Neste período do ano, o mundo do poker se volta inteiramente para a WSOP. Acredito que todos vocês consigam imaginar como seja a agitação e a adrenalina desses dias, e suponho que muitos gostariam de vivenciar essa experiência. Então, aceitei a sugestão de mostrar como é um dia na vida de um profissional de poker durante a Série Mundial, para quem está começando agora ou mesmo se programando para o ano que vem já saber como funciona – pelo menos em teoria – a nossa rotina diária aqui em Las Vegas.
Só mais 5 minutos...
Dia 29/06 foi mais uma data apertada, cheia de poker (como sempre), mas com pouco tempo para resolver questões pessoais. Depois de passar parte da noite anterior jogando cash game $5-$10 no Venetian, onde fiquei hospedado com meus amigos Thiago Decano e Marco Salsicha, fui dormir lá pelas 3 da manha, pois precisava acordar cedo para arrumar as coisas do apartamento. Aqui, acordar cedo é por volta 9h30 da manhã – o que nem é tão cedo assim. Porém, para quem dormiu pouco mais de seis horas, o recomendado seria descansar um pouco mais, mas a agenda está cheia e meu organismo já está trabalhando bem com esse tempo de sono.
A galera brazuca que estava nesse Hotel é de peso: André Akkari, Igor Federal, Christian Kruel, Juliano Maesano, Leandro Brasa, Leo Bello, Rafael Vieira, Flávia Bedran, Heitor Miguel, Eduardo Marra, Giovani Nervo e a turma gente-boa do Sul que conheci nessa temporada, Albert e Diego. Sem contar o pessoal que vinha sempre ao Hotel comer ou jogar com a gente: Omar Abede, Eric Mifune, Lucia Doria, Marta Putz, José Heraldo (Rádio), Alexandre Gomes, Sérgio Brun e muitos outros. Vegas este ano estava cheia de brasileiros em busca do tão sonhado bracelete, mas, para alguns, era só diversão e férias.
Ficha no pano limpinho
Juntei a roupa suja e levei para a lavanderia, pois eu quase não tinha mais nenhuma peça limpa. Afinal, jogando o dia inteiro desde 25 de maio, era previsto que isso acontecesse, pois eu vim direto do LAPT da Costa Rica. Mas atenção: eu já tinha ido pelo menos uma vez na lavanderia nesse período. (risos)
Nesse mesmo dia também aconteceria um torneio muito importante na WSOP: o Main Event de Pot Limit Omaha de 10K, em que eu e o Igor Federal fomos representar o Brasil. Vou contar um pouco sobre o torneio.
Com 381 participantes, o prize pool chegou a US$ 3.500.000,00, e o field desse torneio era muito selecionado. Certamente, todos os profissionais conhecidos do poker mundial estavam inscritos, sem contar muitas outras feras que entendem do assunto, mas não ganham a vida somente com o feltro. Entre os profissionais, eu e Federal jogamos na mesma mesa de vários competidores de renome, como Dario Minieri, Andy Block, Bill Chen e Tom Dwan, só para citar alguns, mas o torneio foi muito duro e ingrato para nós. Depois de sucessivas boas jogadas e bons potes puxados, Federal acabou sendo eliminado, e eu já tinha saído na última mão do terceiro intervalo.
Perdi dois potes grandes em duas mãos nas quais eu era mais do que favorito, mas, como dizemos: "That`s Poker!" (bem que o baralho poderia não ter atrapalhado). Na primeira mão, eu aumento com 2345 e o flop vem 34T, acertando dos dois pares, e com quedas para straight e flush. Meu adversário pensou que eu estava roubando quando aumentei a aposta no flop, e então me pagou com TJJQ (overpair). No turn veio um K e, no river, um A, dando um runner-runner straight para ele: para mim, deu straight até 5 – incrível. Momentos depois, já short-stack, vou de all-in com AA97 e sou pago por JJ96. Um J no flop acabou com as minhas pretensões. Não dá para negar que o nível do torneio era muito alto, mas, como toda regra tem exceção, esta ficou por conta dos russos nesse torneio. Havia dois deles na minha mesa que não tinham a menor noção de Omaha – o que eles tinham mesmo era dinheiro – e inclusive foi um deles que me pagou com JJ sem draw nenhum no bordo 34T. Quem joga um pouquinho de Omaha sabe que não se deve dar um call assim em nenhuma circunstância comum de jogo.
Depois da eliminação, saí correndo para acompanhar Alexandre Gomes, que estava marcando história no poker nacional ao fazer o heads-up do evento #48 da WSOP (no-limit holdem de $2.000). Detalhe: eu, Akkari, Federal, Juliano e Brasa, que estávamos disputando outros torneios durante a mesa-final desse evento, ficávamos sempre de pé por lá, torcendo, passando um bom tempo de “sit out” para acompanhar a grande façanha do garoto de Curitiba. E nossa torcida deu muito certo. Aliás, que torcida a do Brasil: Alexandre se consagra campeão e fazemos uma grande festa no Rio Casino – a Amazon Room parou para acompanhar.
