EDIÇÃO 19 » COLUNA NACIONAL

Darwin tinha razão...

Adaptando-se às condições do torneio


Leo Bello

Quando planejei o artigo deste mês, eu tinha preparado um tema diferente. Mas de repente, enquanto escrevia, cheguei na mesa final do Brazilian Daily, torneio de $50+4 do BestPoker. Como joguei até o final, acabei fazendo anotações durante o torneio, e achei que seriam mais importantes e até mesmo interessantes para discutirmos aqui.

Eu tenho me dedicado a jogar cash games online. Estou passando por uma transição, aprendendo a jogar 5-max (cinco jogadores no máximo) em oposição ao full ring (10 jogadores), que eu sempre pratiquei. Muitas perguntas têm rondado minha cabeça nesse período, pois tenho sessões excelentes seguidas de outras desastrosas. E a intenção era falar sobre essas adaptações. Vou guardar isso para uma próxima coluna, quem sabe até com dados mais concretos.

Entrei nesse torneio numa noite em que a sessão de cash não foi boa. Algumas vantagens em jogar o Brazilian Daily saltam aos olhos. Em primeiro lugar, o field é bem fraco, e normalmente não há mais de 200 inscritos (nesse dia foram 170). Costuma pagar 20 jogadores, o que dá mais de 10% in the money. Além disso, os blinds sobem bem lentamente.

Minha maior dificuldade está justamente no início do torneio, pois, com apenas 1.500 fichas, não há como jogar muitas mãos pré-flop sem compromete seu stack. E isso é um conceito importante – muitas pessoas hoje em dia gostam de adotar o famoso small ball.

O conceito que todos têm na cabeça é que, para jogar desse jeito, você precisa entrar em vários potes sem pagar muito pré-flop, tentando ganhar potes pequenos. Daniel Negreanu cunhou o termo e explica bem a estratégia no seu livro Power Hold´em. Porém, um pequeno detalhe passa despercebido pela maioria dos jogadores: para o small ball funcionar, uma exigência é que o seu stack inicial em relação aos blinds lhe deixe em uma situação “deep”.

Com 1.500 fichas e blinds 10-20, depois 15-30, você começa com 75 big blinds e depois cai logo para 50BB. Ou seja, não está deep o suficiente para ver vários flops.

Exemplificando em números: você tem 1.500 com blinds 15-30, um jogador aumenta para 100. Se você pagar, está colocando 1/15 do seu stack no meio.  Se o flop não lhe ajudar, sobrarão uns 1.400. Noutra mão, você paga mais um raise e os blinds da rodada. De repente, já está com 1.255 apenas (redução de 1/6 do seu stack inicial). Mais um passagem de blinds e 20% do seu stack inicial já foi embora. Em um torneio cujo stack inicial é de 3.000 em fichas, demora-se mais para chegar neste ponto. Joga-se o primeiro nível com 150BB e o segundo com cerca de 100BB – bem melhor para o small ball.

E no início do torneio, nem mesmo mãos premium são tão boas assim, a não ser que você consiga ir all-in com elas ainda pré-flop. Foi o que aconteceu comigo. Recebi 99 e depois um AK, e após jogar apenas estas duas mãos já tinha caído para 1100 fichas. O que fiz daí em diante foi me segurar um pouco. Passado uns 15 minutos, um short stack com 450 fichas veio all-in contra meu AQs. Resolvi pagar e acabei pulando para cerca de 1.800 fichas.

Reparem bem, apesar de AQ ser uma mão sólida, nos blinds 25-50, 450 fichas é um raise de 9BB, e representa mais de 1/3 do meu stack. Ou seja, dar call é matematicamente incorreto. Porém, como o field é bem fraco e eu estava consciente das minhas intenções com ao pagar, fiz isso e eliminei o oponente.
Perceba que arrisquei um terço do meu stack e praticamente não sai do lugar em relação ao stack inicial. E já haviam se passado três níveis de blinds!

Por outro lado – e poucos percebem isso – a média do torneio não subiu tanto. É possível arriscar ficar um pouco mais de tempo esperando boas oportunidades. Quando entrar em um torneio com esta estrutura, você tem que definir seu jogo da seguinte maneira: quando entrar em uma mão, faça isso pensando em colocar todas as fichas no meio. Portanto, o small ball não funciona muito aqui.

Mas como eu disse, a chave para ir longe nesses torneios do BestPoker é ter paciência. Passei pelo primeiro break com os mesmos 1.500 que comecei. A média devia ser de mais ou menos 2.000. Passei pelo segundo break sem ter mudado muito minha situação,  mas com cerca de 2.300 fichas.

