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Onde os fracos não têm vez

A cidade de Neuquén, na Argentina, foi sede do torneio latino-americano de heads-up promovido pelo Full Tilt. E o Cassino Magic, palco dos duelos, viu 64 jogadores se digladiarem em confrontos mano a mano, acirrando ainda mais a rivalidade entre brasileiros e argentinos.


Bruno Nóbrega de Sousa

UM TIPO DE MÁGICA
Situada na região da Patagônia argentina, Neuquén, além de grande produtora de petróleo, é a cidade onde se encontra um dos mais luxuosos destinos para se jogar poker na América do Sul: o Hotel & Cassino Magic.

O Magic pertence ao grupo Pínnacle Entertainment, responsável pela criação de importantes cassinos e hotéis em Nevada, Indiana, Missouri e outros estados dos EUA e das Bahamas. Lá, os hóspedes têm uma estadia world class em 3.600 m2 de área construída em estilo neocolonial. O hotel conta com restaurantes, bares, piscina climatizada, centro de convenções e, claro, um amplo cassino.

Boa parte dos jogadores brasileiros ficou hospedada neste hotel, cujo conforto lembrava Las Vegas: televisores de LCD 42 polegadas, jacuzzi com vista para a TV, ar-condicionado com comando individual e Internet Wi-Fi, além de serviço de quarto 24 horas. Enfim, mesmo que o jogador fosse eliminado no começo do torneio, as opções oferecidas pelo próprio Magic já fariam a viagem ter valido a pena.

O DUELO DO POKER
O salão do evento era composto pela mesa da TV, ao centro, rodeada por outras mesas e, ao fundo, uma espécie de palco transformado em lounge, para que jogadores e expectadores pudessem relaxar e observar a ação.

Os 64 participantes que compunham o field se enfrentariam em disputas no estilo “melhor de três”, com stack inicial de 30.000 fichas e blinds subindo a cada 12 minutos. O Brasil, com 25 jogadores, era o país com maior número de representantes no evento. Dentre eles, nomes conhecidos como Leandro Brasa, Giovanni “Tr3cool”, Igor Federal e Juliano Maesano; e também novatos em competições live, a exemplo de Rodrigo Cunha, Luccas Piemonte, Felipe Marinho e Eduardo Duarte, que garantiram suas vagas através de satélites disponibilizados pelo Full Tilt.

Essa clássica mescla de experiência e juventude tornou a disputa ainda mais interessante, uma vez que o outro país favorito para apresentar o campeão do evento, a Argentina, trouxe praticamente a força máxima de seu feltro. Os hermanos contavam com a força de jogadores como Andres Seselovsky, Ernesto Panno e Leandro “Peluca”. Havia ainda representantes de outros países, como Uruguai e Chile, que atuaram como coadjuvantes do espetáculo.

Assim, estava montado o cenário para uma disputa intensa, técnica e que certamente acirraria os ânimos dos competidores. Parafraseando o slogan do próprio evento, seria o “duelo do poker”.

PRIMEIROS CONFRONTOS
O primeiro round teve disputas bastante interessantes, como a contenda entre Igor Federal e Ernesto Panno. Segunda disputa a ir à mesa da TV (depois que Leandro Brasa eliminou o argentino Marcelo Riquelme), o confronto entre os experientes jogadores foi duro. Num piscar de olhos, a disputa já estava empatada em 1 a 1, mas, uma vez na feature table, as interrupções técnicas da equipe de transmissão e o alto nível de jogo fez com que a partida de desempate se estendesse por mais de uma hora e meia.

Depois de uma sucessiva troca de lideranças, Federal, que neste instante estava short stack, tenta um move com J 2 e recebe call de Panno, com J K. O bordo traz 9 6 4 3 4 e decreta o fim da linha para Federal. Com a vitória, Ernesto Panno despontava como um forte candidato ao título, e prometia dar muito trabalho aos brazucas.

Outro confronto que merece destaque na primeira rodada se deu entre o gaúcho Diego Brunelli (um dos professores, junto com Giovanni “Tr3cool”, do Curso de Poker promovido pela agência Perestroika, de Porto Alegre) e o carioca Paulo Marques. Tido como um dos favoritos para cravar o torneio, Diego não teve vida fácil contra Paulo, e acabou eliminado logo na fase inaugural. Na mão decisiva, com os blinds já nas alturas, ambos vão all-in depois do flop 4 5 6. Diego apresenta Q 7 e Paulo mostra T 8, duas pontas contra flush draw. No turn bate um 5, e, no river, um J encerra a disputa: flush para Paulo Marques, e GG Diego.

