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WPT BELLAGIO CUP V - A história narrada pelo vencedor


Alexandre Gomes

O WPT foi um dos torneios mais curiosos da minha carreira. Logo que cheguei em Vegas, eu fiz uma agenda dos torneios que iria jogar. nela eu incluí o WPt do Bellagio. Só que a rotina de torneios em Vegas foi muito estressante e, apesar de ser minha terceira temporada lá, essa foi a primeira vez que eu me programei para jogar muitos eventos da World Series. Joguei 15 eventos, mas não fiz uma World Series muito boa. Pelo contrário, dos 15 só fiz 1 ItM. Hoje, analisando de cabeça fria, percebo que eu estava impaciente na mesa durante toda a Série Mundial, o que acabou afetando meu jogo. Isso, somado à longa bateria de eventos, me levou a um esgotamento. e, antes mesmo de começar o main event, eu estava física e emocionalmente cansado.

Eu sempre prezei, em toda a minha carreira, a ideia de que, para jogar poker, você precisa de duas coisas: vontade e preparação. eu não tinha nenhuma das duas. Com isso, decidi não jogar o WPt. eu tinha planejado visitar minha irmã, que está morando em Miami, após a Bellagio Cup. Conversei com a Priscila, explicando que não jogaria o WPt, e decidimos adiantar a viagem. Marcamos o voo e, à medida que ia chegando o dia do torneio, começava a me dar aquela coceirinha: “Será que jogo, será que não jogo?” [risos]. teve o dia 1a, e eu não fui. no dia 1B, eu tinha que tomar uma decisão. O evento começava ao meio-dia. acordei às 11h30 da manhã, fiquei na cama, conversando com a Priscila, naquela dúvida cruel. quando deu 13h30 eu me levantei da cama e falei a ela: “Priscila, vou jogar o WPT! Tô indo lá e vou ganhar o Bellagio”, brinquei com ela.

Nota: as citações deste especial são atribuídas a Alexandre Magno, Imperador da Macedônia, o mais célebre conquistador do mundo antigo.

Dia 1B
“Nada é impossível para aquele que persiste”.

Entrei no Bellagio às 15h30. O late registration ia até as 16h. Eu já cheguei no 3° nível de blinds — eu nunca faço isso. Quando vou jogar um evento, eu me programo, descanso e me preparo. Foi algo atípico mesmo. Não sei explicar por que aconteceu isso. Eles tinham armado uma mesa para os jogadores do late registration. Para o meu azar, caí em uma mesa terrível, com grandes jogadores do online, como o Jon “PearlJammer” Turner, e acabei jogando muito travado. As coisas não andaram e, das 60.000 fichas iniciais, eu fechei o dia com cerca de 39.000.

Dia 2
“Eu prefiro viver uma vida curta e gloriosa do que uma longa, porém na obscuridade”.

O meu primeiro dia foi na terça-feira, o Dia 2 foi na quarta, e meu voo estava marcado para a quinta-feira. Então, antes de sair para jogar, eu me lembro de ter falado com a Priscila: “Das duas uma: ou eu chego hoje gigantesco, ou pode preparar tudo que nós vamos amanhã” [risos]. No segundo dia, os blinds voltaram em 600/1.200. Eu tinha 39.000, então dava para me mexer. Só que, novamente, caí em uma mesa complicada. Dessa vez eu tive a companhia do Steve “gboro780” Gross, que é o número um no principal ranking de poker online no mundo. Ou seja, saí de uma fogueira pra cair em outra. Mas no WPT do Bellagio o nível é muito alto, não tem mesa fácil. Voltei disposto a soltar o braço e, no Dia 2, as coisas começaram a acontecer. Comecei a subir e subir, e acabei esse dia com 230.000 fichas. Tudo o que tinha que acontecer, aconteceu. Ganhei os coin flips que eu precisava ga-nhar, meu par de damas segurou quando precisava segurar, num confronto de Q-Q contra K-Q. Acabei fechando bem o dia — a média era de 160.000 fichas.

Dia 3
“O céu não tem dois sóis, e a Ásia não terá dois reis”.

