EDIÇÃO 27 » ESPECIAIS

Billy Baxter: Apostador Profissional

Seu Caminho se Entrelaça Com a História do Poker Moderno


Ryan Lucchesi

“É um jeito difícil de se sustentar” é uma máxima que ressoa entre os jogadores de poker e apostadores ao redor do mundo.

 Certamente é assim com Billy Baxter, que se sustenta com suas apostas desde que tinha 14 anos de idade: por mais de 50 anos, ele conseguiu seu sustento como apostador. Quer seja jogando sinuca em seus mais tenros anos, jogando poker ou apostando em esportes, ele sustentou esposa e três filhos utilizando sagacidade e habilidade para ganhar milhões de dólares. 

Seu currículo de apostas tem um leque impressionante. Ele ganhou sete braceletes de ouro da World Series of Poker (cinco deles em no-limit deuce-to-seven lowball), gerenciou boxeadores, e é um respeitado apostador de esportes. Em 1986, ele desafiou o governo americano e ganhou um caso que abriu um precedente para proteger os ganhos de um jogador de poker como renda auferida. Em 2006, ele foi indicado ao Poker Hall of Fame.

Baxter será o primeiro a dizer, com seu reservado sotaque sulista, que para ganhar consistentemente, você tem que ter talento e saber o que faz. Você também tem que saber quais armadilhas evitar. Ele viu muitos jovens jogadores se tornarem vítimas de seus vícios, incluindo seu amigo Stu Ungar, que ele patrocinou no Main Event da WSOP 2007. Ungar ganhou seu terceiro e último campeonato naquele ano.

Baxter já viu de tudo ao longo de cinco décadas de apostas, e sua experiência se entrelaça com a história do poker moderno. Entre mãos de no-limit deuce-to-seven lowball com antes de $100, e blinds de $200-$400 no Commerce Casino, Baxter falou um pouco sobre como é ser um vencedor no longo prazo.

A história de sua vida tem uma grande quantidade de lições, e uma riqueza de conselhos para novos e velhos apostadores.

O SUCESSO CHEGA CEDO
Quando fez 14 anos, Baxter descobriu que poderia ganhar mais dinheiro jogando sinuca do que trabalhando. “Posso dizer com toda sinceridade que, desde o começo, meu objetivo com as apostas era ganhar dinheiro,” disse ele. Seus pais tentaram impedi-lo, mas o pequeno Billy estava obcecado.

 “Você não podia ficar na minha casa e não trabalhar; tinha que fazer alguma coisa,” disse Baxter. “Aprendi minha ética de trabalho com meus pais, e até hoje, aos 69 anos de idade, acordo às 6h30 da manhã.” Suas ações condizem com essa afirmativa, já que estava completamente acordado e observando a poker room antes de sequer tomar uma xícara de café.

Ele continuou ganhando em sinuca até fazer 18 anos, e então descobriu um bar que organizava um jogo de poker para os homens de negócio locais. “Tenho que admitir que, para um bando de homens de negócio, eles eram bons jogadores. Entrei no jogo e eles me fatiaram e fatiaram, então eu tive que voltar para a sinuca para ganhar mais dinheiro, depois voltei e eles me fatiaram novamente,” lembrou Baxter. Essas lições melhoraram seu jogo de poker: ele começou a vencer consistentemente, e acabou migrando para stakes mais altos em cassinos underground, onde ganhou tanto dinheiro do proprietário do Augusta’s Paisley Club que lhe foi oferecido metade do cassino para pagar uma dívida de jogo de $40.000.  “Tínhamos um pequeno cassino e apostávamos em esportes com bola; depois eu me meti em encrenca, então resolvi me mudar para Las Vegas, onde isso era legalizado”, disse ele.

As “encrencas” fizeram com que Baxter fechasse o Paisley Club. Ele continuou apostando em esportes, e também gerenciou um pequeno cassino durante o torneio Masters de golfe até que uma batida da polícia fechou o local e o mandou para a cadeia. “Cumpri pena de um ano por essa”, ele riu. “Nunca me senti mal por isso. Não queria ir para a prisão, mas sempre apostei só com pessoas ricas, que tinham muito mais dinheiro do que eu. Eu não tinha nenhuma consciência moral de que estava fazendo algo errado”.  Quando foi solto, ele decidiu que era hora de ir para Vegas.

A VIDA DE APOSTAS EM VEGAS
Baxter e sua esposa, Julie, se hospedaram no Dunes Hotel and Casino em 1975, depois de sua lua de mel no Havaí. Eles só pediram a conta nove meses depois, quando compraram uma casa em Vegas.

