Depois de dois anos de espera, horas sem dormir, umas oito revisões e várias discussões sobre a melhor capa, finalmente, no dia 13 de outubro, meu segundo livro saiu da gráfica pronto para ser distribuído.
É como o nascimento de um filho: já vem muito amado, você tem um carinho especial por ser seu, mas carrega todos os medos das consequências desse nascimento. Será que ele tem saúde? Vai ser feliz? As pessoas vão gostar?
Essa é uma daquelas horas em que devemos seguir a sabedoria popular e deixar nas mãos de Deus. Foi um livro preparado com muito carinho e fruto de muito trabalho, por uma grande equipe. Está saindo pelo selo da Editora Ediouro. Na prática, uma mudança interna, já que a Ediouro é dona do grupo do qual a Nova Fronteira faz parte. O livro vem com um brinde para quem comprar online pelo site Saraiva.com: um baralho Texas Hold’em da Copag. Quem resolver comprar em eventos ao vivo da Nutzz ou Stack poderá adquirir cópias autografadas.
Para dar um aperitivo para a galera da CardPlayer, resolvi colocar um pedaço de um dos capítulos iniciais do livro. Espero que, com esse tira-gosto, mais pessoas se sintam instigadas a experimentar a versão integral do livro e recomendá-lo aos amigos. Depois do primeiro livro, percebi que a força do boca a boca é que faz o sucesso de uma obra como essa.
O trecho escolhido vem do capítulo “Profissional X Amador: o caminho para evoluir”, em que discuto o que acho necessário para evoluir como profissional de poker e ao mesmo tempo abordo a necessidade de se tornar um profissional para se divertir ou lucrar com o poker. Esse capítulo tem a participação de Sérgio Braga, profissional conhecido de São Paulo que atualmente mora em Las Vegas com sua esposa Alessandra Braga, onde está vivendo dos seus ganhos com o poker. Só que a participação do Sérgio você só verá comprando o livro!
Lembre que aqui você encontra apenas pedaços extraídos do capítulo, e não o texto integral. Resolvi começar onde defino o que é um profissional. Espero que vocês gostem.
Profissional é aquele que faz do poker sua fonte de renda exclusiva. Transforma o poker, de apenas um hobby, em sua principal função. E, assim como em qualquer outro trabalho, estabelece horários, metas, previsão de ganhos etc. No Brasil, tais profissionais só vêm surgindo nos últimos anos, e ainda hoje a base para seu trabalho é o exterior, onde os grandes torneios e jogos são realizados, além da Internet.
É necessário ser um profissional para ganhar dinheiro com o poker? Claro que não. Você pode ser um jogador amador e eventualmente ganhar dinheiro em torneios ou cash games, mas, nesse caso, seu foco principal deve ser na sua profissão. O poker é apenas um hobby ou mesmo um trabalho secundário.
Acho essa definição muito importante, pois já me deparei com vários jogadores novatos que me perguntam se acho que eles podem se profissionalizar.
Esta resposta não deve nunca partir de mim, e sim de cada um.
Escolher uma profissão é algo muito sério, e demanda um investimento de tempo e esforço intenso. Você não vira médico, advogado ou engenheiro da noite para o dia. Passa anos estudando e se aprimorando. Por que com o poker seria diferente?
Mesmo para profissões que independem de diploma, é preciso um longo caminho para aprender as nuances. Ou alguém aqui acha que, para ser um comerciante, não é preciso conhecer a fundo seu mercado, seu produto, e até mesmo entender de relações comerciais, de gerenciamento de capital etc.? Além disso, para se dedicar a uma profissão é necessário ter talento. Como ser um médico sem gostar de pessoas ou ter estômago para lidar com situações de risco de morte? Como ser um advogado se você não tem inclinação para estudar e interpretar leis? Como ser um engenheiro sem possuir habilidades com números?
É possível que se consiga exercer essas profissões sem estes pré-requisitos, porém isso resultará em uma das duas situações:
• ser um profissional ruim;
• ter que se esforçar muito para suprir a falta de aptidão natural.
Gostar de poker não é motivo para transformar um hobby em profissão. Muito menos querer ganhar algum dinheiro com o jogo constitui uma razão para se profissionalizar.