Dois brasileiros se enfrentaram em uma das disputas mais técnicas do Round 1. Leandro “Amarula” e Felipe Balaban protagonizam um embate cujo desfecho surpreendeu muitos. Com blinds em 400/800, Amarula dá raise de 1.600. Felipe volta 4.000, e Amarula vai all-in. Felipe dá insta-call e apresenta K K. Amarula, com A J, dá adeus ao torneio depois que o bordo traz 4 8 2 J 6. Caía mais um favorito.

A SELEÇÃO NATURAL DO FIELD
Devido à diferença de duração entre as partidas, a organização optou por permitir que rounds diferentes acontecessem simultaneamente. Assim, enquanto alguns jogadores ainda estavam na primeira rodada, outros já estavam no calor da segunda batalha.

Foi o caso de Fábio “Deu Zebra” Monteiro, que, no Round 2, enfrentou Pablo Cabrera, da argentina. Com blinds em 1.500/3.000, ambos vão all-in pré-flop, e no confronto entre K T de Fabião e Q 8 do hermano. O primeiro brasileiro a vencer um evento da FTOPS acerta um rei no turn e avança para as oitavas de final. Após a segunda vitória por 2 a 0, Fábio “Deu Zebra”, com seu característico bom humor, disse: “Comigo é assim – é só de zero”.

Para tristeza dos brasileiros, Fabião viria a ser eliminado na rodada seguinte, contra a grande promessa argentina, o jovem Andres Seselovky. Outros resultados do Round 2 que interessavam diretamente aos brazucas foram a eliminação de Ricardo Verginelli por Rodrigo Garrido, a vitória de Micael Guedes sobre Juan Pablo David, o atropelamento de Horácio Nicolas por Leandro Brasa, e o êxito de Gustavo Gomes contra o surpreendente Felipe Balaban.

No outro braço do confronto, avançavam para a terceira fase Giovanni Davids e Fábio Bandeira, do Brasil. E firme na disputa seguia Ernesto “El Flaco” Panno, junto com seus compatriotas Alfredo Maciel, carrasco do Robigol, e Guido Ruffini, que mal sabia da dor de cabeça que teria contra o agressivo Giovanni Tr3cool.

Por falar nisso, Giovanni engatou uma sequência incrível de mãos, e saiu de uma situação de “uma ficha e uma cadeira” para conseguir a classificação. Em dado momento, seu oponente, Diego Arbuelo, vai all-in com 25.000 fichas (quase 85% do stack inicial). Giovanni pensa um pouco e paga. No showdown, “Tr3cool” mostra A J e Diego vira A T. Um dez no flop decreta uma fatiada gigantesca no pote de Giovanni, que fica com pouco mais de 2 big blinds. Sem qualquer flexibilidade, Tr3cool vai all-in sem ver as cartas, e Diego paga também no escuro. K T versus 7 2. Giovanni trinca o rei e volta para 18.000 fichas. Logo em seguida, Tr3cool vai all-in com 9 4, e toma call de um perigosíssimo A K do argentino. Resultado? Bordo com 6 4 4 9 5. Full house para Giovanni, e um Diego Arbuelo completamente tiltado. O argentino então vai all-in com A Q e Giovanni dá call com 3 3. O par baixo segura e Giovanni avança, depois de uma batalha insana.

Algum tempo depois, o torneio foi interrompido. Os jogadores retornariam no dia seguinte, para mais quatro rodadas até que o nome do grande campeão fosse conhecido.

OITAVAS E QUARTAS
O segundo dia de disputa começou com 16 participantes, e as oitavas-de-final ficaram assim definidas:

(Braço 1)

Brasa vs. Micael, Gustavo Gomes vs. Zoia, Rodrigo Garrido vs. “Peluca”, Seselovksy vs. Korn

(Braço 2)
Giovanni vs. Guido, Maciel vs. Wloch, Fábio Bandeira vs. Juan Verganti, Panno vs. Suarez

Pelo modo como se encontrava a distribuição de brasileiros e argentinos nessa fase, as possibilidades de enfrentamento eram tantas, que as semifinais poderiam até ser disputadas só por jogadores de um mesmo país. Mas o poker é caprichoso, e reservou um desfecho com alto teor de dramaticidade.

