EDIÇÃO 10 » ESPECIAIS

Chris Ferguson: Um Homem de Muitas Habilidades e Interesses


Lizzy Harrison

“Andy Bloch é conhecido por sua campanha no evento H.O.R.S.E. com buy-in de $50.000 da World Series of Poker, em que acabou em segundo lugar, perdendo para Chip Reese. Espero que hoje ele acabe em segundo lugar também”. Essas foram as palavras de Chris “Jesus” Ferguson antes da final do NBC National Heads-Up Poker Championship deste ano.

Ferguson derrotou Bloch e levou o título e $500.000. O evento ao estilo bracelete e apenas para convidados foi iniciado há quatro anos, e Ferguson fez três mesas finais, tendo ficado em segundo lugar em 2005 e em 2006. Esse ano, ele agarrou o primeiro lugar depois de ter ganhado as duas últimas disputas em uma competição melhor de três. O recorde de Ferguson nesse evento exclusivo foi de impressionantes 16-3.

Ele não tinha aspirações à fama ou fortuna quando se propôs a aprender a jogar poker. Desde que entrou na indústria, contudo, tem alcançado um nível de sucesso atingido por poucos. Desde o começo dos anos 90, Ferguson acumulou mais de $6,5 milhões em premiação em torneios. Em 2000, ele fez o que todo jogador de torneios aspira, ao derrotar T.J. Cloutier e vencer o Main Event da World Series of Poker. Esse foi o segundo bracelete que Ferguson ganhou naquele ano – algumas semanas antes, ele havia conquistado o evento de seven-card stud com buy-in de $2.500. Nos anos que se seguiram, ele ganhou mais três braceletes. Ferguson é também o único jogador a ter ganhado três eventos do WSOP Circuit.

Ele decidiu estudar poker em 1994, pois é um aprendiz nato, e sabia ser capaz de aprender a jogar no mais alto nível. Seus triunfos em torneios fizeram dele um favorito dos fãs, mas ele recentemente ganhou notoriedade por um feito que não envolveu uma vitória. Ele desafiou a si mesmo a ganhar $10.000 jogando na internet, o que pode aparentar não ser tão difícil. O fato é que ele começou o desafio sem colocar nenhum centavo em sua conta online: ele teve que jogar freerolls para começar. Por sorte, torneios são sua especialidade, e sua abordagem de estudioso do jogo foi generosamente recompensada.

A Card Player conversou com Ferguson sobre tudo relacionado ao poker, depois de sua vitória no NBC National Heads-Up Poker Championship.

Lizzy Harrison: O que se passava em sua mente quando você chegou à final do Heads-Up Championship pela terceira vez?

Chris Ferguson:
Eu pensava apenas em jogar poker. Eu já tinha estado lá vezes suficientes para não estar nervoso. Acho que muitas pessoas ficaram preocupadas imaginando que eu acabaria em segundo lugar de novo, mas isso não ocupava minha mente. Eu estava orgulhoso por estar ali, e ainda ficaria orgulhoso se novamente ficasse na segunda colocação. Eu estava feliz porque iria ganhar dinheiro pela terceira vez; chegar tão longe é, por si só, uma realização.

LH: Você jogou várias partidas para poder chegar às finais. Qual foi o oponente mais difícil?

CF:
Tanto John Juanda quanto Jon Little me enfrentaram com raça. Mas... Andy Bloch representou a verdadeira batalha. Ele ganhou a primeira partida da melhor de três, e, na segunda, ele chegou a ter vantagem de 3-para-1 em fichas em determinado momento.

LH: Por que você acha que tem se dado bem constantemente nesse evento?

CF:
Eu estudei o heads-up mais do que qualquer outro aspecto do jogo. Eu costumava jogar muito mano a mano na Internet. Quando você joga online, pode participar de muitas mãos: eu costumava disputar 300 por hora. Jogando tantas mãos de heads-ups sucessivamente, eu aprendi muito. Muitas das minhas estratégias nasceram das partidas que eu jogava àquela época.

LH: Como os heads-ups permitem que o lado matemático de seu jogo brilhe?

CF:
As análises matemáticas que eu tenho feito são particularmente úteis quando estou jogando mano a mano. A teoria do jogo não contém boas respostas quando se tratam de multi-potes, pois existem outros complicadores que surgem quando você joga contra mais de um oponente. Ela se aplica muito mais quando você enfrenta apenas um. Portanto, a maior parte de minha pesquisa sobre teoria do jogo gira em torno dos heads-ups. Eu a aplico em situações de multi-potes, mas ela é mais útil quando se joga mano a mano.

