EDIÇÃO 19 » MISCELÂNEA

Capture a Bandeira: Daniel Negreanu

Daniel Negreanu é uma das faces mais reconhecidas da indústria do poker por uma razão: ele tem quatro braceletes da World Series of Poker, dois títulos do World Poker Tour e $11 milhões ganhos em torneios. Por mais impressionante que possa soar, ele acumulou ainda mais do que isso em cash games. Jogador muito respeitado, Negreanu é competente em todas as modalidades de poker e tem sido um competidor frequente no “Big Game”, do Bellagio.


Kristy Arnett

Kristy Arnett: Vamos começar com seu início nos cash games. Quando você iniciou, em que limites e modalidades jogava?

Daniel Negreanu: Bem, vamos ter que voltar muito no tempo. Quando eu tinha 17 anos, participava de jogos caseiros, mixed-games de $1-$5. Não era hold’em, porém, eram vários tipos de jogos divertidos. Mas quando eu comecei a jogar para me manter em Toronto, durante os três ou quatro primeiros anos, minha modalidade principal era limit hold’em de $10-$20. Eu fiz isso até me mudar para Vegas e começar a subir de limites.

KA: Você acha que aprender variantes diferentes e jogar limit hold’em primeiro lhe ajudou a pensar o jogo de maneira mais útil do que aqueles que aprendem poker jogando apenas no-limit hold’em?

DN: Absolutamente, sem dúvidas. Um grande jogador de limit hold’em pode jogar qualquer coisa. Um grande jogador de no-limit hold’em é, muitas vezes, limitado. Francamente, a filosofia que eu ensino, o estilo small-ball, nasceu depois de muitos anos jogando limit hold’em, pois é uma estratégia similar, em que eu basicamente dou mini-raises antes do flop e faço apostas de 50% no flop, e as coisas mudam no turn e no river. Mas, basicamente, transferi minhas habilidades de limit para no-limit hold’em, e utilizo os mesmos princípios, porém com algumas nuances diferentes.

Os jogadores não devem menosprezar o quanto limit hold’em vai ajudar seu jogo, especialmente aqueles que aprendem jogando torneios de no-limit. Eles são muito rápidos, então as pessoas não executam muitas jogadas pós-flop. Tudo que elas fazem é ir all-in, all-in, all-in. Isso é tudo que elas aprendem, mas quando você joga limit hold’em, vê um flop quase toda mão que joga. Então recebe treinamento sobre como jogar flops. Há tantas decisões mais difíceis, e quanto mais difíceis são as decisões que você se acostuma a tomar, mais fácil se torna jogar pós-flop. Isso vai lhe ajudar de duas maneiras. Quando você joga cash games de no-limit e grandes estoques, isso lhe ajuda muito, pois o que importa é o jogo pós-flop, não pré-flop. Ademais, ajuda em torneios do WPT, pois não é só o jogo pré-flop que importa. É importante jogar também depois do flop. Limit hold’em é o melhor campo de treinamento possível para isso.

KA: Então qual é seu jogo preferido? Limit hold’em?

DN: Se eu quebrasse amanhã e precisasse ganhar dinheiro, jogaria limit hold’em. Mas meu jogo favorito, e que eu acho que jogo melhor, é stud eight-or-better. Stud é uma vaiante em que eu acho que consigo ler mãos melhor até do que em no-limit hold’em.

KA: O que lhe dá essa vantagem de ser capaz de ler mãos tão bem naquela modalidade?

DN: Há tantos fatores envolvidos que ajudam em sua habilidade de ler. Há cartas que são inúteis com base em determinados jogadores. Se um cara começa com um 5 e depois consegue um valete, há determinados oponentes que você sabe que a carta é inútil nas mãos. Eles possuem 8-6-5 ou 7-5-3, ou algo assim, então você pode apostar e representar alguma coisa. Digamos que conheça outro cara e saiba que, se ele receber algo ruim na fourth street, vai dar fold, então você sabe que se apostar aqui, mesmo que não tenha nada, pode roubar o pote. Importa menos o que realmente se tem e mais as cartas visíveis no bordo de seu oponente e jogar com seu bordo contra o dele. Por volta da fifth ou sixth street, é bastante fácil definir a mão da pessoa em uma gama aproximada.

KA: Existiu alguma pessoa ao longo do caminho que lhe ajudou a melhorar seu cash game?