Antes, pelo Braço 1 das oitavas, um confronto entre brasileiros definiu o primeiro jogador nas quartas-de-finais. Leandro Brasa, que vinha vencendo com consistência, enfrentaria o jovem Micael Guedes, do Rio de Janeiro. A experiência do Full Tilt Pro falou mais alto, e Brasa avançou para o Round 4 depois que seu J Q foi premiado com um valete no flop, contra o par de cincos de Micael. Primeiro brasileiro ITM: Leandro Brasa Pimentel.

No confronto entre Rodrigo Garrido e Leandro “Peluca”, o argentino mostrou técnica, agressividade e uma boa dose de sorte para avançar para as quartas-de-finais. Na primeira partida, Garrido acerta dois pares no flop (9-6), mas, num confronto de all-ins, “Peluca” (Q-9) acerta dois pares maiores (no river, claro). No segundo confronto, com blinds gigantescos, Rodrigo vai all-in com K-6 e bate na parede com o A-Q do argentino. Fim de jogo para o brasileiro, e começava a brilhar a estrela de Leandro “Peluca”.

Neste braço classificaram-se ainda o brazuca Gustavo Gomes, que enfrentaria Leandro Brasa, e Andres Seselovksy, num confronto nacional contra “Peluca”.

Do outro lado, Giovanni vinha sem freio, passando por cima do argentino Guido Ruffino com 7 2 contra 8 8 do hermano. Parece brincadeira, mas o bordo vem 7-2-6-K-7, e Tr3cool acerta mais um full house e também fica in the money. Fábio Bandeira, sem chamar muita atenção, comendo pelas beiradas, também acabou entrando no Round 4, após despachar o argentino Juan Verganti.

Seguindo seu caminho implacável, também vinha Ernesto Panno, que eliminara seu colega Roman Suarez. O outro classificado foi Alfredo Maciel, que havia vencido marcos Wloch.

No Braço 2, as disputas foram Giovanni Davids vs. Alfredo Maciel, e Ernesto Panno vs.Fábio Bandeira. Já pelo Braço 1, Leandro Brasa vs. Gustavo Gomes, e Andres Seselovksy vs. Leandro “Peluca”.

Em meio a tantos nomes e confrontos, vamos ao que interessa: a eliminação de Gustavo Gomes por Leandro Brasa. Depois de um flop com 8-7-3 rainbow, Gustavo vai all-in com 7 9, e Brasa dá call com 8 6. O turn e o river vêm em branco, e Brasa avança para a semifinal. Seu adversário seria Leandro “Peluca” com toda sua catimba argentina.

Quanto a Giovanni, ele mandaria o local Alfredo Maciel de volta para a roleta do cassino Magic depois de ir all-in com par de setes, contra A-5 do argentino. Os setes seguraram e garantiram Tr3cool na semifinal. O oponente do gaúcho, professor da Perestroika, na semifinal seria ninguém menos que Ernesto Panno, que tinha ganhado muita confiança ao longo do torneio e certamente se mostraria um adversário bastante complicado.

SEMIFINAIS
Com as semifinais trazendo dois confrontos entre Brasil e Argentina, a rivalidade estava a todo vapor – ainda mais por ter coincidido com o dia em que a seleção brasileira tinha vencido a da Argentina por 3 a 1 em pleno “Caldeirão de Rosário”, pelas eliminatórias da Copa 2010.

Em um dos confrontos, Giovanni “Tr3cool” Davids contra Ernesto “El Flaco” Panno. Na primeira partida, depois de um flop com 2-8-6-6-2, Panno vai all-in com 8 4. Mas Giovanni tinha um par de valetes, puxando um pote imenso e deixando o argentino bastante short stack. Logo em seguida, “El Flaco” vai all-in com 8-4 off, e “Tr3cool” paga com A-4 off. Um ás no turn define: 1 a 0 para Giovanni.

No segundo confronto, Ernesto não dá chance para o brasileiro e, depois de uma colisão entre 5-6 off de Giovanni contra um par de damas de Panno, em um bordo com A-5-Q-4-5, a trinca de Tr3cool tomou uma pancada do full house de Ernesto, e a semifinal estava empatada.

