EDIÇÃO 21 » COLUNA NACIONAL

"Grinder"

Que bicho é esse?


Leo Bello

Nos últimos meses, com todas as viagens pelo Bestpoker Team, e também convivendo com os europeus que trabalham para o site, comecei a enxergar o poker de uma maneira diferente. Mas espere: o poker é o mesmo em todos os lugares, correto? Não. O jogo pode ser o mesmo em todo canto, porém, o modo como os jogadores percebem as oportunidades para ganhar dinheiro, isso é bem diferente.

De certo modo, os gringos parecem ser mais profissionais – nós, mais apaixonados pelo jogo. Eles procuram maximizar o retorno, estudando a fundo as melhores maneiras de conseguir isso. Esse fato acaba gerando uma cultura em que a grande maioria das pessoas joga muitas mesas ao mesmo tempo, seja de cash games ou sit-and-go´s, mas muito menos torneios. Além disso, eles utilizam todos os tipos de bônus e rakeback em conjunto, e analisam estatísticas e executam softwares para controle dos resultados.
Acho que os jogadores mais experientes já devem ter ouvido falar no termo “grinder”, mas talvez a grande maioria das pessoas por aqui não conheça. Por outro lado, os iniciantes lá da Europa aprendem rapidamente, e usam como maneira de sobreviver no poker. O modo mais fácil de entender o que faz um grinder é compreendendo seu conceito: trata-se do “jogador-trabalhador”, que joga em um mesmo nível durante horas, buscando tirar sua lucratividade não de um torneio grande que ele conseguiu cravar, e sim de uma taxa de ganhos pequena, mas constante.

Todo mundo concorda que é excelente ganhar um torneio de vez em quando, mas o dia a dia do grinder é fazer o feijão-com-arroz, ganhando seus trocados de maneira regular. Eu nunca reparei muito essa diferença porque, especificamente no meu caso, sempre fui um “heavy worker” – jogo várias mesas e me concentro bastante em bônus e estatísticas. Comecei meu bankroll pulando de site em site, disputando alguns milhares de mãos no modo “piloto automático” (tight e seguro) apenas para liberar os bônus de primeiro depósito. Meu objetivo era não perder o dinheiro depositado e sair do site dias depois, resgatando o lucro obtido com o bônus e talvez mais algum retorno advindo do resultado das sessões.

O verdadeiro grinder entende tudo por trás da economia do poker. Ele sabe que lucro dos sites vem do “rake”, quais são os horários melhores para jogar, onde estão as melhores ofertas, e como receber parte do rake pago de volta na sua conta, o famoso “rakeback”. Eles jogam mais de uma mesa ao mesmo tempo para maximizar o retorno e estabelecem metas para o número de mãos de cash games ou de sit and go´s jogados. Além disso, analisam gráficos e estudam seu jogo, sempre buscando aquele meio ponto percentual a mais no seu ROI (Return On Investment).

Assim, na Europa, a grande maioria dos jogadores já percebeu que a grana constante está em jogar cash games e sit-and-go’s, e não em torneios, cuja variância é muito maior. Aqui no Brasil, os jogadores são românticos e apaixonados por campeonatos. Eles jogam online e ficam quatro horas em um torneio de $50, correndo o risco de cair no primeiro nível de premiação e receber $70 pelo seu trabalho.

Jogando em cinco mesas NL10 durante esse mesmo período de tempo, o grinder sabe que pode “garantir” um retorno maior usando a mesma grana. Ainda, uma pessoa que gasta $50 em um torneio deve ter um bankroll que suporte jogar quatro mesas de cash, com os mesmos $50 em cada uma. Além disso, o “jogador-trabalhador” faz uma conta simples, que para o leigo parece complexa: ele descobre a sua Taxa de Vitória (winrate), que nada mais é do que entender quanto ele espera ganhar em uma mesa, em média, ao jogar por um determinado período de tempo.

O grinder pensa da seguinte forma: “Se eu conseguir uma winrate de X PTBB/100 (depois eu explico esse termo), vou ter um rakeback de Y e liberar um bônus de Z”. Traduzindo, ele calcula não só o resultado do jogo em si, mas também como pode conseguir de volta parte do que pagou de rake para o site.