Para se tornar um profissional é necessário:
1 – Saber administrar seu capital: talvez um dos tópicos mais difíceis, pois conheço diversos jogadores talentosíssimos que seriam excelentes profissionais, mas que não têm a mínima ideia de como administrar seus bankrolls, ou seja, o valor total que cada um tem reservado para jogar.
Em qualquer negócio, não saber administrar o risco e o capital leva à falência. No poker não é diferente.
Quando ouvimos histórias de jogadores que faliram, quase sempre estamos falando de amadores que não sabem administrar o risco. Vale lembrar que isso acontece em todas as profissões e negócios, e não apenas com o poker.
O poker é uma das poucas profissões em que é possível sair para trabalhar e retornar com menos dinheiro do que quando saiu de casa. Já pensou no impacto disso?
Mas isso não é exclusivo do poker. Quem trabalha com mercado financeiro ou bolsa de valores, por exemplo, está sujeito aos mesmos riscos. A boa administração de seu capital na bolsa equivale ao que um profissional deve fazer de seu bankroll. Administrar envolve ter registros acurados, planejar os investimentos, as retiradas mensais etc.
2 – Conhecer a teoria: um profissional deve saber as regras do jogo de que participa, aprender a fundo os conceitos básicos e saber aplicá-los à mesa.
Que fique bem claro que apenas ouvir falar ou ler uma vez sobre um tópico não o torna conhecedor da teoria. Para realmente dizer que você conhece um assunto, é preciso estudá-lo de preferência em mais de uma fonte, tentar aplicar os conceitos na prática, voltar à teoria, reler e tirar suas próprias conclusões a respeito. Participar de fóruns também ajuda muito nesse ponto.
O fórum MaisEv foi criado por uma galera jovem do Rio de Janeiro, que há muito vem estudando o poker. Feito nos mesmos moldes do da Two Plus Two, o conteúdo e as discussões têm um bom nível técnico.
3 – Fortalecer o psicológico: controlar o tilt, que normalmente acontece quando o jogador está perdendo e entra num estado psicológico alterado, o que o faz passar a jogar dominado pelas emoções, algo que leva a jogadas ruins. Por isso, é preciso aprender a manter a calma e estabelecer um método para avaliar cada mão, além de desenvolver as habilidades de leitura da mesa e dos adversários.
Para melhorar como jogador, tive que passar por um processo que, em última instância, me ajudou na própria vida. Sempre falei mais do que ouvi. Na mesa de poker, é necessário falar bem menos e prestar mais atenção ao que acontece a sua volta. Foi muito difícil me adaptar a isso. Mas foi necessário para evoluir.
Quem se lembra de mim quando comecei a jogar vai recordar que eu “tiltava” numa mão em que meu adversário jogou incorretamente ou ficava revoltado ao perder um jogo. Hoje, perder um jogo em que joguei corretamente não mais me afeta. Faz parte da profissão. O que sempre deve ser avaliado é o que eu poderia ter feito para evitar perder (às vezes a resposta é: não havia o que fazer, mas mesmo assim não deixe de se questionar sempre).
Minha opinião pessoal é bastante radical: um jogador que domina os aspectos psicológicos do jogo é um jogador infinitamente melhor do que aquele que domina a teoria.
O poker é um jogo em que saber se aproveitar das fraquezas e dos erros do adversário é fundamental. Não adianta ter um belo repertório teórico se você não desenvolver sua sensibilidade para perceber as mudanças no comportamento e nas atitudes dos outros jogadores, identificar seus medos e inquietações. Por exemplo, ao longo de um torneio, todos os competidores passam por um determinado período em que recebem poucas cartas boas. Aprender a jogar durante este período é fundamental. Mais ainda é saber identificar quais adversários estão passando por estes momentos e atacá-los nestas horas.
Portanto, é necessário trabalhar seu autocontrole, desenvolver suas habilidades de leitura e percepção corporal e treinar suas falas, para evitar que você próprio dê tells aos adversários, evitando quaisquer sinais, maneirismos, atos ou ações, feitos de forma inadvertida ou não, que permitam a eles ter uma leitura mais precisa do seu jogo.
