EDIÇÃO 31 » COLUNA NACIONAL

O ganhador, o perdedor e o feio

De Antonius a Hansen, de “durrrr” a Ivey – e algumas considerações sobre o break even


Pedro Nogueira

Nada mais árido, mais humilhante para o jogador de pôquer do que terminar a noite empatado. Ou, como diz aquele jargão, to break even. Nem ganhar, nem perder um real. Essa ociosidade de fichas é uma ofensa ao próprio sujeito, aos sete ou oito parceiros, e até mesmo ao dealer. Quando um jogador se levanta da mesa e anuncia, em tom alto e claro, com o mais completo despudor, “fiquei even”, é uma humilhação unânime. Todos os parceiros sentem-se impotentes, vigaristas, imprestáveis. A mesmíssima sensação tem o dealer; sua tarefa é levantar e derrubar stacks como se estes fossem bastilhas. Se o sujeito está deixando a partida do mesmo jeito que entrou, é porque os confrontos e as batalhas foram fracas, escassas, tímidas.

Um velho conhecido meu, Escobar, o espanhol, dizia com total e deslavada imodéstia: “Nunca terminei uma noite empatado. Nunca!” Falava com seu português ruim, carregado de sotaque catalão. Para ele, o empate era uma derrota ainda pior do que a derrota em si. Pois bem. Certo dia, Escobar me chama de canto. “Preciso te contar um segredo”, diz. Como havia um segredo, sentei-me. Ele acende um cigarro, sem pressa de começar. Dá um trago, bate as cinzas no fundo do cinzeiro e baixa a voz: “Houve três noites neste mês em que fiquei even.” Pigarreia e continua: “Mas todas as vezes, antes de levantar da mesa, guardei um punhado de fichas no bolso e disse que saí perdendo. Admitir o empate, na frente de dez parceiros, do crupiê e da garçonete? Nunca!” Vejam vocês: ele preferia a fama de perdedor à vergonha, à virgindade numérica do break even.

O maior pecado, depois do empate, é a publicação do empate. Portanto, pouparei minha alma enquanto há tempo – entrarei num outro tema. Vitórias e derrotas. Acontece que li, há alguns dias, a lista dos maiores ganhadores e perdedores do pôquer online em 2009. E não posso deixar de registrar o espanto que tive ao vê-la. Falei em “espanto” e já retifico: foi apenas um meio espanto. O leitor, sempre atento aos detalhes, há de indagar: “Mas existe espanto pela metade?” Digo que sim – e explico. A lista dos perdedores era surpreendente, inconcebível, quase caluniosa. Já a dos ganhadores, tão evidente e inquestionável quanto um forehand do Federer. Logo, eis aí um meio espanto.

Falei nos óbvios ganhadores e dou-lhes nome: Patrick Antonius (faturou $8,9 milhões na internet em 2009) e Phil Ivey ($6,2 mi). Coincidência ou não, os dois compartilham da mesma característica vital: a frieza no olhar. Basta assistir a um episódio do High Stakes Poker ou do Poker After Dark para notar a força, a ferocidade que cada um carrega nos olhos. É um curioso paradoxo: as expressões faciais de Ivey e de Antonius não dão pista alguma sobre as cartas que eles carregam. Mas, ao mesmo tempo, não deixam dúvida sobre o caráter deles: são dois chacais. Chacais que respiram, comem e bebem ficha. Se forem privados do prazer desses pequenos artefatos plásticos, hão de morrer. Para sobreviver, então, caçam os adversários na mesa com um élan, um furor, uma destreza sobrenatural.

E conto, agora, o motivo do meu espanto. Quando segui adiante na reportagem, cheguei à lista dos maiores perdedores do ano passado. Fiquei em choque com o primeiro nome: Gus Hansen, com $5,5 mi negativos. Logo atrás dele, outro titã: Tom “durrrr” Dwan, no prejuízo de $4,3 mi. Pois sim. Não foi algum oligarca russo que fez a felicidade dos parceiros do pôquer online em 2009; tampouco Guy Laliberté, o excêntrico dono do Cirque du Soleil, que trata as fichas de $10,000 como a balas de goma. Mas dois talentos, dois formidáveis, Hansen e Dwan. Foram quase assassinados nas sessões de nosebleed stakes do Full Tilt. (Sim, nosebleed stakes, os “cacifes que sangram o nariz”, aquelas mesas em se perde ou ganha milhões de dólares.) O grande homem é aquele que busca a vitória sem temer a derrota; um Alexandre Magno que empunha a espada e cavalga ferozmente para o front, preparado para conquistar um continente ou morrer tentando; um Danton que grita, no auge da Revolução Francesa, “Audácia, audácia e audácia”. Não há dúvida de que Dwan e Hansen são dois gigantes. Mas convenhamos: depois da temporada passada, a idéia do break even não deve soar tão ruim para eles.




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