Vocês podem conferir os vídeos desses inesquecíveis momentos no blog do Leo Bello, no site da CardPlayer Brasil (www.cardplayerbrasil.com/leobello). Vale a pena.
Uma história do poker para ser contada...
No rail, durante o histórico heads-up do evento #48, o Akkari me aparece com um chá gelado de garrafinha, oferece ao Alexandre e fala: “Toma esse chá aqui, que eu acabei de tomar um gole e fazer um straight-flush no evento de HORSE, vai dar sorte!” Logo na seqüência, Alexandre vai de all-in contra AA do “CrazyMarco”, J e T aparecem no flop e, enquanto a turma pede a seqüência runner-runner, eu grito: “Vem um T que é mais fácil!”. A galera começa a gritar em coro: “Dez! Dez! Dez!” e, para o delírio da torcida, bate um T no turn. Alexandre acerta a trinca e é double-up para o Brasil!
Mas a história não termina aí, não! Momentos depois, Akkari, do meu lado, vira para o Alexandre e fala: “Alê, acho que essa é a mão do bracelete, toma um golinho do chá aí, que é agora!” Bem, só estando lá mesmo para crer. Alexandre olha suas cartas e vê AKs, dá raise, e seu adversário volta all-in com QJs. Alê dá insta-call. No turn vem um ás, e Alexandre se torna o primeiro brasileiro a ganhar um bracelete da WSOP.
Bem, perguntem agora o que aconteceu com o chá do Akkari...? Obviamente, eu tomei todo o resto! (risos) Parabéns, Alexandre Gomes, grande jogador e pessoa. Conseguiu alcançar seu objetivo com grande empenho e brilhantismo. Você merece, e o poker brasileiro se orgulha muito de seu feito!
Finalmente, tive um intervalo para comer. A lanchonete da pokerroom não é das melhores, mas quebra o galho. Logo depois de lanchar, fui me registrar para o mega-satélite para o Main Event de NL Holdem. O buy-in era 1k, com stack inicial de 6k fichas e blinds subindo a cada 30 minutos (semi-turbo).
Nesse satélite eu fui eliminado numa mão muito interessante, que vale a pena vocês analisarem, pois creio que meu adversário poderia ter dado fold... mas ele pagou, e eu fui eliminado no meio do caminho.
O UTG, perfil mega-tight, sobe para 450 nos blinds 50-100. Uma mulher dá call no meio do caminho e eu, sendo o button, aumento a aposta para 1150 com T♣9♣. No flop vem JT7 com uma carta de paus, me dando o par do meio e uma queda para gaveta. O UTG dispara 2k no flop, a menina dá fold, eu penso bastante e dou call – devido ao seu perfil e ao modo como se deu a ação na jogada, coloquei-o em mãos como AA ou KK. O turn é uma bela Q de paus me dando, no river, os mesmos 35% de chances do flop de ganhar a mão contra um overpair. Ele dá check e movo all-in de 5k fichas num pote de quase 7,5k. Meu adversário, que tinha os mesmos 5k para trás, pensa um pouco e fala: “Vou pagar. Só espero que você não tenha trincado na Dama”. “Que frase horrível!”, pensei, pois ele pagou achando que estava perdendo a mão, o que me pareceu uma incapacidade enorme de dar fold com um overpair, mesmo num bordo complicado como aquele. O river não me ajudou (duas de espadas, parece piada) e fui eliminado do satélite também.
Mas os brasileiros estavam destruindo Las Vegas nesse dia. Naquele momento, Anderson Silva, de Joinville, estava entre os 22 jogadores restantes no evento #49 (NL Holdem de 1.5k). O interessante é que aquele era o primeiro torneio ao vivo do rapaz, que é jogador de cash game. E a gente foi lá torcer e dar uma força. Naturalmente, ele cometeu alguns equívocos pela falta de experiência, mas isso é mero detalhe, o que importa é que ele fez bonito e só caiu diante de uma armadilha do baralho. Ele entrou de limp de UTG com KK, um middle position abriu raise e o big blind voltou all-in. Anderson deu call e o BB mostrou AA, que fez trinca no flop e quadra no river. GG Anderson. Parabéns pelo 10º lugar! Belo resultado.
Quando ele foi eliminado, lá pelas 4h da manhã, a galera resolveu ir comemorar a vitória de Alexandre Gomes no Grand Lux Café, no Venetian Hotel. Estou para conhecer algum lugar no planeta Terra que tenha um cardápio melhor do que o deste restaurante. Tem de tudo, a toda hora, e a qualidade é muito boa. Uma refeição muito bem feita, completa, sai em torno de 20 dólares.
Boa noite, Boa sorte
É hora de ir dormir, galera, porque no dia seguinte vou jogar o último evento de NL Holdem da WSOP, ao meio-dia.
Que dia fenomenal para o Poker brasileiro foi aquele. Senti-me muito orgulhoso de poder ter participado de tudo aquilo ao vivo e em cores, e quem sabe a gente não repete a dose ano que vem, com outro dia assim!