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O dia em que encontrei um gênio

O que um sujeito azul saído de uma latinha de energético tem a ensinar sobre o poker?



24/03/2012
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Um dia desses, desci de meu carro no estacionamento de um clube de poker e percebi uma latinha de energético fechada no chão. Eu jamais tinha visto aquela marca antes — Djinn Brand — mas, sendo eu do tipo que sempre pega um tira-gosto quando a bandeja passa, decidi experimentar.

Assim que abri a lata, uma fumaça azul subiu e se transformou em um — não estou de brincadeira — um gênio flutuante. “Você me resgatou de minha prisão”, entoou ele com uma voz fatigada, como se estivesse lendo um escrito que já lhe fosse muito familiar (ou uma lista telefônica). “Por esse ato de bondade, lhe será concedido um desejo”.

“Um?”, eu perguntei. “O normal não seria três?”
“Tempos difíceis”, disse o gênio. “Estamos economizando”.
“Mas…”
Os olhos do gênio brilharam. “Olhe, amigo”, disse ele, “você quer o desejo ou não?”
“Ok”, eu disse. “Um desejo. Eu desejo…”
“Calma, eu ainda não terminei”. Mais uma vez, ele falou em tom de palestra modorrenta: “Para seu desejo, você deve escolher uma, e apenas uma, habilidade no poker”.
“O quê? Você quer dizer como a habilidade de dar reraise blefando no river?”
“Se é isso que você quer, cara. Eu pensaria um pouco mais a fundo”.
“Ah”, eu disse, compreendendo. “Algo que ajudaria meu jogo como um todo...”
“Compreensão intuitiva do óbvio, Cérebro Pensante”. Impaciente, o gênio batia no relógio. “Olhe, o que é que vai ser? Eu não tenho o dia todo, sabe. Eles me encheram a agenda hoje”.
“Tudo bem”, eu disse, “me dê apenas um minuto”. E, com meu estilo lógico, comecei a pensar sobre o tema, a esmiuçá-lo. Se eu pudesse ter apenas uma habilidade no poker, e realmente possuí-la, o que eu escolheria?


"Para seu desejo, você deve escolher uma, e apenas uma, habilidade no poker"

Meu primeiro pensamento foi memória, pois não seria útil ser capaz de se lembrar como determinado adversário jogou com A-Q do mesmo naipe, um ano atrás quando o conheci? Ou mesmo se o gordinho da posição três jamais aumenta blefando fora do blind? Mas eu então percebi que, não importa quão boa seja minha memória, isso seria apenas um padrão de reconhecimento, e padrão de reconhecimento não vale nada sem padrão de execução. Então, descartei a memória e desviei minha atenção para jogadas.

É uma excelente habilidade poder fazer boas jogadas. É a diferença entre conseguir bom valor e excelente valor com suas mãos prontas, ou entre perder o mínimo ou perder tudo quando for derrotado. Utilizando minha cartilha de jogadas avançadas e garantido por um gênio, eu poderia controlar o tamanho do pote, estabelecer o preço para que os oponentes entrassem ou saíssem da mão, aumentar com precisão para adquirir informações, minimizar o risco de mãos frágeis e disparar apostas certas em todos os momentos oportunos. Mas isso não é, em geral, uma questão de força de vontade? Existe uma enorme diferença, Deus sabe disso, entre reconhecer um blefe e ter a coragem de pagar e detectá-lo. Portanto, eu me perguntei: “Força de vontade é uma habilidade?”

Se for, seria algo bastante útil de se possuir. Eu poderia dominar a mesa com minhas apostas intimidadoras e minhas jogadas matadoras. “Para ganhar no poker”, muitas vezes já se disse, “você não pode ter medo de perder”. Coragem, então. Avalanche de fichas. Isso me colocaria no comando — pelo menos até que alguém aparecesse com uma mão realmente grande. Pois coragem de nada vale sem atenção. E se eu pisasse numa mina terrestre sem perceber? Seria uma mina terrestre de verdade, e ainda por cima explodiria. Dane-se a coragem, então. O que eu realmente preciso é de leitura.



"Não há nada que venha de graça, não há mágica no poker"

Leitura: a habilidade de imaginar a gama de mãos possíveis de seus oponentes, para depois ir diminuindo essa gama à medida que o jogo avança. O dom de tomar a melhor decisão possível baseada nas melhores informações à disposição. Com habilidades mágicas de leitura de mãos, eu poderia sempre saber onde estou pisando. Eu poderia detectar a diferença entre pagar uma aposta com uma mão incompleta e pagar para cair numa armadilha. Mas seria isso suficiente? Afinal, quantas vezes já não vimos alguém colocar fichas no pote dizendo: “Eu sei que você vai ganhar, mas eu preciso pagar para ver”? E eles estavam certos. Eles se ferraram. Mas pagaram mesmo assim. Mesmo que você faça excelentes leituras, eu ainda acho que você precisa ser sensato. Você deve ver as coisas como elas são.

Obviamente, jogadores gastam muito tempo e energia induzindo os oponentes ao erro, para evitar que você perceba as coisas como elas são. Chamamos esse esforço de imagem, e alguma habilidade nessa área lhe garantiria a manipulação da realidade, de modo que seus adversários rotineiramente vissem as coisas como elas não são. Se imagem fosse minha mágica no poker, eu poderia sempre fazer com que eles seguissem o caminho errado, e isso não seria ótimo? Claro... Se eu soubesse sempre qual é o caminho errado.

Isso trouxe meu raciocínio à matemática. Qualquer jogador de poker medianamente talentoso consegue calcular algumas probabilidades, pelo menos aproximadamente. Mas se a matemática realmente morasse na minha cabeça (como ele mora, digamos, na de David Sklanky), eu seria capaz de jogar em todas as situações com o máximo de confiança de que minha jogada era, no mínimo, matematicamente correta. Mas, mais uma vez, a matemática do poker é bastante rotineira — suas chances de acertar um par de ases nunca mudam — então, se eu posso aprender os números e decorá-los, ou absorver algumas regras fundamentais, provavelmente não preciso gastar meu desejo pedindo habilidade matemática.

Então, o que devo pedir? Tantas opções…

O gênio estalou os dedos e me tirou de minha nuvem de pensamentos. “Vamos lá, colega”, disse ele. “O que você vai querer?”




Então, o que devo pedir? Tantas opções…

Droga, eu pensei, sem parar para me perguntar como ele sabia meu nome. Memória, jogadas, coragem, leitura, imagem, matemática... eu não sei o que escolher. E nem cheguei a cogitar psicologia, poder, autoconhecimento, disciplina, paciência... Droga!

Então, eu fiquei escolhendo... escolhendo... escolhendo…

Bem, o que você teria escolhido? Ou tentar escolher apenas uma habilidade no poker seria o referencial de um trouxa? (Tão trouxa, talvez, quanto abrir uma lata abandonada de energético no estacionamento de um clube de poker). Pois que não há nada que venha de graça, não há mágica no poker. Você precisa possuir todas essas habilidades, o tempo inteiro, e constantemente procurar melhorá-las. Como alguém já disse: “Se você não está lentamente melhorando, você está lentamente piorando”.

Em vez de querer desejos concedidos, por que não investir alguma energia na melhoria de seu jogo? Separe-o em todas essas partes que o compõem — e em muitas mais que você consiga conceber. Depois descubra em que você é forte e em que você é fraco. Nas fraquezas, procure se fortalecer. É assim que você aperfeiçoa seu jogo. E então, da próxima vez que um gênio lhe oferecer um desejo, você pode simplesmente agradecer e dizer que não precisa.


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