O Dunes era o centro do mundo do poker naqueles dias, e muito disso tinha a ver com o presidente do cassino, Major Riddle, e o chefe de operações, Sid Wyman. “Eles adoravam jogar poker, e pelo fato de terem um cassino, se consideravam apostadores. Acredite em mim quando digo que eles jogavam direitinho, mas não muito bem,” disse Baxter sobre duas lendas de Vegas.

Baxter se enturmou com todos os jogadores durões – incluindo Doyle Brunson, Fred “Sarge” Ferris, Chip Reese, e Bobby Baldwin – e também com os fishes da época. Além de Riddle e Wyman, o traficante Jimmy Chagra era outro grande fish que mantinha o jogo funcionando. “Essa foi provavelmente a melhor época da história do poker, porque era muito dinheiro”, lembra Baxter. “Nos anos 70, jogávamos no-limit deuce-to-seven lowball com antes de $500, e blinds de $1.000-$2.000. Quando você considera a inflação, aquele jogo era muito maior do que os de $4.000-$8.000 que acontecem hoje”.

Baxter rapidamente descobriu que conseguiria ganhar a maior quantidade de dinheiro no deuce-to-seven, e começou a jogar a modalidade quase que exclusivamente. Ele nunca deixava passar uma oportunidade, jogando dias seguidos quando as mesas eram boas. Ele se mantinha acordado enrolando uma toalha fria no pescoço. Ele também tentou boicotar o no-limit hold’em, o outro jogo que era popular entre os high-rollers. “Essa é a única razão de eu ter boicotado o hold’em por anos na World Series: eu não jogava porque não queria encorajar ninguém a jogar. Doyle sempre queria jogar hold’em, e eu estava tentando manter o deuce-to-seven como modalidade principal”, disse ele.

 Entre 1975 e 1987, ele ganhou cinco braceletes da WSOP – quatro deles em eventos deuce-to-seven lowball, e um em um torneio ace-to-five draw. Ele também se ocupou fora das mesas de poker. Baxter gerenciava dois campeões mundiais de boxe, Roger Mayweather e Bruce Curry. Seu sucesso com apostas em esportes tornou-se reconhecido. Ele causou estardalhaço quando ganhou uma soma de seis dígitos com uma aposta no Miami (azarão em 11.5 pontos) contra Nebraska no Orange Bowl de 1983 (o Miami venceu por 31 a 30). Seus feitos chamaram a atenção dos repórteres do esporte, e a Sports Illustrated deu destaque aos métodos vitoriosos de Baxter em uma reportagem chamada “Look up and He’s Got Your Money” (“Olhe Para Cima e Ele Levará Seu Dinheiro”).
 
WILLIAM E. BAXTER JR. VERSUS
OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Las Vegas era o lugar perfeito para um apostador como Baxter, que não era mais perseguido pela lei por conduzir seus negócios. Em Vegas, ele podia fazer tudo às claras, e até declarava seus ganhos no poker para fins de restituição de imposto de renda. “Uma coisa que decidi fazer em minha vida foi pagar impostos. Isso é algo que recomendo a todos os apostadores”, diz Billy. “O dinheiro não lhe ajuda muito na cadeia. É bom tê-lo, mas no final das contas, você quer é poder comprar uma boa casa, ou investir em ações. Nesse país, você tem que se legitimar”.

O caso de William E. Baxter versus os Estados Unidos da América questionou qual seriam os impostos a se colocar sobre o $1.2 milhões que Baxter declarara em seu formulário de restituição como apostador profissional de 1978 a 1981. Baxter se recusava a pagar os 70% de taxa que o governo requisitava, pois o formulário classificava seus ganhos como “renda não auferida”. Seus advogados argumentaram que, já que Baxter estava envolvido em negócios como apostador profissional e seus ganhos vinham da aplicação de seu conhecimento e de suas habilidades, ele devia pagar a taxa normal de 50% da quantia ganha. Em 1986, Baxter venceu o caso em Nevada, e o recurso do governo foi derrotado na Corte de Apelações. A Receita americana ameaçou levar o caso à Suprema Corte, mas Baxter e seus advogados acharam que isso era apenas um blefe para induzir um acordo. Baxter deu call nesse blefe, e a Receita desistiu. Para Baxter, a parte favorita do julgamento foi quando o magistrado deu o veredicto aos procedimentos em Reno. “O juiz disse para o procurador do governo: ‘Ouvi seus argumentos e os deles, e tenho que dizer que acho seus argumentos completamente ridículos. Queria que você tivesse algum dinheiro para poder se sentar com o senhor Baxter e apenas ver quanto tempo iria durar, e então saberíamos quanta sorte realmente está envolvida nisso’.”