Imaginando que, em uma mesa de cash game, são jogadas em média 60 mãos por hora, e que ele está em 5 mesas há 4 horas, no final da sessão ele terá disputado aproximadamente 1.200 mãos. A partir desses números hipotéticos, e supondo ser possível manter uma média de 6 big blinds a cada 100 mãos, temos a seguinte equação: [1.200 (mãos /100) x 0,5 (big blinds da NL50) x 6 (taxa de ganho por hora)] = $36 de lucro.

Porém, nesse mesmo período, ele ainda liberou um bônus de $50 por ter feito 1.000 player points e gerou $120 de rake, tendo um acordo de 30% de rakeback. Em outras palavras, trabalhando essa quantidade de horas nessas cinco mesas, ele sabe que garante um retorno médio de $122 dólares (36 + 50 + 36). O “jogador-trabalhador” prefere esse retorno “garantido” em 4 horas, a perder esse mesmo tempo em um torneio, e talvez ser o bolha.

Como vocês perceberam, isso é uma média. Portanto, o grinder pode tanto ter uma sessão muito boa, em que ganhe $300 nas 1.200 mãos, como uma muito ruim, na qual perca 3 buy-ins ($150).  É aí aparece o poder da estatística que aponta a taxa de retorno real esperada para aquele jogador, naquele nível. E isso só é possível graças a softwares como o “Poker Tracker” e o “Hold´em Manager”, que acompanham seu desempenho a cada mão. O índice “PTBB/100”, que comentei acima, é o modo como o Poker Tracker mostra esse número. Um bom jogador espera ter um lucro que varie de 1 a 10 big blinds a cada 100 mãos jogadas, dependendo de diversos fatores, como o limite (valor da mesa), a habilidade que possui e a disciplina para seguir um padrão de jogo.

Alguns jogadores com taxas de vitória muito baixas, que praticamente ficam no zero a zero (break-even), podem, sendo grinders, garantir seus ganhos através de rakeback e bônus. Assim, se seu nível de jogo for tal que apenas impeça você de perder dinheiro, seu lucro pode vir do que foi pago ao site. Ou seja, os grinders entendem e exploram o sistema. Eles sabem como arrancar lucros de bônus, promoções e rakeback, e ainda ganham aquele “fixo” se arriscando pouco em um nível que conhecem, jogando muitas mãos ou vários sit-and-go’s. Eles usam, na internet, o mesmo tempo que um jogador gasta em um torneio, só que de forma mais eficiente.

Eu conheço vários jogadores que ganham até 5 mil dólares por mês só dessa maneira. No Brasil, no fórum online MaisEV, por exemplo, vejo várias pessoas que já usam essa abordagem e ganham muito bem, transformando o poker em um negócio lucrativo.

“Leo, isso quer dizer que não dá pra jogar torneio?” Claro que dá! Até porque existem também grinders de torneios. Caio Pimenta, Leandro Brasa, Mestre Filipe, Salim, João Marcelo, Bruno GT e muitos outros, jogam entre dez e vinte torneios diariamente – são os “grinders de multi-table”. O único “problema” de se fazer isso é que, por conta da variância, seu bankroll tem que ser muito maior. O retorno pode ser imediato se você rapidamente cravar um torneio, mas e se demorar a acontecer? Seu bankroll tem que suportar.

A questão é que a grande maioria dos jogadores brasileiros disputa de um a três torneios por dia. E o mesmo número vale para sit-and-go’s. Podemos ainda abrir duas mesas de cash game durante uma hora, mas não buscamos fazer acordos de rakeback ou bônus. Dessa forma, os jogadores daqui ficam na mão da variância, e não maximizam o retorno durante o tempo em que ficam jogando.  Se seu objetivo for apenas se divertir e gastar uns trocados como se estivesse indo ao cinema, excelente. Por outro lado, se sua meta for seriamente ganhar dinheiro, ser grinder é o caminho.

