EDIÇÃO 112 » COLUNA NACIONAL

Shu Ha Ri

As fases do aprendizado


Fellipe Nunes e Marcelo Muller
Na coluna deste mês, vou abrir o espaço para Marcelo Muller, jogador que entrou no FLOW em setembro de 2014 e hoje, além de jogar, integra nossa equipe técnica.

Há algum tempo, instigado pelo trecho de algum livro, comecei a pesquisar sobre artes marciais japonesas e encontrei um conceito muito interessante para aplicarmos ao poker: Shu Ha Ri, que traduz o processo de aprendizado, desde o início à maestria. Cada parte do conceito diz respeito a uma fase que se relaciona com as outras de forma linear.

Shu, que representa o começo nas artes marciais, é o momento no qual se aprende os movimentos básicos e consolidados, que serão repetidos muitas e muitas vezes até se tornarem automáticos. Para chegar à etapa seguinte, Ha, a primeira deve ter sido dominada.

No segundo estágio, a subjetividade do indivíduo começa a ser aplicada às técnicas, e ele testa movimentos que outros criaram para verificar quais melhor se adequam ao seu estilo.

Ri, por sua vez, é quando a maestria pode ser alcançada. Os movimentos básicos são automáticos, diversos outros foram testados e já se conhece o próprio estilo. Esse é o momento em que se utiliza toda a experiência adquirida até ali para transcendê-la e criar algo único.



Além de ser um bom caminho para estudar o poker, as etapas do Shu Ha Ri, nos alertam para não tentar pular momentos do aprendizado. Muitos jogadores procuram imitar técnicas dos profissionais que admiram sem antes terem uma base sólida e compreensão dos ranges básicos. Isso pode fazer com que o jogo fique desajustado e sem coerência, e as técnicas podem ser empregadas em momentos não ideais. Daniel Negreanu não aprendeu a fazer suas excelentes leituras de ranges da noite para o dia. São as muitas situações pelas quais passou e analisou que o levam, naquele momento, a olhar para o adversário e conseguir prever qual mão ele tem. 

Outra situação comum é encontrar jogadores que desde o início de suas jornadas no poker querem inventar novas maneiras de jogar, inspirando-se em profissionais vencedores que jogam fora do padrão. Não há problema em ser criativo nas mesas, mas é importante primeiro solidificar os conhecimentos iniciais e o entendimento básico de ranges e situações. O bom jogador que costuma inovar, provavelmente já passou pelas primeiras etapas e, depois de ter aprendido o básico, testado muito e compreendido seu estilo de jogo, cria jogadas novas. Para quebrar um padrão, é preciso antes compreendê-lo.

Mesmo que você não tenha muita certeza em qual estágio se encontra, se organize e tente recomeçar do simples. Aprenda o básico e o execute diversas vezes até que ele tornar-se automático. Você pode identificar esse momento quando perceber que ao olhar rapidamente para uma situação já compreende qual é a melhor jogada a ser feita. 

Quando dominar o Shu, pode ter certeza que já estará à frente de boa parte dos jogadores. Então, você pode dar o próximo passo com mais segurança e chegar ao Ha, o momento de criar sua identidade. Tente reproduzir jogadas de outros jogadores que saem do padrão. Teste quais funcionam. Construa seu estilo e linha de raciocínio. Quando chegar ao Ri, conseguirá transcender o que aprendeu com base em toda bagagem adquirida e poderá criar novas jogadas e modos de leitura, de forma muito mais coerente e sofisticada. Esse momento, a maestria, é onde poucos estão.


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