Com essa vitória na corte, Baxter protegeu seus direitos como jogador de poker. Seu legado viverá nos atuais e futuros direitos de todos os jogadores de declarar sua profissão como legítima. O veredicto já foi citado inúmeras vezes como grito de guerra contra a legislação da UIGEA (Unlawful Internet Gambling Act).
 
VOLTANDO (TEMPORARIAMENTE) PARA A GEORGIA, REENCONTRANDO O POKER, E PATROCINANDO STUEY
Depois do julgamento, Baxter decidiu voltar para a Georgia. Ele acreditava que havia feito tudo que tinha vindo fazer em Vegas. Estava cansado das cardrooms esfumaçadas da cidade, e queria que seus filhos saíssem de Sin City. Ele comprou uma casa e levou sua família. Ficou entendiado e começou a apostar em esportes. “Acabei parando no meio de uma grande investigação do FBI”, afirmou. “Estavam atrás de uns agentes de apostas, e eu fui indiciado novamente. Minha esposa disse: ‘Sabe, acho que simplesmente não fomos feitos para viver aqui’. Então voltamos para Vegas em 1990”.

Quando Baxter voltou, seus primeiros anos foram basicamente apostando em esportes, e à medida que as cardrooms começaram a proibir o fumo, ele retornou também para o poker. Em 1993, ganhou seu sexto bracelete da WSOP (o quinto em deuce-to-seven), e um sétimo, em razz, em 2002.

 Ele finalmente começou a jogar no-limit hold’em, e conseguiu seu primeiro ITM no Main Event da WSOP em 1997. Ele ganhou $22.000 pelo 22° lugar, e depois ganhou ganhou mais $500.000 graças à Stu Ungar. Baxter concordou em patrocinar Ungar no main event depois de ter sido procurado por ele várias vezes: ele estava hesitante em patrocinar Ungar devido a experiências passadas.

Alguns anos atrás, Baxter havia patrocinado Ungar no Main Event, e depois de conseguir uma enorme liderança em fichas no Dia 1, Ungar não apareceu no começo do Dia 2. Os seguranças do hotel eventualmente encontraram Ungar em seu quarto no Golden Nugget, e ele saiu de lá em uma maca. Baxter disse, “Perguntei a Eric Drache se eu poderia ir lá e jogar por ele. Ele disse, ‘Você sabe que não pode fazer isso’. Então entrei no carro e fui para o hospital. Stuey era tão pequeno que o colocaram no que parecia um berço. Andei até o berço, e um cara de branco veio até mim e perguntou quem eu era. Eu disse: ‘Bem, sou amigo dele, e ele está em um torneio de poker, então tem que sair daqui’. O sujeito respondeu, ‘Tenho más notícias – acabamos de lhe dar uma injeção, ele não vai acordar por uns dois dias”.

Apesar dessa experiência, Baxter decidiu patrocinar Ungar em 1997, e essa mostrou-se a decisão correta. “Ele me disse, quando havia apenas 20 jogadores restantes, ‘Esse torneio acabou, amigo: vou ganhá-lo facilmente.’ E, de fato, ganhou.” lembrou Baxter. Um ano depois, ele concordou em patrocinar Ungar novamente, mas “The Kid” argumentou que estava cansado demais para jogar. “Foi quando eu soube que algo ruim iria acontecer com ele: quando um cara não consegue se levantar para jogar, algo está muito errado.” Três meses depois, Ungar estava morto.

APOSTANDO NA TEMPORADA
A busca pelo dinheiro de Baxter esses dias muda com as temporadas. O café da manhã que ele toma no Commerce Casino no final de Agosto acontece antes de ele começar uma das últimas sessões de poker que jogará por um bom tempo. “Tenho mais uma semana até a temporada de futebol americano, e aí o poker não vai me ver por aproximadamente seis meses”, afirmou.

Ele tem muito sucesso apostando em esportes individuais – incluindo golfe, tênis e boxe. “Atribuo isso ao meu reconhecimento de talentos. É algo que acontece naturalmente. No poker, você tem que levar em conta todas as informações também. Acho que muito disso é puro instinto, algo que você adquire com a experiência”. completa Baxter.

 Ele aplica esses mesmos princípios quando aposta em esportes coletivos, principalmente nos mercados de apostas de intervalo. Ele lê a linguagem corporal dos jogadores no campo para determinar seus próprios valores de odds, e depois apostar de acordo com eles. “Não havia tabelas de odds nos intervalos quando cheguei em Las Vegas: eu praticamente comecei isso. Achei fascinante poder assistir metade do jogo e depois apostar. O cassino não tem muito tempo para se preparar; eles têm que criar suas tabelas na hora. Então o jogador tem grandes chances de ganhar, se sua opinião for boa. Acho que é aí que entra a habilidade”, concluiu.

