Ao bater as primeiras palavras desta coluna, dou-me conta do seguinte: qualquer assunto, fora a World Series of Poker, já nasce morto. Falemos, então, desta espetacular festa. O jogador de poker brasileiro, sempre digo, tinha síndrome de vira-lata até alguns anos atrás. Se a carrocinha virasse a esquina, um pânico súbito e unânime tomava conta de todos nós. E com razão! O jogador poderia, facilmente, ser confundido com um perdigueiro velho, talvez laçado – e levado para fábrica de sabão.
Mas, eis que surge Kruel, Akkari e muitos outros. Pode-se dizer, sem exagero algum: foi a primeira constelação de craques do país. Eles elevaram o status do jogador brasileiro de vira-lata a celebridade. Vejam vocês, que ascensão magnífica: de cachorro a estrela! E, finalmente, em 2008, a WSOP recebe Alexandre Gomes, o divino. Com a sua fúria de centauro, ele driblou 2.316 adversários sedentos de sangue, passou pelas barbas de Abraham Lincoln, desprezou a Estátua da Liberdade – e cravou o primeiro bracelete do Brasil. Na WSOP, Alexandre era um só contra toda a potência bélica dos Estados Unidos. Mas, numa guerra épica, venceu. E, assim, Alexandre redimiu todo um povo, toda uma nação de jogadores brasileiros.
Pena que Homero não estava lá para ver, pena! O poeta grego faria da batalha de Alexandre outra Ilíada, outra Odisséia. Os raises e os folds do nosso herói pátrio deveriam ser narrados com o mesmo tom lírico, com a mesma dramaticidade que foi concedida aos golpes de Aquiles e de Heitor. Um sujeito objetivo poderia interpelar: “Mas, hoje, há a televisão, há o YouTube. Ninguém precisa mais dos poetas”. Nem tanto, nem tanto. A imagem pode enganar, amigos. Quem assiste ao vídeo de Alexandre na final da WSOP, imagina que era um heads-up honesto entre dois – e somente dois! – jogadores. Ah, que inocência. Tratava-se, sim, da luta entre um solitário contra séculos de dominação americana. Seria necessário um romance de 500, 700 páginas para dar a verdadeira dimensão histórica à vitória de Alexandre. Mil páginas!
Muito bem. Dois anos se passaram desde a WSOP de Alexandre Gomes. E, agora, em 2010, outro batalhão brasileiro há de chegar em Las Vegas, em busca do segundo. Nossos atletas nunca estiveram tão preparados, tão prontos para a guerra. Digo, sem remorso: estão jogando o fino! O poker online está aí para comprovar. As mesas finais do Full Tilt e do PokerStars parecem um bloco do carnaval baiano – transbordam brasileiros! Em questões de poker, o Brasil tem o melhor material humano do mundo. As mesmas acrobacias que os Globetrotters fazem no basquete, os nossos jogadores fazem à mesa.
Torno a dizer: não haverá, nos próximos meses, assunto digno de uma linha sequer – além da WSOP. Todas as manchetes de jornal, todas as capas de revista deveriam estampar a glória de nossos atletas em Vegas. (O leitor percebeu, certamente, que estou tomado por um otimismo fanático. E dava para ser diferente?) Neste ano, a invasão brasileira em Vegas será ainda mais extraordinária, ainda mais arrebatadora do que o desembarque aliado na Normandia! Seremos um exército de Eisenhowers, de Montgomerys, lutando pelo bracelete – ficha por ficha, carta por carta.