Todos os jogadores que sentam à mesa de poker possuem um determinado período de tempo para tomar suas decisões. Na internet, esses segundos estão dispostos no formato “time bank” (banco de tempo), ou seja, um lapso temporal pré-determinado que você deve administrar e que será usado ao longo do torneio.
Tenho certeza de que deixei de ganhar dinheiro por isso. Até aprender a lidar com esse aspecto, devo ter perdido chances de acumular fichas em potes decisivos ou mesmo ter sido eliminado de torneios, principalmente no poker online. E isso se deve ao fato de eu ter agido apressadamente. Depois que comecei a usar o time bank para escolher melhor o movimento mais correto, meu percentual de erros diminuiu muito e minha carreira deu um grande salto.
A situação que vou descrever ilustra minha mudança de atitude em relação ao começo da caminhada como profissional. No primeiro domingo de setembro, consegui uma terceira colocação em um dos torneios mais difíceis do Poker Stars, o $100 com rebuy. Esta competição geralmente reúne, durante os dias de semana, todos os grandes jogadores do poker online. No domingo, além dos oponentes habituais, é possível encontrar muitos principiantes e apaixonados pelo Texas Hold´em, que vêm na onda do Sunday Million e fazem com que o torneio tenha uma premiação gigantesca.
Quando restavam cerca de 36 jogadores, recebi AA no dealer. Isto é a melhor coisa que pode lhe acontecer. Os blinds estavam altos (500/1000), eu tinha 32.000 (sendo a média 51.000) e recebi um monstro quando era o último a falar. Nesse torneio, normalmente, as apostas feitas por quem está nessa posição não são muito respeitadas, ficando bastante sujeitas a reraises vindos dos blinds. Para a minha surpresa, o UTG disparou uma aposta de 4800, ou seja, mais de quatro vezes o blind. Este jogador estava com a imagem bem loose na mesa, entrando em muitos potes, sempre com apostas pesadas depois do flop.
Se esta situação acontecesse em 2005 ou no começo de 2006, já imagino qual seria a minha reação: provavelmente eu apostaria por volta de 10.500, torcendo para que o UTG voltasse all-in. O que estou querendo dizer é que eu não parava muito tempo para refletir nem usava meu time bank: eu simplesmente dispararia a aposta sem pensar muito no cenário como um todo. Agora que tenho uma experiência mais significativa, analiso toda a situação.
Análise 1
O UTG agressivo dispara 4800 nos blinds (500/1000), ficando com 39.000 para trás. Se você voltar a aposta, torça para ele ter apenas três combinações de cartas: AK, KK ou QQ. Possuindo qualquer outra mão e tendo um mínimo de noção de jogo, ele dará fold – considerando que ele sabe que a aposta do UTG precisa ser respeitada e que você, no dealer, aplicará um reraise, o que seria um desrespeito à posição dele e também uma gigantesca demonstração de força da sua parte – e você deixará de faturar um grande pote, daqueles que poderiam levá-lo ao título.
Análise 2
Se você der call, corre o risco de o big blind (ou mesmo o small blind) fazer a mesma coisa. Assim, em vez de você jogar seu AA contra apenas um oponente – que seria o ideal neste nível de blinds e a esta altura do torneio – você precisaria encarar mais dois ou três adversários. Então, o que é preciso levar em conta para saber se isso vai acontecer ou não? Simples: basta você analisar o stack dos blinds. Naquele momento, o small blind tinha 14.500 e o big blind, 19.000. Em outras palavras: seria praticamente impossível eles darem call nesta aposta de 4.800, correndo o risco de comprometer totalmente o torneio, certo? Muito pelo contrário! Se você der call com AA no dealer, abrirá um enorme precedente para que um deles volte all in, supondo que tanto o UTG quanto você abandonarão suas mãos, caso em que terão uma bela surpresa.
Depois de gastar todo meu time bank com o raciocínio acima, minha decisão foi apenas dar call, na tentativa de construir um stack que me fizesse ir longe no torneio. Além do mais, eu poderia muito bem ter tomado outra decisão, caso conhecesse bem o estilo do UTG. Por exemplo: se ele fosse como o “BelowAbove” (jogador online famoso por ser muito agressivo nas retas finais dos torneios e por não abandonar um coin flip nos momentos decisivos) a melhor opção seria eu voltar all in. Naquele instante, essa jogada entraria na cabeça dele como uma certeza absoluta de AK, e o range de mãos com as quais ele poderia me pagar seria gigantesco. Mãos como JJ, 1010, 99, 88, 77, possivelmente seriam call imediato.
Voltando à análise, dei call na aposta do UTG. O small blind largou e o big blind também. O flop veio 2-3-7, uma de cada naipe. Muitos podem achar o contrário, mas não foi um bordo dos melhores. Se ele não tivesse par na mão, dificilmente teria acertado este flop. Mas, como ele atirou do UTG, a continuation-bet era inevitável. E foi o que aconteceu, pois ele disparou 9.000 (novamente vemos a importância do time bank). Meses atrás, se eu tivesse dado call pré-flop, voltaria all in de imediato, mas resolvi gastar bem meus segundos e pensar melhor sobre a situação. Vejamos: se ele não tivesse acertado um par – o que era bem provável – voltar all in tiraria minha chance de ganhar mais fichas no turn e no river com um blefe forçado. Em contrapartida, caso ele tivesse 1010, JJ, QQ ou KK, não faria tanta diferença porque, na pior das hipóteses, a trinca dele no flop com meu all in logo em seguida, seria o anúncio da minha derrota.
Depois de gastar algum tempo demonstrando certa fraqueza para o adversário resolvi dar call mais uma vez. No turn veio um 8. Naquele momento, cabia analisar a atitude dele para encaixá-lo em um range de mãos mais preciso, e ele veio de all in imediatamente. Ali, tive a certeza de que iria trombar com algo entre um par de dez e um par de reis. Se ele tivesse trincado no flop, teria pedido mesa (em 90% dos casos os jogadores fazem isso). Caso ele tivesse um 88, o check no turn quando batesse sua trinca seria mais do que óbvio. Para ele voltar all in com esta velocidade toda, deveria ter cometido exatamente o erro para o qual estou alertando agora, e que depois dessa coluna vocês nunca mais cometerão: ele não usou o time bank e veio de all in imediatamente. Eu dei call e ele apresentou 1010.
O uso do tempo para ele teria sido fundamental para uma análise quase que primária no poker. Se o flop traz 2-3-7, com 8 no turn, restam muito poucas mãos com as quais ele poderia vencer. Para ser mais exato, praticamente apenas uma mão: o par de noves. No mais, ele perderia para todas as combinações. Só que eu dei call de 9.000 no flop... Afinal, se eu tivesse AK, abandonaria logo no flop; se não, cairia fora quando visse o all in dele. Então, para que o all in? Não podemos nos esquecer de descartar a possibilidade de ele ter AK, já que não deu reraise pré-flop. Com qualquer outro par, a chance de trinca seria gigantesca, portanto, o all in dele só seria pago se estivesse perdendo.
Neste caso, felizmente, o fato de meu oponente não ter utilizado o time bank me trouxe um belo lucro. Traduzindo: depois que comecei a parar e a pensar no que fazer em cada uma das situações de jogo desde o início das sessões, meu aproveitamento cresceu de forma exponencial, e tenho certeza de que você também será beneficiado com este efeito positivo.
AAKKARI
Poker Stars Team.