Bem, no retorno do segundo break, com blinds 100-200, comecei a me preocupar. Apesar de ainda haver três jogadores com stacks menores que o meu na minha mesa, e de o maior não ter mais que 8K, eu já me sentia mais pressionado. Novamente, não tinha muito espaço para jogar small Ball, já que qualquer limp levaria 10% do meu stack, e qualquer raise, de 25% a 30%. Assim, fiquei na espera de uma oportunidade. E eis que o button deu um raise para 777 quando eu tinha KK. Voltei all-in e ele abriu 77 (justificando de forma estranha o valor do seu raise de quase 4 big blinds). O bordo me ajudou a dobrar e ainda trinquei meu K, embora três cartas de copas me tenham feito torcer para que o river não viesse desse naipe, caso em que eu perderia para um flush. Com cerca de 5K, agora eu já estava entre os 20 primeiros do torneio, restando ainda uns 100 jogadores. Percebem como a paciência é importante? Em uma única mão, saí de short-stack para uma das primeiras colocações.

A paciência continuava sendo o fator mais importante. Fiquei tranquilo por mais um tempo, roubando blinds para me manter, até que veio outra mão chave. Com TT, eu apenas completei no small blind. O flop veio 7-8-3. Dou bet e o adversário call. O turn é um J. Eu aposto de novo e o big blind novamente paga. No river vem um 9 e eu acerto uma sequência. Aposto de novo, colocando meu adversário em all-in. Ele dá call e mostra A7. Isso serve para ilustrar como o field era fraco. Com sequência aberta na mesa, ele pagou com o quarto par! E o pior, queimou um stack de 4K que, nessa hora, como acabei de falar, ainda era bastante.

Com 9K em fichas eu já estava entre os 10 primeiros, com blinds 150-300. Neste ponto, tenho que abrir a segunda discussão técnica relevante neste artigo: a ausência de antes. Vocês já repararam o quanto os antes mudam a dinâmica de um jogo? Na rede ongame, por enquanto (até o novo software sair em maio), os torneios não têm antes. Essa pequena diferença pode ser benéfica sob um ponto de vista, mas bastante prejudicial para os jogadores mais agressivos. Isso ocorre porque os jogadores tight podem esperar e dar fold, vez que cada rodada custa bem menos para o seu stack. Por outro lado, roubar o pote deixa de ser tão atrativo, já que você acaba arriscando muitas fichas para receber apenas o small blind e big blind.

Dois ajustes são necessários aqui. Primeiro, se os blinds não são tão interessantes de se roubar, o re-steal passa a ser mais importante. Em todo caso, cuidado! Pois, como eu disse, muitos jogadores vão estar short-stacked: escolha bem a hora pra fazer um 3-bet, de modo a dar espaço para o fold do adversário, ou então, tenha uma mão com bom valor para ir até o showdown.

O segundo ajuste é em relação ao tamanho da sua aposta ao abrir raise. Quase nunca ela deve ser de 3BB. Com blinds em 150-300, eu abria normalmente para um número quebrado, próximo de 720 (menos de duas vezes e meia o BB). Esse raise é suficiente para gerar fold dos adversários. Como todos estão se sentindo meio short-stacked, a essa altura a maioria já decide entra no modo “fold ou reraise all-in”. Aumentando menos, você se coloca em uma excelente posição:

- pode levar os blinds direto
- pode receber call de um jogador e, com posição, jogar pós-flop usando sua habilidade
- pode largar a mão perdendo pouco se receber um reraise all-in que você não queira pagar.

Dessa forma fui seguindo, e logo cheguei a 15K fichas, quando já restavam apenas 40 jogadores. Desse ponto em diante o torneio fica bem lento. Pois, como falei, os blinds sobem devagar e as pessoas se seguram. Até a bolha, já estávamos passando do terceiro intervalo. Próximo da bolha, aproveite para roubar bem os blinds, levando em conta tudo que expus acima. Mantenha seu raise baixo e não fique pagando muitos reraises, a não ser que sua mão seja realmente forte.

Eliminei dois jogadores perto da bolha, um deles de uma maneira meio cruel. Eu tinha AJ no BB. O UTG deu limp de 400. O SB completou, e eu optei por dar check para jogar pós-flop. O flop veio 2-5-6 com duas de ouros. Eu tinha o nut flush draw e duas overcards. O primeiro jogador deu check, e eu apostei uns 800. O UTG largou, e o SB voltou all-in de 4.5K. Estávamos em 22 jogadores quase na bolha. Eu tinha 15K. Por todas as razões do mundo, esse é um call muito fácil. Paguei, e ele abriu 34: fez sequência no flop e tinha straight flush draw. No turn, nada; no river, um K de ouros. Eu o eliminei. Triste para ele, ótimo pra mim, que fique com quase 21K, na bolha, em 4º lugar no torneio.

Nessa altura, vale a pena comentar de um jogador que estava simplesmente destruindo na mesa. Toda mão em que entrava de all-in, levava. Bem, ele era o chip líder e no momento da bolha eliminou uns seis jogadores entre o 30º e 20º. Subiu para cerca de 90K em fichas, enquanto o segundo colocado tinha 30K, comigo em 4º lugar com 21K. Parecia que nada tiraria o título dele.

Um ponto importante a lembrar é que ele não pode continuar recebendo cartas boas e eliminando tanta gente indefinidamente. Fiz um note lembrando que essa sequência de cartas boas ia acabar logo. Uma pena que só o reencontrei na mesa final.

