EDIÇÃO 29 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Sorte no jogo, sorte no amor


Pedro Nogueira

A piada é clássica – de tanto que já foi repetida, chega a ser vital, indispensável numa conversa sobre jogos. Você está falando para os amigos sobre uma determinada sessão de poker, na qual as cartas lhe foram extremamente generosas. Os pares viravam trincas, as pedidas tornavam-se fato e as fichas não paravam de entrar no seu bolso. Não há escapatória: cedo ou tarde, alguém virá com o comentário profético. “Cuidado, hein! Sorte no jogo, azar no amor”. Para não ser desagradável, você sorri. Dá, também, um tapinha amigável nas costas dele, como se tivesse achado graça na brincadeira. Mas a verdade é que você já tinha ouvido a piada. Três vezes. Só naquela semana.

De tão usada, a expressão tornou-se uma espécie de “verdade universal”. É como se existisse um equilíbrio divino e inexplicável que defendesse os maus jogadores do fracasso completo e absoluto.

Mas fica a questão: rivers milagrosos e potes graúdos significam que sua namorada vai te largar no próximo fim de semana? Para ficar com aquele coitado que tomou cinco bad beats seguidos num mesmo dia? Como dizia o Duque de Wellington, quem acredita nisso, acredita em tudo. Poucas máximas criadas pelo homem são tão imprecisas e tão falsas quanto essa. Repito: é um ditado de credibilidade abominável.

Lembro-me de uma sessão de cash game que joguei, alguns meses atrás, no Casino at the Empire, em Londres, o mesmo que sediou a World Series of Poker Europe. Era sábado à noite, e eu estava sentado numa mesa de 1-2 libras. Um dos jogadores se levanta e vai embora, abrindo uma vaga na mesa. Para a surpresa – e alegria – de todos os parceiros, senta-se no lugar dele uma garota linda, de vinte e poucos anos. Cabelo loiro escorrido, olhos claros, alta. Seu nome era Rachel.

Sou tímido por natureza, e não costumo socializar muito enquanto jogo. Naquela noite, porém, uma maré de sorte implacável estava do meu lado, e eu me sentia extremamente confiante. Poucas vezes na vida acertei tantas mãos fortes – e puxei tantas fichas – quanto naquela sessão. Metade dos jogadores da mesa disputava a atenção de Rachel, com comentários que variavam desde a mão anterior até o Big Ben. Fiz, então, algo que surpreendeu até a mim mesmo: levantei-me, fui até ela, pedi o seu telefone e combinamos de sair no dia seguinte. Eu nunca fizera isso antes. E, provavelmente, nunca voltarei a fazer.

Fiz a introdução acima para chegar à seguinte conclusão: sorte no jogo traz sorte no amor. Assim como o azar num atrai o azar noutro. “Ninguém te ama”, escreveu o ex-beatle John Lennon, “quando você está para baixo e por fora”. Quando se está com azar, esta é a cruel consequência: todos param de te amar. Uma série maciça de bad beats abala, em maior ou menor a escala, a confiança de qualquer jogador (a não ser que você se chame Patrik Antonius e seus nervos sejam à prova de balas). E é muito provável que essa má fase nas cartas tenha reflexos no seu dia-a-dia. O azar no jogo nos deixa irritado, com a autoestima baixa e com um sentimento de impotência. Que mulher se sentiria atraída por um homem assim?

Por outro lado, “todos te amam”, cantava Lennon na mesma canção, “quando você está flutuando a seis palmos do chão”. Bastam alguns flushes e full houses em sequência para que a nossa confiança eleve-se a níveis altíssimos, astronômicos, sobrenaturais. Nasce, assim, uma auto-estima napoleônica. Afinal, quem consegue puxar um pote com apenas três outs, consegue tudo. Uma grande amiga me disse há algum tempo: “Homem confiante é tudo. Se você não é, aprenda a fingir”. Então se você é um azarado crônico (ou um jogador de talento duvidoso), não há motivo para desespero. Finja que é sortudo. Assim, pelo menos no amor você poderá se sair bem.

Pedro Nogueira é blogueiro do site www.elhombre.com




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