EDIÇÃO 72 » COLUNA NACIONAL

Duelo de Gigantes


Felipe Mojave

Nesta edição, vocês vão conferir um artigo avançado que trata de uma mão jogada entre dois profissionais no terceiro nível de blinds do Main Event da World Series of Poker 2013.

A mão em questão foi disputada por Paul Volpe, atual número um do ranking Global Poker Index (GPI) – ou seja, o melhor jogador de torneios da atualidade –, e eu.

Paul tem 150 big blinds, e eu, 100. Os blinds estão em 150-300, e ele abre do UTG para 725. Eu dou call no button, com 65, e os blinds dão fold.

O flop vem A55, e ele faz um continuation bet de 800. Eu dou call. O turn é um K. Ele pensa um pouco e pede mesa. Eu aposto 1.300. Ele pensa por um bom tempo e paga. O river traz um 7, deixando o bordo: A55K7. Paul pede mesa rapidamente, e eu aposto 4.000. Ele pergunta quantas fichas eu tenho para trás, e respondo, "cerca de 28.000", e ele então aplica um check-raise para 12.700.

Sei que tenho uma mão bastante forte, mas agora é a hora de analisar todos os detalhes da jogada. Em um primeiro momento, se eu pensar que ele está blefando, a jogada tem os seguintes panoramas para mim:

1. Ele sabe que, em um bordo daquele, em que ele irá aplicar uma continuation bet na maioria das vezes, eu também darei o float tanto quanto.

2. Ele pode querer me fazer dar fold em um Ás que estaria dividindo o pote na maioria das vezes – dois pares com Rei de kicker.

Do ponto de vista nº 1, ele estará blefando muitas vezes, já que o meu range é bastante restrito. Dificilmente, nessa fase do torneio, eu não aplicaria uma 3-bet com A-A, K-K ou A-K do BTN. Portanto, ele acredita que eu nunca tenha uma mão grande, ali, naquele bordo.
Já no segunda caso, ele sabe que mãos como A-Q, A-J e A-10 vão aplicar a value bet no river com frequência, e são justamente essas mãos que se enquadram mais no meu range, e que provavelmente desistirão para o check-raise no river.

Agora, vamos analisar outros pontos:

A) Qual seria o range de valor do meu oponente? A-A, K-K e A-K. Quais dessas mãos ele apostaria o flop? Bem, tanto para A-A e A-K, o bordo é bastante seguro, apesar do flush draw, pois está bem à frente do meu range. Já para o K-K, inclusive por uma questão de extração de valor, normalmente, a melhor linha seria o check no flop.

B) Seguindo o racional da questão A, no turn, será que meu oponente daria check? Bom, salvo a exceção do float, a maioria das mãos com as quais eu dou call por valor no flop, eu também daria call no turn. Então, por que ele daria check e perderia esse potencial de alta extração de fichas? O mesmo raciocínio se aplica ao river. E é justamente por isso que eu tinha em mente que havia mais chances de ele estar em um blefe do que em uma armadilha.

C) Outro ponto importante: se levarmos em conta apenas o seu range de valor, citado no item A, em 33% das vezes eu estarei ganhando, já que a minha trinca Cincos é melhor do que o A-K.

Bem, depois dessa análise, eu tinha mais motivos para dar o call do que o fold. Infelizmente, meu oponente abriu K-K, para um full house no turn, e para levar um pote significativo na fase inicial do torneio.

Por mais estranha que pareça a linha que ele adotou nessa jogada, ela foi extremamente efetiva e me fez pensar que eu estava caminhando para tomar a decisão certa. Inclusive, apostei 4.000 no river para tentar extrair um bom valor, já que normalmente eu apostaria menos. Cheguei a acreditar que essa aposta poderia até fazer com que o meu oponente considerasse que eu estivesse blefando (mais uma razão para que eu não desse fold diante do check-raise). Existem outros fatores que podemos considerar, mas os principais estão descritos.

Mesmo acreditando que, no geral, a linha do meu oponente não será muita efetiva, é preciso dar créditos à sua criatividades – não é por acaso que ele é atualmente o melhor jogador de torneios no mundo. A verdade é que ele desenhou uma jogada especial para um oponente que conhecia.

Para tornar o artigo ainda mais interessante, convidei o meu amigo – e um dos melhores jogadores de poker da América Latina – Ariel Celestino, o "Ariel Bahia", para fazer uma breve análise da jogada.

ANÁLISE DA MÃO POR ARIEL BAHIA

No geral, o fold para o check-raise no river sempre será a melhor opção. Se fossem dois jogadores aleatórios, a resposta certa seria fold. Definitivamente, essa seria a ação mais lucrativa no longo prazo.

Nessa mão específica, a situação é mais complicada por estarmos falando de dois grandes jogadores. O Vilão, Paul Volpe, sabe que o Mojave nunca estará no topo do range, pois o jogo está muito deepstack (mais de 100 BBs), e que o brasileiro sempre aplicaria uma 3-bet no BTN com A-A e K-K.

Aí que entra a grande discussão da mão, na minha opinião: level (metagame) vs. early game (início do torneio).

Você só começa a cogitar o call no raise quando você considera que o Vilão tem a capacidade de blefar bordos com tal textura, sabendo que a nossa mão não é tão forte.

Acredito, sim, que o Volpe poderia blefar esse bordo, mas não nesse cenário. Não acho que ele botaria tantas fichas em um blefe logo no início do torneio. E mesmo que ele fizesse isso, acredito que o hero call terá uma expectativa negativa (-EV) no longo prazo.




NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×