LH: Você ganhou alguns dos mais prestigiados eventos do poker, e certamente recebeu muito dinheiro: o que fez com que você decidisse zerar sua conta online para então tentar transformar nada em $10.000?

CF:
Eu encarei isso como um desafio pessoal. Eu achei que precisaria de seis meses para ir de zero a $100, e que levaria mais seis meses para transformar os $100 em $10.000. Você pode se perguntar como eu fui de zero a qualquer coisa. Bem, o Full Tilt tem freerolls. Você pode entrar em um freeroll sem pagar nada, e, quando eu os jogava, eles contavam com cerca de 900 jogadores e dava um prêmio total de cerca de $40. Quando eu disputava freerolls com prêmio total de $40, os 18 primeiros colocados ganhavam $2. Se você ficasse em segundo lugar, ganhava $3, e o vencedor ganhava $5. Você ficaria chocada ao ver com que intensidade eu tentava ganhar esses freerolls. Durante essa experiência, eu colocava meu coração no que fazia. Todo mundo estava jogando por diversão, mas eu estava atirando para matar. Eu blefava e então sentava em frente ao computador repetindo: “Por favor, não pague!” Cada freeroll que eu joguei foi assim; se meus oponentes pudessem me ver, eles achariam que eu era louco trabalhando tão arduamente por dois dólares.

LH: Que estilo de jogo conduz ao sucesso em freerolls?

CF:
Jogo sólido. Eu acho que, no início, os jogadores tendem a ser meio loucos. Eu tentava sair da mira deles, mas quando conseguia uma boa mão, podia ir à luta. Eu tentava jogar bem; eu não me prejudicava para tentar tirar vantagem de ninguém. Deixava que os erros deles lhes custasse dinheiro. Muitas pessoas tentam enfeitar muito quando enfrentam iniciantes. Eu enxuguei o jogo e não blefava muito, especialmente quando sabia que alguém poderia pagar.

LH: Quando foi que você passou de freerolls para jogos com dinheiro de verdade?

CF:
Assim que eu ganhei $2, comecei a jogar cash games. Eu me lembro dos primeiros $2 com os quais me sentei. Era uma mesa de no-limit hold’em de 5¢-10¢, com buy-in mínimo de $2. Eu estava completamente comprometido com aquilo e, oito mãos depois de ter entrado, eu estava quebrado. O button não chegou sequer a fazer uma volta completa na mesa.

LH: Como você atingiu sua meta inicial de $100?

CF:
Eu consegui isso ao ficar em segundo lugar em um torneio com buy-in de $1. Eu acho que a segunda colocação me garantiu pouco mais de $100.

LH: Como você decidiu multiplicar seu modesto bankroll?

CF:
Assim que eu consegui $100, determinei algumas regras a seguir. Minha fórmula era fazer um buy-in para um jogo ao vivo com apenas 5% de minha conta ou menos. Se meu bankroll diminuísse, isso me forçava a entrar em jogos menores. Eu queria mostrar às pessoas o que uma boa administração de dinheiro pode fazer. Muitas vezes, jogadores perdem e, mesmo assim, sobem de limite: é preciso ter disciplina para descer. Eventualmente, todo jogador experimenta uma fase de perdas, e, a não ser que ele tome muito cuidado, pode acabar perdendo seu bankroll. A única maneira de evitar essa perda total enquanto você está numa dessas fases ruins é baixar de limite. Se você perde, mas continua descendo de limites, pelo menos ainda está tendo ação. Se você for um bom jogador e for capaz de permanecer no jogo, irá subir novamente. Em torneios, eu tinha uma estratégia ligeiramente diferente. Em torneios multi-table, eu limitava meu buy-in a 2% do meu bankroll. A regra para sit-and-go’s de uma mesa única era 5%. Por outro lado, eu podia sempre fazer o buy-in de $2,50 para qualquer jogo, e podia jogar em qualquer torneio com buy-in de $1.

LH: Quando a experiência começou e quanto tempo tem durado?

CF:
Ela começou em meados de fevereiro, dois anos atrás [2006]. Conforme eu mencionei, achei que em um ano conseguiria $10.000. Na verdade foram necessários 18 meses. Nove meses para transformar nada em $100, e depois mais nove para transformar $100 em $10.000.

LH: A experiência continuará indefinidamente?

