corajoso” que ganhava o pote, quando na realidade era a passividade do meu oponente que me inspirava a fazer aquela jogada. Não inspire os outros a fazer a mesma coisa. ♠
Matt Lessinger é autor de O Livro dos Blefes, disponível em português pela Raise Editora.