Quando a bolha estourou, fomos para mesas diferentes. Nessa, eu era o segundo stack, e o segundo colocado no torneio, que tinha uns 10K a mais do que eu, estava à minha esquerda, dificultando meu roubo de blinds. Mantive minha forma segura, consegui ver alguns flops e levei umas mãos sem me arriscar muito – subi para uns 28K.

Os jogadores foram caindo e eu tive o prazer de eliminar o bolha da mesa final, entrando em 3º lugar com cerca de 36k em fichas. Na bolha, eu paguei um all-in de KJ com 55. Nada ajudou o adversário e começava a mesa final.

Logo no início, o jogador que eu afirmei ser o chip líder começou a queimar seu stack, agora em 110K. Na primeira mão, com blinds 400-800, ele subiu para 2K e o big blind voltou all-in de 8K. Ele pagou com 4-7 off e dobrou o short (nessa mão deu pra ver o quanto ele ia vomitar).

Algumas mãos depois ele subiu com KQ e encontrou um KK pela frente. O flop trouxe o quarto K, terminou em all-in, e agora ele só tinha 60K dos 110K que havia trazido para a final table.
Nesse meio tempo, mais três jogadores forma eliminados e estávamos em 7. Na mesa final eu estava mais ativo, roubando blinds. Tomei umas três voltas all-in que tive de largar – em todas eu tinha mãos fracas. O ex-chip líder, agora em segundo lugar, continuava subindo bastante, e os blinds já estavam em 800-1600. Ele sempre fazia tudo 4.500. Em uma dessas vezes, eu tinha 99 e 32K no meu stack. Ele subiu pra 4.500 novamente, e eu, tendo visto as feiuras que ele fazia e o número enorme de mãos que ele aumentava, empurrei 12K. Ele voltou all-in. Nessa hora decidi que iria para o tudo ou nada, mesmo que estivesse num coin flip. Coloquei-o num range muito grande, já que o vi fazer isso com várias mãos fracas. Me dei mal ao pagar, pois ele tinha JJ.

O primeiro suckout da noite veio na hora certa: acertei um 9 no flop. Pronto, eu tinha 65K, estava em segundo no torneio e quebrei o baralhão deixando o sujeito com cerca de 30K. Não larguei mais essa segunda posição e, jogando bem, consegui chegar a 80K quando eliminei o 6º colocado. Então, perdi um coin flip quando tentei tirar o jogador que estava short. Eu recebi 5-5, ele tinha KT. Flop K-4-3. No turn veio um 2 que me deu um straight draw, mas no river bateu um valete.

Logo depois esse jogador caiu diante do novo chip líder. Não havia falado dele ainda. Nesse momento, ele tinha cerca de 110K, e eu uns 65K de novo. A maior parte das suas fichas veio da mão em que ele quebrou o ex-chip líder. Mas, fora isso, ele estava agora nitidamente sendo o jogador que recebia as boas cartas. E eliminou boa parte da FT.

A última parte estratégica importante vem exatamente agora, no final. Com quatro jogadores restantes, sendo dois com metade das fichas que eu tinha, devia forçar para cima deles e evitar o chip líder. Porém, era ele que estava à minha esquerda e pagava todos os meus raises.
Nessa hora, não consigo jogar sem agressividade e ficar esperando, dando fold. Se alguém aqui pensar que quer chegar em segundo ou terceiro para ter um prêmio melhor que o do quarto, é só ficar sentado sobre as fichas. Com blinds em 1K-2K, e dois jogadores com menos de 35K, meu stack de 65K parece deixar tudo mais fácil no sentido de esperar para jogar contra eles.

Mas não foi o que aconteceu. Envolvi-me em uns cinco potes contra o chip líder, e tudo estava indo bem até acontecer a mão infeliz que acabou me quebrando. Eu tinha JJ no button e aumentei. Ele deu call, o BB correu.

O flop veio T-8-5 com duas de ouros. Ele pediu mesa. Eu dei bet, ele call. No turn, outra carta de ouros. Ele aposta, eu dou raise querendo ver se ele tem o flush. Ele pensa muito e paga. No river, outro 8. Nesse momento eu ainda tinha 38K, quando cometi o erro crucial do torneio. Paguei a aposta pelo valor que ele fez no river. Ele tinha A8 e trincou na última carta, me deixando com cerca de 25K. Poderia ter dado fold e ficado com 38K, permanecendo em segundo no torneio (embora tivesse perdido quase metade do meu stack). Meu call foi errado. E envolver-se com o líder tem desses riscos. Acabei caindo minutos depois, numa disputa de JQ contra JT. Flop J-T-3...

Logo depois o líder eliminou os outros dois jogadores, e em menos de 10 minutos o torneio estava encerrado. Embora eu pudesse ter jogado bem melhor as últimas mãos, fiquei contente com o resultado. Em termos de técnica, disputar um torneio com este formato no Bestpoker é bem diferente de um com antes e stacks iniciais mais deep. Porém, a facilidade do field e o número reduzido de jogadores, combinado com um prêmio garantido, fazem desse torneio uma boa pedida para adicionar ao cardápio de vocês. No final da história, a mensagem mais importante é: Adapte-se às condições do torneio se quiser ser vencedor.




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