4 – Praticar: não dá para ser profissional se você não dedicar seu tempo a melhorar seu jogo. Muitos me escrevem perguntando como e onde começar. Isso varia de pessoa para pessoa. Acredito ser mais fácil, hoje, começar pela Internet do que ao vivo, pois você pode fazê-lo a qualquer hora do dia, no conforto de sua casa. Escolha começar em sites como o BestPoker, PokerStars, Full Tilt ou PartyPoker.
Mas acho fundamental participar de torneios ao vivo. Se você for de São Paulo ou tiver acesso à cidade, participe do Circuito Paulista (circuitoholdem.com.br). Esse torneio foi o início para muitos dos profissionais brasileiros, e até hoje tem uma boa mistura de iniciantes e jogadores mais avançados. Outros estados possuem seus próprios torneios regionais, e existem também torneios de âmbito nacional como o BSOP (bsop.com.br).
Eu jogo uma modalidade por vez, e procuro aplicar conceitos que acabei de estudar no dia a dia. Por exemplo, se eu ler hoje um artigo sobre check-raise, entro nas mesas tentando aplicar esse movimento e observado quando ele funciona melhor. Fico com a jogada na cabeça e vou praticando.
Prefiro jogar várias mesas de um valor menor que o possibilitado pelo meu bankroll do que apenas uma mesa de um valor maior. Assim, diminui-se o efeito da variância e também se consegue mais prática em um menor período de tempo. A desvantagem de jogar muitas mesas é não ter tempo de fazer anotações ou mesmo de prestar atenção à ação em cada uma. Assim, quando for jogar em mesas de valores altos, procure focar apenas em uma.
É fundamental fazer experiências com seu jogo.
5 – Informar-se sobre o mercado: onde estão os melhores jogos, as melhores oportunidades, os torneios imperdíveis, os jogadores mais fáceis de serem derrotados? E as fraquezas dos adversários? Conheça os adversários realmente bons e aprenda com eles.
Os sites menores costumam ter pelo menos um torneio com um maior prêmio garantido por dia, que muitas vezes não é atingido. Isso é mais difícil de acontecer em sites do porte do Full Tilt e do PokerStars. Portanto, não se restrinja aos maiores: procure em as ofertas boas existentes (boa premiação com field pequeno).
Procure ser criativo e se informar. Muitas vezes as melhores oportunidades estão em sites menores, com menos expressão na mídia.
6 – Manter registro de seus jogos: isso é algo que poucas pessoas fazem, mas é fundamental para estabelecer uma amostra real do seu desempenho. Até mesmo porque, se você está estudando e se aprimorando, a tendência é que seus resultados melhorem, e você deve querer comprovar isso.
Jogando online, uma das melhores formas de registrar seus resultados é possuir um software de estatísticas, como o PokerTracker ou Hold’em Manager, que grava o histórico de mãos jogadas, os hand histories, direto dos sites de poker online, e fornece ao usuário diversas estatísticas sobre seu jogo diretamente da base de dados sobre as mãos coletadas.
Para seus resultados ao vivo, recomendo que faça uma planilha num aplicativo como o Excel, constando para cada sessão o valor investido (buy-in ou cacife) e o resultado da sessão, assim como sua duração. Com tais dados, você pelo menos poderá, após um determinado período, realizar um balanço simples, ver se está tendo lucro e que tipo de jogo está lhe trazendo o maior retorno.
Como em qualquer outra profissão, você deve dar preferência ao que lhe dá o melhor retorno. Se perceber que lucra mais com sit-and-gos do que com cash games, prefira os primeiros. Se, por outro lado, perceber que determinado nível é mais lucrativo, ou ainda que está perdendo ao subir o nível de buy-in, desça para o cacife inferior. Somente mantendo anotações fidedignas de entradas e saídas isso será possível.
7 – Estabelecer metas: parece algo extremamente óbvio, não? Mas estabelecer metas e traçar um plano para atingi-las é fundamental em qualquer atividade profissional. E mais: você deve parar e fazer uma revisão após um período de tempo predeterminado. Verificar quais metas atingiu, quais se modificaram, perdendo ou ganhando importância, e quais são seus novos objetivos. Faça um balanço de suas atividades.
