EDIÇÃO 13 » COLUNA NACIONAL

Feeling


Raul Oliveira

Neste artigo vou comentar sobre um termo que aparece com muita freqüência durante uma explicação do porquê de um jogador ter feito determinada jogada: o feeling.  Muitos jogadores, quando perguntados por que blefaram em certa mão ou pagaram um all-in com o terceiro par, ou ainda jogaram fora um AA depois do flop, simplificam suas respostas e dizem jogaram no feeling. No dicionário, essa palavra significa sentimento, emoção, opinião. No poker, representa algo como “jogar no instinto”: – “Não sei porque fiz isso, só sei que devia fazer”.

Em outros termos, quando um jogador não sabe explicar o raciocínio que teve para chegar à sua conclusão, ele chama isso de feeling. Em minha opinião, isso nada mais é do que um pensamento quase subconsciente que leva a uma conclusão lógica, mas intraduzível por quem a executa. Tanto isso é verdade que, quanto melhor o jogador, mais “apurado” é seu feeling. Isso quer dizer que os grandes jogadores, por terem vivido tantas e tantas situações no hold’em, e após um complexo cruzamento de dados armazenados em sua mente durante todas as sessões que disputaram, chegam a determinadas decisões em certas jogadas, apesar de não visualizarem qual raciocínio o levou até ela.

Para exemplificar o que estou falando, vou citar uma mão clássica entre Phil Ivey e Paul Jackson. Uma mão em que muitos explicam o movimento do Phil Ivey como se ele tivesse o feeling de que o cara não tinha nada, mas na verdade havia um grande raciocínio por trás. Vamos a ela:

Eles estão no HU final de um torneio. Os blinds estão 12k-24k com antes de 4k, e Phil Ivey está no big blind, com cerca de 3,5 milhões em fichas. Paul Jackson está no small (button como posição relativa) com cerca de 900k em fichas.
Paul completa o blind para 24k com 65 off, e Phil dá raise de 60k com Q8, maior do que o pote, que estava em 56k. Paul paga e agora o pote tem 176k.
O flop vem 7JJ, ou seja, nada para nenhum dos dois. Phil, que tinha dado raise pré-flop, segue com a jogada e aposta 80k, pouco menos da metade do pote. Paul pensa um pouco e dá raise de 170k, quase o mínimo, deixando o pote com 426k. Agora é Phil Ivey que pensa um pouco e, ao invés de jogar, paga os 90k e coloca mais 150k, deixando Paul Jackson numa situação ruim.
Paul pensa um pouco e também surpreende, dando mais um re-raise. Desta vez ele paga os 150k e coloca mais 150k, levando o pote para 966k e ficando com cerca de 380k para trás. E aí vem o grande final da mão: Phil pensa, pensa e pensa e, no “feeling”, dá all-in em Paul Jackson, que é obrigado a jogar fora seu 65off, praticamente definindo o torneio.

Sem dúvida, essa foi uma mão no mínimo fantástica, atípica e muito corajosa de ambas as partes. Porém, muitos jogadores, principalmente os iniciantes, vão olhar essa mão e dizer: – “Que “feeling” o Phil Ivey teve. Ele sentiu que o Paul Jackson não tinha nada”. E é exatamente nessa hora que eu digo que, por trás desse “feeling”, existe na verdade um grande raciocínio. Vamos a ele:

Num flop com 7JJ, Phil Ivey dispara 80k e Paul Jackson volta 170k. Nesse instante, Phil passa a ter quase certeza de que Paul não tem o J. Afinal, com o J, e com poucas fichas em relação ao stack do Phil, ele só daria call. Então, na cabeça dele, sobram duas opções na mão do Paul: ou estar blefando ou ter um 7. Seria muito difícil colocar Paul em um par na mão, já que, como havia aumentado bem pré-flop, ele teria tomado um re-raise ali mesmo. 

Pensando assim, Phil resolve testar Paul, e volta um reraise sem se comprometer totalmente com o pote. Ou seja, caso tomasse um all-in, ainda teria espaço para largar a mão. E nesse momento, ao meu ver, foi onde o Paul errou. Para mim, se ele quisesse continuar blefando, era hora de dar all-in – mas é claro que, de fora, essa análise é muito mais fácil. A razão deste all-in é que, ao deixar de executá-lo, deu a chance do Phil ler o blefe dele.

Entendendo o motivo disso, vamos imaginar três situações possíveis para a mão do Paul Jackson:

1 – Com o Valete
Já seria muito difícil ter dado raise no primeiro bet tendo o J, mas, mesmo considerando essa hipótese após o re-raise do Phil I, ele certamente só daria call. Logo, Phil consegue descartar essa hipótese.

2 – Com o Sete
Nesse caso, achando que estava com a melhor mão, ele teria dado all-in no reraise do Phil. Até porque, com o 7, ele estaria totalmente comprometido caso o Phil desse all-in (como o fez), por isso não faria sentido dar um mini-raise apenas com o 7. Tendo esta carta, ou ele daria call e veria o turn ou empurraria, mas ajamais aumentaria apenas um pouco.

3 – Não ter nada
Foi exatamente a conclusão a que Phil Ivey chegou: a única mão possível para ele ter jogado dessa forma era um blefe mesmo. Uma mão nuts como um JJ não teria dado o último raise como ele fez.

Chegando a essa conclusão, Phil empurra seu all-in mesmo sabendo que havia chance de ser pago por um K high ou A high pelo tamanho do pote. Mas ele seguiu seu raciocínio  e deu all-in na mão.

Agora, com uma coisa eu tenho que concordar: é muito mais fácil chamar isso tudo de feeling.




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