CF:
O experimento ainda está em curso. Eu atingi a marca de $10.000 e continuei. Em determinado ponto, eu tinha uma conta de cerca de $28.000. Depois, comecei a passar por uma fase muito difícil. Eu tive um período de terrível azar, mas segui as regras que havia determinado. Eu tinha jogado algumas mãos de $25-$50, mas logo tive que voltar para $10-$20. Eu continuei a baixar de $28.000, e quando atingi os $20.000, fiquei um pouco preocupado. Fiquei ainda mais preocupado quando atingi a marca dos $15.000, porque tive que voltar a jogar $5-$10. Eu na verdade continuei a perder daí, e agora tenho cerca de $9.000. Eu mal posso jogar $5-$10, e talvez tenha que descer para $2-$4. É difícil descer de limites, porque é deprimente passar por períodos de perdas assim, mas é importante.

LH: Como você se sente tendo que descer continuamente dessa forma?

CF:
Quando você começa a jogar no-limit de $25-$50, é muito difícil descer. Como eu disse antes, a coisa mais importante para um jogador profissional de poker é ter disciplina. Se você não for capaz de diminuir os limites quando estiver perdendo, não possui a disciplina necessária para ser um profissional da área.

LH: Qual é a maneira mais lucrativa de se jogar low-limit no-limit hold’em?

CF:
Em no-limit de $2-$4, por exemplo, você precisa sair com mãos fortes. Jogue o estilo tight-aggressive e não dê muitos calls. Se você achar que tem a melhor mão pré-flop, aumente. Se houver um raise antes, e você ainda assim achar que tem a melhor mão dê reraise. Não é uma boa idéia pagar um raise com A-K, A-A ou K-K: você deve voltar um reraise para reduzir o field.

LH: Você está conduzindo seu experimento no Full Tilt Poker. Qual é seu envolvimento exatamente?

CF:
Eu fundei a companhia de desenvolvimento de softwares que criou o do Full Tilt. Eu ajudei a desenvolver o software, o que foi apropriado, porque eu sou um jogador de poker com Ph.D. em ciência da computação. Eu acho que foi a oportunidade perfeita para eu combinar meus interesses; foi ótimo poder mesclar meus conhecimentos tanto em poker quanto em computação.

LH: Quando começou a jogar poker, você saiu do zero ou tinha um bankroll?

CF:
Eu nunca tive um bankroll. Comecei a jogar poker quanto tinha uns 10 anos de idade. No colegial, eu jogava todo tipo de modalidade com meus amigos: o que pudéssemos imaginar, jogávamos. Nós raramente jogávamos hold’em porque, para nós, era chato. Receber apenas duas cartas, sem coringas, e não poder passar carta para ninguém parecia idiota para nós.

LH: Quando você começou a jogar poker pra valer?

CF:
Por volta de 1994, eu realmente comecei a levar a sério o no-limit hold’em. Tive que conseguir dinheiro por outros meios: eu investi na bolsa valores e trabalhei como assistente de pesquisa. Tomei a decisão consciente de me dedicar de modo a aprender bem o jogo. Eu percebi que, para aprender, eu devia jogar contra os melhores. No entanto, quando olhei para os cash games, vi que eles estavam jogando em limites acima de meu bankroll. As partidas mais baratas eram compostas por adversários que não levavam o jogo a sério. Eu sabia que seria impossível aprender jogando contra quem não estava se esforçando de verdade. Em torneios de buy-in pequeno, eu joguei com Men “The Master” Nguyen, T.J. Cloutier e Phil Hellmuth. O outro aspecto, que na verdade foi mais importante para mim, foi que os jogadores estavam tentando mesmo ganhar. Eu acho que torneios são a maneira como o poker deveria ser jogado. É por isso que decidi me especializar nisso.

LH: Você joga cash games?

CF:
Não. Eu gosto de torneios porque eles mudam ao longo do tempo e a estratégia que você usa para obter sucesso também se modifica. Nos primeiros estágios, os jogadores têm grandes estoques em comparação aos blinds. Você não pode arriscar tudo se não tiver uma excelente mão. Mais adiante, os jogadores tendem a ficar um pouco mais tight à medida que se aproximam da possibilidade de ganhar dinheiro. Você deve ser capaz de tirar vantagem disso. À medida que os blinds sobem, os stacks se tornam relativamente pequenos, e você não está mais jogando poker de grandes estoques. Nesse momento, pode-se pressionar mais as pessoas. Quando você entra na grana, está em outro estágio. Essas dimensões tornam os torneios interessantes para mim. Eu realmente não gosto de cash games ao vivo, principalmente porque acho que estou tirando dinheiro de alguém. Não me parece justo. Mas quando se investe dinheiro em um torneio, alguém irá ganhá-lo, então por que não eu?

LH: Qual sua modalidade preferida e por quê?