E é possível encontrá-los em todos os níveis. Alguns meses atrás eu li na comunidade Poker Mania do Orkut, um post do Rodrigo “Zidane” Caprioli. Ele é “Supernova Elite” no Poker Stars (status alcançado após fazer uma infinidade de Player Points no site) e estava explicando como, atualmente, faz mais dinheiro com os bônus do que propriamente jogando. Todos os dias, “Zidane” entra em vários sit-and-go’s de $530, no quais investimento e retorno empatam, mas cujo rakeback garante seu lucro… Supondo uma taxa de 50% de rakeback (um “Supernova Elite” pode conseguir algo similar) e jogando 30 SNGs com 30 dólares de rake por dia, 20 dias no mês, tem-se $9.000 só de rakeback neste período.

Mas existem outras abordagens interessantes. É o caso de Rodrigo “SeijiStar” Seiji e Ivan “Royal” Salute. Seiji, que ganhou o prêmio de melhor jogador de sit-and-go’s de 2008, consegue valor parecido jogando SNGs de, no máximo, 20 dólares. Isso mostra que não é o valor do sit-and-go que você joga, e sim o modo como explora e retira seus lucros do sistema. Já Ivan, especialista em cash games, jogava NL50 dois anos atrás, enquanto eu já estava na NL400. Hoje, ele destrói em várias mesas de NL400 e até de NL1000, sempre com os softwares de estatística ao lado, e com o rakeback e os bônus funcionando a todo vapor.

Muitos brasileiros desconhecem esse universo e jogam apenas de forma recreativa. Mas por que não unir o útil ao agradável? Por que não aprender como extrair o máximo de uma sessão? Em dezembro, tive um mês negativo no meu resultado de cash game, mas o rakeback praticamente me deixou positivo. Não é incrível? O reembolso de parte do rake me fez recuperar o prejuízo de um mês em que meu jogo simplesmente não encaixou.

“Leo, mas será que dá pra eu continuar jogando o meu torneiozinho de cada dia?” O que lhe impede de manter aberto, junto com o torneio que gosta de jogar todo dia, duas ou três outras mesas com sit-and-go’s ou cash game simultâneas? Você pode ter um retorno garantido e usar parte dele para, ao mesmo tempo, participar do torneio que gosta (que é divertido, apesar da variância) e trazer um bom lucro bom no dia que conseguir cravar. E ainda tem a vantagem de estar ganhando horas de vôo! Ou seja, é um espaço também para treinamento.

Sou da opinião de que devemos unir o melhor dos dois mundos. Comece a agir como um grinder, abrindo algumas mesas de valores baixos, nas quais possa jogar de modo mais automático enquanto disputa o torneio – ou pelo menos separe alguns momentos da semana para “grindar” em uma sessão de cash games ou sit-and-go.

“Leo, mas como consigo os bônus e o rakeback? E como aprendo a mexer com os softwares de auxílio?”
Bem, este não é o objetivo do artigo, mas posso adiantar que existe muita informação disponível na internet. Além disso, há uma série específica sobre esses softwares nas edições anteriores da CardPlayer Brasil, chamada “Bits & Bets” e escrita por Vicenzo Camilloti. Quanto aos bônus e rakeback, levando em conta que trabalho diretamente com o BestPoker, posso falar especificamente do sistema deles, que inclui bônus que são liberados quando você completa uma certa quantidade de player points. Existe também o sistema de CashBack, no qual você pode trocar seus player points por créditos na hora, na própria página do site. Obviamente, outros sites também têm suas ofertas – é só procurar!

Quanto à forma de se tornar um grinder, acho que isso já requer mais passos. Mas por hora, me dou por satisfeito se conseguir passar a mensagem de que devemos procurar maximizar nossos retornos enquanto estamos à frente do computador.

Se você é um bom jogador e ainda não aplica esses conceitos, está dei-xando o seu dinheiro voar para longe.  Em caso de dúvidas, escreva para nutzz@bestpoker.com ou então envie perguntas pelo site www.leobello.com.br (que agora tem um aplicativo do Twitter também, em que conto o que ando fazendo enquanto viajo).

Agora peço licença a vocês, porque está na hora de fazer uma sessãozinha e brigar pelo meu rakeback de cada dia!




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