EDIÇÃO 35 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Outra Análise Sobre se Perdoar

Por cometer erros e por tomar boas decisões que não dão certo


Alan Schoonmaker

Meu amigo Barry Tanenbaum recentemente escreveu uma coluna chamada “Perdoe-se” (Card Player Magazine, 24 de março de 2010). Ele se baseou no epílogo do seu excelente livro Advanced Limit Hold’em Strategy.

Quando li esse epílogo, meu primeiro pensamento foi: “Barry ficou religioso ou se juntou a algum grupo New Age?” Depois de refletir a respeito, percebi que essa foi a melhor maneira de terminar esse livro. Eu então resolvi finalizar meu próprio livro, Vencedores são diferentes (Disponível em português pela Raise Editora), com o mesmo argumento: “Para melhorar seu jogo, você precisa experimentar novas maneiras de pensar e agir, e algumas delas vão causar erros dolorosos. Se você não conseguir se perdoar, vai insistir nesses erros e ficar resistente a correr riscos essenciais”.

Uma recente conversa me convenceu de que é preciso levar esse princípio adiante. Não se perdoe apenas por cometer erros. Perdoe-se por tomar boas decisões que não dão certo. Você pode achar que esse tipo de perdão é desnecessário, mas muitas pessoas se criticam amargamente por tomar tais decisões.

Por exemplo, um jogador de cash games me disse que raramente joga torneios, em parte por que ele “cometeu um erro terrível” no único torneio significativo.

“Eu era o chip leader e estávamos todos na zona de premiação. A prize pool total era de cerca de $30.000. Uma moça que tinha o segundo maior stack deu raise e eu voltei reraise com par de ases. Ela foi all-in e eu achei que ela tivesse reis. Meu instinto me disse para não dar call. Eu tinha fichas o bastante e não devia colocá-las em risco contra o único outro stack alto. Mas eu não escutei minha intuição. Dei call, ela flopou outro rei e eu perdi muitas fichas”.



O pronto crítico é que ele sentiu que tinha cometido um erro, mas sua decisão era praticamente automática. Ele tinha 80% de chance de eliminar o segundo maior estoque, o que o tornaria favorito para ganhar o torneio. Como o primeiro lugar recebe muito mais que o segundo, e o segundo muito mais que o terceiro, dar fold seria um terrível erro.

Ele precisa fazer mais do que se perdoar por um erro que não cometeu. Ele tem que aceitar inevitável variância do poker. Você certamente já leu que deve se concentrar em tomar as decisões corretas e ignorar os resultados. Você provavelmente já afirmou que compreende esse princípio, mas será que o aceitou emocionalmente?

Eu desconfio que muitos leitores não tenham feito isso, mesmo aqueles que compreendem e aceitam intelectualmente esse fato. Emoções não são lógicas, e quando uma decisão de EV positivo não dá certo, podemos nos sentir péssimos com isso. Por exemplo, você já se fez amargamente alguma dessas perguntas?

“Por que eu joguei ontem à noite? A mesa era fácil, mas eu estava numa má fase e as perdas de ontem foram muito dolorosas”.
“Por que eu tribetei contra João? Eu tinha a melhor mão, mas ele estava com sorte e me derrotou”.
“Por que eu apostei no turn? Eu o coloquei num flush draw, e ele sempre completa seus flushes — pelo menos contra mim”.
“Por que eu tentei esse blefe?”

Blefes mal sucedidos são especialmente propensos a ser encarados como erros, mesmo que tenham sido jogadas de EV muito positivo. Digamos que o pote lhe dê odds de 5-1 e você acredite que um blefe tenha apenas 25% de chance de sucesso. Como esse blefe é uma jogada de EV positivo, você deve executá-la e não achar que cometeu um erro nos 75% das vezes em que ela falhar.
Há outro lado dessa sensação: você pode ficar com raiva de si mesmo por não ter tomado uma má decisão que teria dado certo. Por exemplo, um jogador sólido dá raise do under the gun, coisa que ele faz apenas com pares de ases a valetes, A-K e A-Q. Então, você dá fold com A-J suited. O raiser tinha A-K, o flop veio A-J-X e você teria puxado um grande pote.

Ou você dá fold com 10-9 offsuit do UTG, o flop vem Q-J-8 e você teria eliminado alguém que tivesse flopado uma trinca de oitos. Suas decisões foram inquestionavelmente corretas, mas podem parecer erros. Você pode até mesmo se censurar por “jogar muito tight”, “ser um fracote” ou “não seguir meu instinto”.

Você Deve Focar no Longo Prazo
Intelectualmente, todos os bons jogadores aceitam esse princípio, mas suas reações emocionais aos resultados de curto prazo podem dominar seu raciocínio lógico. David Sklansky e eu discutimos esse problema no nosso novo livro DUCY? (“Do You See Why?”) Nós pedimos aos leitores que desenvolvam uma perspectiva distanciada e de longo prazo tanto no âmbito intelectual quanto no emocional. Não apenas compreenda que você deve focar suas decisões numa análise lógica e matemática. Aceite instintivamente que os seus resultados de curto prazo são quase irrelevantes.

Se você não conseguir aceitar seus desagradáveis resultados de curto prazo, vai tomar decisões ruins por motivos irracionais. Pior ainda: enquanto você se repreende por maus resultados, pode ficar distraído e cometer erros de verdade.



Perdoar Não é Esquecer
Eu certamente não estou sugerindo que você esqueça, ignore ou minimize seus erros. Se fizer isso, vai continuar a cometê-los. Você tampouco deve presumir que cometeu um erro se uma jogada não der certo. Seja equilibrado e objetivo.

Se você estiver insatisfeito com os seus resultados, tome notas detalhadas à mesa, depois tire a última decisão da sua mente e se concentre em jogar as cartas que você está segurando. Depois de deixar a mesa, discuta suas notas com um colega de poker, coach, grupo de discussão ou fórum online. Durante tais discussões, analise detalhada e desapaixonadamente seus processos de raciocínio. Que fatores você levou em conta? Quanto peso deu a cada um? Que fatores ignorou, minimizou ou superenfatizou?

Preparar um relatório para outras pessoas vai melhorar seu raciocínio. Você pode ver seus erros antes que outros os vejam. E quanto mais informações fornecer a outras pessoas, mais elas podem lhe ajudar.
Você precisa desse feedback porque não há como ser completamente objetivo sobre si mesmo. Portanto, escute com a mente aberta as críticas das pessoas. Em vez de defender suas decisões, disseque-as e encare as outras pessoas como úteis e não como inimigos.

Eu frequentemente participo de discussões de poker, e muitas delas se tornam emocionais. Muitas pessoas dizem que querem feedback, mas discutem com qualquer um que os critique. Em vez de tentar aprender uns com os outros, eles tentam ganhar a discussão. É idiota, mas muito humano. Todo mundo parece se esquecer de que todos nós precisamos desenvolver nossas habilidades de fazer a única coisa que importa no poker — tomar boas decisões.

Qual é a conclusão?
Evite os extremos de criticar e defender suas decisões. Minimize todas as emoções e analise as situações com o máximo de minúcia e objetividade. Depois, aja com convicção. Se você não gostar dos resultados, faça outras análises, preferencialmente com a ajuda de outras pessoas. Se você tomou uma decisão ruim, aprenda com ela. Se tomou uma boa decisão, mas teve azar, dê de ombros e diga: “That´s poker” e esqueça.

Alan Schoonmaker é PhD em psicologia ocupacional e autor da Trilogia da Psicologia do Poker, disponível em português pela Raise Editora.




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