CF:
No-limit hold’em: esse é o jogo mais interessante. Hoje, no entanto, eu procuro torneios que não sejam dessa variante. Todos os grandes torneios atuais são de no-limit hold’em, então eu gosto de jogar qualquer outra coisa. Se eu fosse entrar em um torneio hoje, me inclinaria a jogar qualquer outra modalidade. Contudo, se eu pudesse jogar apenas um tipo de poker pelo resto de minha vida, gostaria que fosse no-limit hold’em. Tem também outro jogo que eu adoro, chamado Asian stud (stud asiático): é um jogo de cinco cartas jogado com apenas 32 cartas do baralho. Você tira dos dois aos setes. Todas as suas cartas ficam expostas, com exceção de uma, e, para mim, essa é a forma mais pura de poker. O poker é um jogo de blefes, que significa representar algo que você não possui. Você também tem que ser capaz de detectar quando seu oponente está blefando. De todas essas variantes, Asian stud é aquela em que essa habilidade é mais importante. Como você possui apenas uma carta oculta, não importa a leitura de mãos. É um jogo simples, e o que importa é ter coragem de blefar e coragem de pagar quando achar que alguém está blefando.

LH: Você passou duas décadas para tirar um diploma. Do que você mais gostava na universidade?

CF:
Eu gostava da liberdade. Eu adorava a escola, e não queria arranjar um emprego. Por sorte, eu posso me dar ao luxo de não precisar de um. Eu adoro o ambiente da UCLA; tem tantas pessoas interessantíssimas por lá, pessoas realmente verdadeiras, honestas e boas. É raro encontrar pessoas assim fora do ambiente universitário.

LH: Do que você mais gosta na comunidade do poker? Existem pontos de semelhança entre ela e o ambiente de que você gostava enquanto estudava?

CF:
Quando eu era estudante, eu tinha três mundos distintos que não tinham muito em comum. Eu tinha o mundo da UCLA, o mundo do poker e o mundo da dança. Eu adorava dançar swing. Não havia pontes entre esses mundos, e eu gostava de coisas diferentes em cada um deles. A única ponte era Mike Sexton; ele é um grande dançarino, e foi incluído no Shag Hall of Fame.

LH: O que você faz hoje em dia quando não está jogando poker?

CF:
Eu comecei a jogar golfe quatro ou cinco meses atrás. Eu jogo cerca de quatro vezes por semana, mas não faço isso bem.

LH: Então você ainda não está apostando quando se trata de golfe?

CF:
Não. Eu posso apostar $100 contra outro cara que joga tão mal quanto eu, embora Gavin [Smith] tenha ganhado algum dinheiro meu. Eu não acho que você irá me ver no High Stakes Golf.

LH: Você é conhecido por sua habilidade de atirar cartas através de frutas: como exatamente você aperfeiçoou esse dom?

CF:
Eu li um livro de Ricky Jay chamado Cards as Weapons (Cartas como Armas) quando era criança. Ele me ensinou a atirar cartas, e eu pratiquei muito. Logo, eu conseguia atirar cartas em maçãs e elas ficavam lá, e eu achava bem legal. Quando eu tinha cerca de 18 anos, resolvi usar uma cenoura, mas jamais pensei que pudesse realmente cortá-la ao meio. Eu só queria atirar uma carta e ver se ela ficava pregada. Eu pendurei a cenoura e consegui parti-la em dois pedaços. Foi só em 2004 que isso virou grande coisa. O Harrah’s estava filmando vídeos promocionais para a World Series of Poker, e eles me perguntaram se eu tinha alguma habilidade pouco usual. Eu disse que podia cortar uma cenoura em dois pedaços com uma carta de baralho, embora, naquela época, fizesse um tempo que não praticava, e eu não tinha certeza se ainda era capaz de fazer isso. Eu consegui e, quando foi ao ar, as pessoas começaram a me abordar e a perguntar se se tratava de um truque. Eu garanti que podia fazer aquilo com uma carta de baralho comum de papel.

LH: Você é realmente capaz de usar cartas como armas? Você poderia ferir alguém?

CF:
Se eu fosse jogar uma carta em alguém de certa distância, acho que seria capaz de rasgar a pele. Se atingisse um osso, poderia doer muito, mas não causaria um ferimento. Eu me lembro de uma vez em que estava cortando cenouras em um estúdio, e quando acabamos, notei que o operador de câmera tinha uma mancha na testa com um pouco de sangue. Ele sabia que eu o tinha atingido, mas não sabia que estava sangrando. Então, é possível ferir pessoas, mas nem tanto.




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