Um livro excelente sobre esse assunto e que eu usei bastante como apoio para esta obra é o Xeque-mate, de Garry Kasparov. O autor mostra como sua preparação e seu planejamento o fizeram alçar voos cada vez mais altos em seu esporte — o xadrez, no caso.
Qualquer atleta em sua modalidade traça metas para seu desempenho. A busca constante pelo aperfeiçoamento é uma característica inata dos desportistas.
8 – Ser disciplinado: traçar planos e não segui-los de nada adianta. Se você aprender a teoria, mas na hora em que estiver jogando abandonar seus conceitos, seja por considerar aquele jogo diversão ou talvez por estar cansado, desanimado, desinteressado, entediado, tenso, ou algo do gênero, está perdendo tempo e dinheiro.
Lembre que você está trabalhando todas as vezes que se senta e começa um jogo, além de ter um objetivo a cumprir.
Pense em outras profissões: quantos profissionais você vê trabalharem em seus momentos de lazer? Saiba dividir seu tempo e use seus horários livres para outras atividades, esportes e para sua família. Namore, saia e se divirta, pois a vida não espera.
Não vire noites jogando poker, nem fazendo nada que deixe seu bem-estar em segundo plano. Disciplina também é saber seus limites.
9 – Faça networking: se relacione, conheça pessoas que trabalham com o poker. Troque ideias, se apresente, participe e ajude. Lembre-se de ser humilde diante de quem está começando e ser respeitoso com seus colegas de profissão.
Não consigo conceber um único motivo para você se isolar nesse esporte. Mesmo para manter seus adversários próximos e conhecê-los melhor, é preciso se socializar. Nestas horas lembre-se do ensinamento de Sun Tzu: mantenha seus amigos por perto, e seus inimigos ainda mais perto.
Agora, se você quiser realmente prosperar, procure fazer o máximo de amizades possível. Neste mercado, no qual o que se espera do profissional são longas jornadas, dias e dias viajando atrás dos melhores torneios — muitas vezes em outros países —, ter amigos próximos alivia bastante a solidão. Além do mais, é muito melhor ser respeitado e visto com carinho pelos colegas de profissão do que ser tido como uma pessoa indesejável.
Os jogadores de poker tendem a ter dificuldades em controlar o ego. As vitórias e o dinheiro no bolso levam a sensações de poder e de conquista. Controlar a arrogância e o ego e ser humilde são atitudes importantes nesse esporte.
10 – Seja persistente: a carreira é difícil, necessita de talento, disciplina, muito estudo e dedicação. Uma fase ruim acontece para todos os profissionais eventualmente. Se você acredita nas bases sólidas de seu conhecimento teórico, sabe do seu talento e acredita no seu potencial, seja persistente! Não desista nos primeiros percalços, não dê passos maiores que suas pernas e siga em frente. Seja humilde para voltar atrás, mas lembre-se de sua meta e de sua estratégia para alcançá-la.
11 – Por fim, lembre-se de que no poker não existem verdades absolutas: nada é imutável, absolutamente errado ou absolutamente certo. Três conselhos que não são à prova de falha: “Nunca entre num pote apenas com um limp”; “Sempre aumente com par de ases”; e “É incorreto pagar nesta ou naquela situação”. Eles contêm verdades que se aplicam a muitos casos, mas nunca a todos.
Quando você pergunta a alguém o que deveria fazer numa situação, a resposta sempre deve carregar certo grau de incerteza. Às vezes, mais de uma resposta é correta.
Meu livro traz várias afirmações. Leia todas sempre pensando nas situações em que elas vão se aplicar em seu jogo e em quais não. Sempre analise e interprete informações e as adapte a cada situação.
E se você não quiser ser um profissional, mas apenas se manter como um amador, tornando este hobby também uma fonte de renda?
Bom, para isso você deverá ter graus intermediários nos passos acima. Mas sempre lembrando que o poker consiste em uma atividade secundária, que pode ajudá-lo a desenvolver habilidades que, com certeza, lhe ajudarão na profissão e na vida.