Então, agora que Baxter ganhou o suficiente para sustentar sua família pelo resto de sua vida, o que o faz continuar jogando? Como sempre, ele tem uma resposta: “Gosto de jogar, e isso me mantém jovem. Vi em meus anos de vida que, uma vez que a pessoa começa a se aposentar, quando você percebe, estão aprontando o caixão para ela. Estou convencido de que se manter ativo, manter sua mente funcionando e competindo pode ser a melhor maneira do mundo de fazer um sujeito seguir em frente quando está ficando velho. Mantêm o pique, por assim dizer”.

A ética de trabalho que ele aprendeu na juventude o segue até hoje. Ela o ajudará muito durante a temporada de futebol americano, na próxima vez que se sentar em uma mesa de poker e quando estiver envolvido com praticamente qualquer coisa.

CONSELHOS DE UM APOSTADOR PROFISSIONAL
Ganhar dinheiro ao longo de uma carreira de apostador e jogador de poker não é tarefa fácil. Aqui estão as lições que Billy Baxter aprendeu em sua jornada, em suas próprias palavras:

SOBRE EVITAR O PERIGO: Uma coisa que acredito que você tem que fazer para se tornar um apostador de sucesso é não ter nenhum “leak”. Muitas pessoas conseguem ganhar dinheiro, mas têm essas falhas. São jovens e gostam de curtir, então acabam caindo nas drogas ou outros vícios perigosos.

SOBRE GERENCIAMENTO DE DINHEIRO: Você tem que fazer um gerenciamento apropriado do seu dinheiro. Vejo as pessoas fazerem muita bobagem ao apostar. Quando ganham, levam muito pouco, param e vão embora. Quando finalmente têm uma sessão ruim, não jogam por tempo o suficiente, e perdem tudo. As cartas são como todo o resto: você não pode jogar pelo dia, tem que jogar pela vida inteira. Deve-se jogar enquanto o jogo estiver bom. Nunca joguei baseado em estar perdendo ou ganhando. Em minha opinião, você nunca terá muito desse jeito, e eu vejo pessoas fazendo isso o tempo todo. Eles jogam quando perdem e param quando ganham: esse é o jeito mais fácil de quebrar.

SOBRE O BOOM DO POKER: Acho que a maior mudança é que a TV se interessou pelo poker. Até então, ele costumava ser pensado como um jogo quase sórdido, praticado em quartos dos fundos. Ele tinha uma má reputação porque era contra a lei. Mas agora há pessoas que tiveram muito sucesso com outros negócios e ganharam muito dinheiro. Eles ficaram entediados com suas vidas, e começaram a jogar poker. Há muitas pessoas de bem aderindo ao poker, e isso mudou bastante as coisas. O poker está em alta, e continuará crescendo. Quando as pessoas que têm dinheiro gostam de fazer alguma coisa, essa atividade ganha credibilidade.

SOBRE DEUCE-TO-SEVEN LOWBALL: É a mais pura forma de poker que existe. A maioria das pessoas fala sobre blefar em no-limit hold’em, e alguns até fazem isso um pouco, mas nenhum jogo tem tanto blefe quanto deuce-to-seven. Toda mão que você joga tem blinds e antes, e é preciso dar raise para começar o pote: não tem como entrar de limp. Se uma pessoa é o pat e você tem um 10, e outro jogador pega uma carta, você tem duas opções – apostar ou desistir. Se alguém apostar e você tiver um 10, ele pode estar lhe derrotando ou blefando, e você tem que tomar essa decisão em toda mão. Se alguém aposta e você larga sua mão toda vez, ele obviamente vai continuar a apostar. É um jogo em que é preciso dar calls com mãos mais fracas, porque se você não fizer isso, não tem como sobreviver.

SOBRE APOSTAS EM ESPORTES: Nunca apostei em um jogo apenas. Sempre fui, digamos, um trabalhador perseverante: foi assim que construí meu sucesso – além de gerenciar bem o meu dinheiro. Dependendo de como estiver, aposto por volta de $70.000-$80.000 por jogo, e se não estiver indo bem, posso perder $50.000 ou $30.000. Você consegue superar isso. É um trabalho árduo porque há muitos jogos. Se você encontrar um no qual se sinta muito confiante, aposta um pouco mais, mas é só mais uma partida. Não existo isso de, “aqui é garantido que eu não perco”. Nunca achei que eu não pudesse perder. Já vi várias ‘barbadas’ se darem muito mal.




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