A mesa do dia teve Humberto Brenes e Kevin Saul, e foi bastante tensa. Foi a que mais trabalho me deu durante todo o torneio. Eu tive vários potes contra o Kevin Saul e situações muito tensas com o Humberto Brenes. Eu até senti de certa forma que o Humberto, quando foi eliminado, ficou um pouco chateado comigo. Mas eu, particularmente, não tenho amigos na mesa. Tenho amigos fora da mesa. Na mesa, eu parto do princípio que todo mundo joga para ganhar. Acho que o jogador que entra pensando “Ele é meu amigo, vou aliviar, não vou voltar nele”, se prejudica com esse tipo de estratégia no longo prazo. Não só prejudica a você, mas também seu adversário. Então, quando estou na mesa, encaro todo mundo da mesma forma. Eu jogo para ganhar, assim como quero que meus oponentes, quando jogarem contra mim, joguem para ganhar. Não quero que me aliviem porque eu sou brasileiro, porque sou Alexandre, não! Joguem sempre para ganhar! Eu tenho essa característica. Eu estava ali jogando e, por mais que o Humberto fosse meu amigo, colega de time, eu joguei muito pra cima dele, e senti que ele saiu um pouco chateado. Tivemos muitas mãos tensas. Em duas que o Humberto subiu pré-flop, o Kevin Saul deu call, e eu dei squeeze. Nas duas eu tinha A-Q. Na segunda, após muito pensar, ele deu fold e disse que tinha um par de dez, mas não mostrou.

Eis que aconteceu a mão com que eu acho que ele se queimou de vez. Recebo T8 no UTG, com blinds em 1.200/2.400. Abro raise de 6.000. A mesa roda em fold, e o Humberto dá call. O flop vem A66. Eu saio apostando 10.500, Humberto faz tudo 35.000. Eu penso e volto all-in com 200.000 fichas. Ele pensa durante uma eternidade, fica vermelho, pensa mais um pouco e larga. Fala que deu fold numa mão grande. Eu coloco as cartas no baralho e ele fica ainda mais nervoso. Depois entrou o “ActionJack”, outro jogador famoso do online. Tive um pote complicado contra ele, que subiu do cut-off, e eu dei call do button com K-Q. Nesse momento, nós dois estávamos bem deep stack, com cerca de 40 big blinds. O flop vem Q-9-5 rainbow, e ele dá continuation bet de 15.000. Eu faço tudo 40.000, esperando que ele volte all-in. Mas ele dá apenas call nos 40.000, e aí eu me sinto mal. No turn dobra o 9, e ele dá check. Então eu penso: “Ou eu tô morto, ou eu tenho a melhor mão”, e também peço mesa. No river vem um 3, e ele vai all-in. Aí entro em parafuso. Depois de muito pensar, dou call, e ele mostra T-J. Ele tinha duas pontas que não bateram. Fui pra 400.000 fichas numa mão aterrorizante, de fortíssimas emoções. O dia não acabou por aí: Humberto Brenes foi eliminado, quebraram a mesa e eu fui colocado em uma nova mesa. Nessa, o jogador que mais atenção me chamou foi o Jonathan Little, outro excelente oponente, com quem eu já tinha jogado outras vezes. Ele estava grande, e contra ele eu tive uma mão que acho que joguei errado. A mesa rodou em fold, e eu dei raise do button com par de oitos. O blinds estavam em 3.000/6.000, eu fiz tudo 16.000, e ele faz tudo 48.000. Pergunto quantas fichas ele tem e interpreto a aposta dele como resteal. Vou all-in, ele pensa um pouco e dá call com par de damas. Resultado: caio para 50.000 fichas, com os blinds 3.000/6.000. Essa foi uma das mãos que considero um dos meus pontos mais baixos no torneio. Fiquei ali me condenando por ter feito aquilo. Vinha fazendo um torneio tão bom. Agora tinha voltado para a estaca zero, com menos fichas do que comecei. Aí consegui dobrar com Q-Q. Aos poucos consegui voltar para o jogo e, no final do Dia 3, fechei com 255.000.

Dia 4
“Um açougueiro nunca teme ovelhas”.