DN: Ah, sim, várias. Muito da minha personalidade vem de imitar e copiar as pessoas, e de entrar em suas mentes, meio como Sylar de Heroes. Ele é um cara que abre a cabeça de qualquer pessoa e toma seus poderes especiais. A analogia é que, quando eu costumava jogar com alguém que iria ganhar, eu absorvia tudo que ele fazia durante toda uma semana, descobria exatamente o que ele fazia e então incorporava ao meu jogo. Eu também tinha um grupo de amigos que eram muito bons de poker — Phil Ivey, John Juanda e Allen Cunningham. Nós éramos os caras jovens. Depois de jogar, saíamos para jantar e conversar — conversar sobre poker, conversar sobre estratégia. Todos nós discutíamos, então Allen dizia a jogada correta [risos]. Depois disso, me tornei grande amigo de Jennifer Harman. Eu costumava ver as cartas dela no Big Game, então antes mesmo de eu me sentar naquele jogo, já tinha uma noção dos oponentes porque tinha os assistido durante muito tempo.

KA: Como um jogador deve decidir se está pronto para subir de limites?

DN: Pela minha visão, não há uma data para isso, mas tem muito a ver com bankroll. Algumas pessoas, como Sklansky, podem dizer que você não deve correr riscos, mas nenhum jogador no Big Game chegou lá com o que se pode chamar de bankroll apropriado. Eu lhe darei um exemplo de como eu consegui. Digamos que eu estivesse jogando hold’em de $20-$40 e $4.000 fosse suficiente para participar confortavelmente desse jogo. Se eu conseguisse subir meu bankroll para $6.000, tentaria a sorte com esses $2.000 e jogaria $40-$80 — só para me aquecer. Se as coisas corressem bem, eu permaneceria. Se eu perdesse aqueles $2.000, voltaria a minha zona de conforto — $20-$40. Portanto, acho que sempre que você tomar a decisão de subir de nível, saiba que é algo temporário, a não ser que continue a ganhar. Sempre pense que esse é seu limite, mas que você vai tentar a sorte no seguinte. E não fique naquele novo limite a não ser que se dê bem e tenha um bankroll que ache que é confortável para ele.

Existe outra razão por que essa é uma ideia tão boa. O que acontece quando você joga em limites mais altos é que você fica melhor no poker. Você vai jogar em uma mesa mais difícil com adversários mais difíceis. Agora digamos que perca e volte para a de $20-$40: você já é melhor do que era antes. Portanto, vai ganhar ainda mais dinheiro na $20-$40 do que teria ganhado antes. Então continue a tentar até conseguir. É isso que todos os grandes jogadores fazem na maior parte do tempo.

KA: Qual é o maior erro que amadores cometem quando jogam cash games e que é mais fácil de ser corrigido?

DN: Em uma das primeiras colunas que escrevi para a Card Player falava sobre jogar horas, não resultados, o que é um grande erro. A conclusão era que, de modo geral, os jogadores tentam ganhar cada sessão. Isso é a meta deles e não deveria ser. Eles querem ganhar, então jogam sessões mais longas quando estão perdendo e mais curtas quando estão ganhando. Sua mentalidade é muito melhor quando você está ganhando, então se deve na verdade jogar mais quando estiver ganhando. A melhor maneira de se libertar é decidir a hora em que você vai sair assim que chegar à mesa. Decida logo, enquanto sua mente está clara. Digamos que seja 18h e você queira jogar uma sessão de seis horas. À meia-noite você sai, a não ser que esteja ganhando e o jogo esteja muito bom. Se estiver muito bom e você estiver perdendo, ele pode estar muito bom só porque você está nele.

KA: Quando uma mesa está muito loose, como você lida com a ausência de boas cartas?

DN: Essa é uma das situações mais difíceis de se enfrentar, porque testa sua paciência e, na realidade, isso é tudo que lhe resta. Quando você está em uma mesa muito loose, não pode necessariamente jogar melhor do que essas pessoas: você precisa ser “mais fundamental” do que eles. Simplesmente precisa jogar um poker mais sólido, de acordo com a literatura, e não se deixar levar pelo que está acontecendo. Não pode se permitir cair nessa armadilha e, se não puder fazer isso, precisa sair, não importa quão bom seja o jogo, pois, às vezes, em particular nessas mesas, você passa por flutuações maiores, de modo que se torna perigoso para seu bankroll se sua mente não estiver preparada para isso.

KA: Quem é o jogador de cash games que você mais respeita e por quê?

DN: Bem, ele faleceu, mas Chip Reese era o cara que todo mundo respeitava, pois ele era equilibrado. Jamais aumentava a voz. Toda mão da qual ele participava fazia sentido. Mesmo quando era pego blefando, sempre fazia sentido. Era sempre lógico, sereno e elegante.

Em seu funeral, algo muito forte foi dito sobre seu jogo de poker. Certa vez, alguém lhe perguntou: “Chip, você joga nas mesas mais caras do mundo com todos os melhores jogadores. Como você faz para ganhar?” Chip disse: “Bem, quer saber? Alguns desses jogadores podem ser melhores que eu muitas vezes, mas meu melhor jogo e meu pior jogo não são muito diferentes”. Portanto, pode haver outros jogadores mais talentosos, mas eles raramente jogam naquele nível de forma consistente. Chip jogava.




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