Na terceira e decisiva partida, já short stack, Giovanni pensa bastante antes de pagar o all-in de Panno. Mas o call é inevitável, e o brasileiro apresenta A 4 contra A T do argentino. Dominado na mão, o bordo não ajuda Giovanni, e a torcida local faz a festa junto com Ernesto Panno, primeiro classificado para a grande final.

Enquanto isso, na mesa da TV, duelavam dois dos principais personagens de todo o evento: Leandro Brasa e Leandro “Peluca” Cosme. Além de precisar enfrentar o talento do adversário, Brasa teve que manter a cabeça no lugar para não entrar na provocação dos argentinos, que cantavam sem parar, provocando o brasileiro.

Mesmo com 1 a 0 a favor de “Peluca”, Brasa teve frieza o bastante para empatar a partida: num confronto entre K T e T 8 em que o stack do brasileiro levava vantagem, o bordo não trouxe nada pra ninguém, e o placar mudou a favor de Brasa. Tudo igual na semifinal.

Depois de um intervalo de 15 minutos, era chegada a hora da decisão. Numa mão muito bem trabalhada, Brasa abre raise de 2.100 e “Peluca” dá call. Flop 8 K 8. Brasa dá bet de 2.400 e o argentino paga. No turn bate um 4, e os dois pedem mesa. No river vem um 9, Brasa aposta 5.500 e “Peluca” dá call mais uma vez. No showdown, Brasa mostra A 8, “Peluca” dá muck e a torcida do Brasil vai ao delírio. Brasa também vibra muito: ele sabia que tinha extraído bastante valor dessa mão.

Na mão que definiu o segundo finalista, “Peluca” vai all-in pré-flop com Q J, e Brasa, que tinha quatro vezes mais fichas, dá call com A 2. Num bordo em que ninguém foi ajudado, o Brasil garantiu presença na grande final com Leandro Brasa Pimentel.

BRASA VS. PANNO: UMA FINAL MAIS DO QUE JUSTA
Depois de dois dias de intensa batalha e milhares de mãos jogadas, os 64 guerreiros agora se limitavam a dois grandes jogadores: Leandro Brasa e Ernesto Panno. O primeiro, conhecido profissional brasileiro do Full Tilt, já chegou à Argentina com uma carga de respeito por parte dos oponentes. O segundo cresceu ao longo da competição, jogando um poker sólido e eliminando um a um os rivais que cruzavam seu caminho.

E, como era de se esperar, foi uma batalha digna de uma grande final. Na mão crucial da primeira partida, Brasa (K 3), com menos de 8.000 fichas, paga o all-in de Panno, que tinha um par de três. Logo no flop, o argentino acerta uma trinca, e faz 1 a 0 no placar.

No segundo confronto, Brasa pouco a pouco foi tomando para si o stack do oponente, e quando Ernesto foi all-in, agonizando diante de um stack mínimo, o call do brasileiro foi providencial: A 8 contra 8 5 de Panno. O bordo final teve T T 4 9 3, e Brasa empatava a disputa, levando a decisão às últimas consequências – a terceira partida do embate derradeiro.

A essa altura, as torcidas já trocavam algumas farpas, e as provocações se tornaram mais intensas. Em determinado momento da terceira partida em que Brasa tinha menos de 20.000 fichas, com blinds de 1.000/2.000, ele vai all-in com K-J, mas encontra um K-Q do argentino. Dominado, restava torcer para que os deuses do poker estivessem do seu lado. Mas não se pode vencer sempre: o bordo trouxe 6-5-7-A-6, e Ernesto “El Flaco” Panno conquistou, merecidamente, o primeiro Latin American Heads-Up Series, um título muito valorizado em razão da qualidade do seu oponente na grande final.

Parabéns, Brasa, pelo brilhante segundo lugar. Parabéns também a Giovanni Tr3cool, que jogou muito e conquistou o terceiro lugar, demonstrando uma agressividade impressionante, inclusive contra o perigoso Leandro “Peluca”, quarto colocado.

Quanto ao campeão Ernesto Panno, sua conquista foi a vitória da paciência, da habilidade e da sorte na hora certa. Um campeão com todas as letras, para um evento inédito organizado pelo Full Tilt, com apelo suficiente para se tornar uma série de respaldo internacional. Estamos na torcida para que isso aconteça.
Nossa próxima parada é na cidade de Iguazú, no começo de novembro, para a segunda edição do Latin American Heads-Up Series. Até lá!




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