O Dia 4 era o da bolha. Restavam 31 jogadores e o pagamento era a partir da 27ª posição. A média estava em torno das 500.000 fichas, os blinds em 5.000/10.000. Fui para o torneio com o objetivo de voltar para o jogo, mesmo que isso me custasse a bolha. Na terceira mão, antes que eu visse minha mão, um “tiozão” abre raise. Outro jogador faz tudo 60.000. Olho minha cartas: A-K. Era tudo que eu queria, mesmo que me custasse a bolha. Tudo no pano: 250.000. O tiozão dá fold e o cara pensa, por uns 6 ou 7 minutos, e acaba largando. Subi um pouco mais meu stack e, daí a pouco, estoura a bolha. Logo depois consegui dobrar e, daí em diante, consegui executar o melhor jogo da minha vida — tanto é que nós jogamos esse dia até restarem dez sobreviventes e, ao final, eu tinha 1,7 milhões fichas. Parecia que eu podia ver as cartas dos meus adversários, foi um dia realmente incrível. Quando restavam doze jogadores, jogando six-handed em duas mesas, a pressão era muito grande. O jogo estava muito agressivo e eu estava numa mesa com três carinhas do online, que jogavam bem soltos — foi a hora que aproveitei para soltar o braço. Teve uma mão bem interessante: eu com 1 milhão de fichas e o cara com 560.000. Os blinds em 10.000/20.000, o cara abre raise de 52.000. Eu, no big blind, olho minhas cartas: 4-4. “O que fazer com um par de quatros nessa hora?” Pensei, Pensei... É, agora é a hora: tudo um milhão! Ele pensou e largou. Então foi assim, soltando o jogo e jogando o melhor poker da minha vida, que passei para o dia seguinte.

Dia 5
“Ou você muda de atitude ou de nome!”.

O Dia 5 foi o dia mais rápido da história de um WPT: precisavam cair quatro jogadores para a formação da mesa final. Nesse dia eu não tive muita ação. Comecei como o quinto colocado em fichas e joguei apenas uma mão, contra Eric Seidel. Nessa, a mesa corre em fold. Ele, do button, dá raise no meu blind. Olho minhas cartas e me deparo com o meu primeiro par de ases em todos os cinco dias de torneio. Ele sobe e eu dou somente call. O flop vem J-9-5. Eu check, ele bet, eu call. O turn cai um 7. Eu check, ele também. No river vem outro J. Eu aposto, ele pensa, pensa e pensa, e dá só call, abrindo J-K. Olha só como ele jogou essa mão... E eu consegui perder o mínimo possível com A-A, por causa da cautela com que ele jogou. O bordo era rainbow, ele só perderia essa mão para A-J. Eu não jogaria como ele jogou. Eu voltaria no river, mas ele acabou me favorecendo pela forma como agiu. E essa foi minha única mão no Dia 5. Terminei com um 1,5 milhões, mas era o short stack.

Dia 6
“A sorte favorece os audazes”.

Independente de ser o short stack, eu estava muito tranquilo. A estrutura era muito boa e eu tinha muitas fichas. Em nenhum momento me senti pressionado ou preocupado, mesmo sendo o sexto em seis restantes. Estava tranquilo e fui pro jogo. Como eu tinha cerca de 70 big blinds, sabia que poderia me mexer com tranquilidade. Então não entrei pensando em esperar cair algum jogador para me mexer, mesmo com os enormes saltos na faixa de premiação: quando estou em uma mesa final, procuro relevar essa questão financeira. Em minha opinião, se você se preocupar com isso, acaba não jogando mais. Então procuro esquecer, fazer meu melhor e jogar para ganhar. Eu entrei assim, solto. Claro que com respeito pelos oponentes, mas sem medo. Tentei esquecer quem eles eram e jogar de igual para igual. Acho que foi esse meu desprendimento, esse meu jeito moleque de jogar pra cima dos caras mesmo que me levou ao título. Joguei muito solto, e teve momentos engraçados. Teve uma hora que o Eric Seidel estava sem se mexer há uma volta e meia. Daí eu pensei: “Ele vai se mexer agora!” Ele era UTG, e esse é um bom spot para se movimentar quando o jogo está six-handed. Pensei: “Ele vai se mexer. E quando ele se mexer, eu vou me mexer também!”. E não deu outra. No UTG ele saiu atirando, e eu pensei: “Vamos seguir o compromisso”. Olhei minhas cartas e vi 23. “Nossa! Mas vamos lá, né?”, pensei. Seidel tinha feito 80 mil, e eu tudo, 230 mil. Seidel fold [risos]. Houve algumas mãos em que eu entrava na mente dos caras. Uma questão de feeling mesmo, de estar ligado todo o tempo, e isso conta muito. Acabei conseguindo errar o mínimo possível nessa final table. O pouco que eu errei, graças a Deus, não comprometeu o torneio, e isso foi o que me levou a chegar lá. Quando cheguei no HU, uma coisa curiosa, que pouca gente sabe, é que, como estávamos praticamente empatados, eu ofereci acordo para o “The-Toilet” e ele não aceitou. Para a infelicidade dele, eu acabei ficando com o título.







