EDIÇÃO 26 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

Um pouco de matemática e teorias

Tem lances no poker que só a matemática pode justificar.


Vicenzo Camilotti

Parece sonho – estou com posição, A-A na mão e um raise em cima de mim. Tenho que extrair fichas dessa situação. O que devo fazer? Repique baixo, alto ou botar tudo logo? Cozinho, bato ou estraçalho de cara?

Vamos responder em duas partes, de forma totalmente matemática. Primeiro, vamos falar apenas de fichas em termos absolutos. Esqueça-se de ICM, noção de equity, valor relativo das fichas e expectativa positiva da jogada em termos de dinheiro. Não importa, nessa primeira explicação, a escala de premiação dos que chegam ITM, fator habilidade, etc. Vamos fingir que só interessa juntar fichas de forma independente, como se fosse uma jogada de cash game.

Vamos dizer que, mesmo fingindo que é cash game, tudo é ainda mais simples que uma mesa de cash, por não levarmos em consideração as características do oponente, nem mesmo leitura de flop, turn e river. Só existe o pré-flop, combinado? Ótimo.

Por tal razão vamos colocar todas as fichas no centro: all-in. Você repicou 1500 fichas em um raise padrão de 60. Absurdo, jogada de principiante à primeira vista. Mas analisemos mais de perto. Vamos supor que o adversário vá pagar 15% das vezes (tiro esse valor de uma estatística informal de fórum e experiência própria). Você casou 3000 fichas e foi para o confronto.

Mas com que grupo de cartas o oponente resolve dar call? Par de ases tem 84% de chance de vitória no caso de call com 3% das melhores mãos (AKoff+, JJ+ ). Poderia facilmente incluir pares menores e AQ nessa estatística, mas a porcentagem de vitória não iria mudar muito. Desse confronto, a expectativa é de que você saia com 2520 fichas em média (3000 fichas casadas x 84%).

Portanto, ganha-se em média 1040 fichas (2520-1480 fichas, a pilha inicial menos as 20 fichas que você pingou, e que por isso já não pertencem mais a sua pilha ) cada vez que consigo um confronto. O problema é saber a porcentagem de vezes em que o oponente vai pagar o all-in. Já ouvi de 10% a 20% de chance. Uma chance em cinco de call no confronto é apertado demais, e uma em 10 é muito pouco.

Essa questão, na realidade, vai depender muito mais da força de seus adversários (leia-se: qual o valor do torneio sit-and-go que está sendo jogado). Quanto mais barato for, mais a estatística se aproxima dos 20%. Quanto mais caro, mais perto fica dos 10%. Portanto, vamos dizer 15%. Isso significa ganho médio de fichas de 1040 x 15% = 156 fichas por jogada, certo? Errado! Ainda é preciso que se considere as 80 fichas coletadas em todas as vezes que ocorrer o fold (mais uma vez, você não ganha somente as 60 fichas que vieram do raise, mas também as 20 que você pingou, e não lhe pertencem mais). Você coleta 1040 fichas sempre que houver call, e 80 fichas nos 85% de ocorrências de fold. Portanto, puxa em média, além das 156 fichas por jogada, 80 x 85% = 68 fichas.

O cálculo total fica em 156 + 68 = 224 fichas como expectativa pelo seu all-in teoricamente “absurdo”.

Agora, nossas outras alternativas se restringem ao reraise pequeno e ao reraise grande, certo? Errado! Temos ainda a possibilidade de apenas pagar o raise do oponente e aguardar a provável continuation-bet dele, com o benefício da posição a nosso favor.

E, para optar entre uma dessas três hipóteses que não são o all-in imediato, acredito que o mais importante seja a utilização precisa dos programas de computador que detêm as estatísticas dos adversários. Se ele tem c-bets de mais de 80%, para mim o call é bem claro. Se o oponente tem VPIP e PF (“voluntarily put money in the pot” e “preflop raise”) do estilo tight ou rocha, um reraise alto é o melhor, pois a chance de ele ter top 3% das mãos é enorme, e ele não vai largar a bazuca que tem na mão. O reraise baixo eu não aconselho em hipótese alguma, pois é o maior indicativo de que você tem algo bem forte: raciocínio seguido tanto por jogadores fortes quanto pelos fracos.

Na realidade, em minha opinião, o grande argumento contrário ao all-in chama-se posição. Essa é uma vantagem extraordinária no caso de call, reraise pequeno ou reraise grande. Fazer projeções tão precisas quanto o all-in é viável, mas entra em aspectos subjetivos demais, como leitura de flop, capacidade de largar AA quando é gritante que você está atrás após o flop, turn ou river, adequação correta ao seu adversário, e assim por diante. Mas o aspecto da posição, para mim, é determinante para não se utilizar o all-in neste caso.

Essas são minhas considerações sobre um caso específico. É importante ter essa base teórica de expectativa positiva matemática de ganho de fichas no caso de all-in, e compará-la com as demais possibilidades. Nada no poker é absoluto, mas possuir essa base é de extrema importância na hora de tomar sua decisão.

Eu, durante algum tempo, preferi ir all-in, por pura simplicidade na hora de jogar várias mesas ao mesmo tempo, e por incapacidade de foldar AA após o flop. Quando você está em uma situação deep stack como essa, confrontando alguém com par baixo que vai tomar todas as suas fichas sempre que bater a trinca no flop (uma a cada 8,5 vezes), quem tem expectativa positiva na jogada é o adversário, não você. Hoje em dia, já não dou mais essa vantagem, e optaria por uma das duas hipóteses mencionadas acima, a depender da avaliação do adversário, ou um simples repique de 2,5 vezes o raise inicial em caso de não possuir mãos cadastradas dele.

E quando o raiser inicial tiver posição? Prefiro o all-in direto, já que a expectativa positiva, em meu ver, é maior quando se coloca todas as fichas logo, em vez de ficar sem posição pós-flop. É sempre mais difícil extrair um erro do oponente quando se está fora de posição. Assim, é melhor que esse erro aconteça logo antes do flop, que seja grande e que tenha risco zero de ser cometido por mim.

Uma ultima questão diz respeito aos ajustes. O que se deve falar a sobre equity e ICM? Quando se inicia um torneio com nove jogadores, a expectativa de porcentagem da premiação é 11,1 %. Se você ganhar o confronto e ficar com 3.000 fichas, e tivermos agora oito jogadores na mesa, ela sobe para 20,3%. Portanto, você não dobra a equity, pois não tem mais expectativa de receber 22,2% da premiação, mas sim 20,3%.

De onde tirei esses números? De cálculos complexos que você mesmo pode simular em um software como o SNGEGT. O importante é perceber que esse cálculo de all-in sofre um pequeno ajuste, já que o benefício de duplicar o número de fichas não significa que você dobrará sua expectativa em termos de premiação do torneio.

Porém, há de se considerar que, em hipótese de call, reraise pequeno ou reraise grande, a mesma regra de ajuste se aplica. O importante aqui é mais o número de fichas ganhas do que o ajuste de ICM, já que ele existe em todas as opções de jogada.

No próximo artigo, vou falar mais sobre essa base numérica importantíssima, que serve de comparativo para decisões cruciais. Até lá!




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