WORLD POKER TOUR – BELLAGIO CUP V - A MESA FINAL MAIS DIFÍCIL DE TODOS OS TEMPOS

Primeiro eliminado da final table do Bellagio Cup V, erik Seidel afirmou, em entrevista concedida para o site do WPt, que aquela era a mesa final mais difícil de um evento desse circuito, repleta de jogadores com o mesmo (excelente) nível de jogo. abaixo, um breve perfil de cada um deles.

ERIK SEIDEL
6º lugar – $164.640
Erik Seidel abandonou os estudos para jogar gamão profissionalmente em Nova York, onde cresceu. Foi em uma viagem a Vegas para um torneio de gamão que ele descobriu e se apaixonou pelo poker, passando a jogar no famoso Mayfair Club, reduto de nomes do calibre de Jason Lester, Howard Lederer e Dan Harrington. Ele se profissionalizou no poker em 1995, quando se mudou com sua família para Las Vegas e rapidamente se tornou especialista no jogo. Ele hoje possui oito braceletes da WSOP, bem como um título do WPT, obtido no Foxwoods Poker Classic 2008.


CHRISTOFFER SONESSON
5º lugar – $203.385
Foi com sua quinta colocação nesse evento que o sueco Christoffer Sonesson obteve o maior prêmio de sua recente carreira. Ele também ficou ficou ITM com sua décima colocação num evento paralelo de No-Limit Hold’em na Bellagio Cup V, três semanas antes. Antes disso, o currículo desse profissional contava com vitórias em eventos da Bellagio Cup III e do European Poker Tour, em 2007 e 2008.



ALEC TORELLI
4º lugar – $271.165
Natural de Orange County, Califórnia, Torelli tem sido um bem sucedido jogador de cash games online há anos, utilizando o nick “traheho”. Mas, depois de ganhar o main event do FTOPS III e faturar mais de $288.000, ganhou também uma excelente reputação como jogador de MTTs. Mas as habilidades de Torelli não se limitam ao online, obtendo boas colocações em vários evento live, tendo perdido por pouco seu primeiro bracelete da WSOP no evento Heads-Up Championship de $10.000, no qual recebeu $337.000.


JUSTIN SMITH
3º lugar – $464.870
Com apenas 21 anos de idade, Justin Smith tem uma história de vida digna de filme hollywoodiano. Em 2005, após sofrer um acidente de moto que lhe deixou impossibilitado de andar, foi no poker que Justin encontrou refúgio durante o longo processo de recuperação. Jogando inicialmente limit hold’em de 1¢-2¢ online, ele evoluiu consistentemente e, jogando no-limit hold’em, alcançou grandes resultados na Internet e no circuito live europeu. Durante a mesa final da Bellagio Cup V, Smith, que estava de pé durante um coin flip, caiu no chão em meio à multidão emocionada quando sua carta bateu no river, rompendo o ligamento de seu calcanhar que havia se quebrado no acidente. Contudo, mesmo sentido dor, ele se recusou a parar de jogar e conseguiu o terceiro lugar no evento.


FARAZ JAKA
2º lugar – $774.780
Com mais de vinte títulos no currículo, Faraz “The-Toilet” Jaka começou a jogar poker em seu primeiro ano como estudante universitário, em mesas de $10 nos dormitórios. À medida que procurava mesas mais caras, Jaka acabou indo até Vegas e só então começou a jogar online, fazendo a trajetória inversa dos atuais fenômenos da Internet. Suas viagens da faculdade para Las Vegas durante os finais de semana se tornaram bem mais frequentes, e ele começou a disputar também eventos do EPT. Hoje, atuando tanto no circuito live quanto no poker online, “The-Toilet” contabiliza mais de $2 milhões em prêmios.




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