EDIÇÃO 99 » COLUNA NACIONAL

O que você está sentindo?

O que acontece com o nosso organismo quando “damos um tell”?

Dr. Fabiano Gênova

Roupas escuras, boné que cobre todo o rosto, jaqueta com mangas compridas, touca e os tradicionais óculos escuros. Esse é o estereótipo de um típico jogador que joga ao vivo. Figurinhas como essas não são difíceis de serem encontradas nos grandes torneios e nos clubes de poker espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Pessoas que não estão acostumadas com o mundo do poker — ou até mesmo jogadores iniciantes — podem estranhar a presença desses figurões. Muitos acham que tudo não passa de estratégia para intimidar o adversário, marketing pessoal ou até mesmo algum tipo de “frescura”. Mas a verdade é que eles estão preocupados com o tell.

Tell é uma palavra proveniente do inglês que, no poker, é usada para descrever um sinal, um gesto ou uma ação involuntária que determinado jogador deixou transparecer durante uma mão ou jogada. Isso permite que o jogador adversário tenha uma ideia se o jogador está segurando uma mão forte ou fraca.

Sudorese fria, aumento dos batimentos cardíacos, dilatação das pupilas, inquietação, palidez, tremores finos e aumento da frequência respiratória são exemplos mais comuns de tells. Alguns jogadores mais experientes afirmam conseguir detectar a presença de batimentos na asa do nariz do adversário ou até mesmo notar o aumento da temperatura corporal do jogador da posição ao lado. Espantoso, certo? Parece coisa de filme.

Mas o que realmente acontece com o nosso organismo quando “damos um tell”?

Imagine você numa mesa final de um grande torneio com uma boa premiação. Você está no botão e recebe par de Ases. A primeira sensação é empolgação, uma felicidade ímpar. O aumento da adrenalina é logo sentido e os sintomas causados por este rápido aumento se transformam em sinais, os tells.

A adrenalina é um hormônio presente no nosso organismo e é produzida pelas glândulas suprarrenais, que recebem este nome por estarem localizadas acima de nossos rins. Situações de estresse, medo, um susto, ansiedade, perigo ou tensão faz com que o tálamo, região do cérebro que controla o nosso sistema nervoso autônomo, envie um sinal para as suprarrenais. Ocorre então a liberação de uma quantidade aumentada de adrenalina no nosso corpo, o que resulta na apresentação de sinais indesejados em uma mesa de poker.

Percebeu o porquê dos óculos escuros e da jaqueta com capuz e manga comprida? Não há como escapar desse aumento adrenérgico do nosso organismo. É natural. Apenas conseguimos esconder alguns sinais desse fenômeno fisiológico ou até mesmo mascarar os efeitos dele para que o vilão não se aproveite dessa informação.

Mas é possível, sim, atenuar tais reações. Em momentos de tensão, siga estas dicas:

- Reconheça os sintomas que seu corpo apresenta no momento da descarga de adrenalina. Não se assuste para que não ocorra piora do quadro e não haja a perda da concentração durante a jogada.

- Preste atenção na sua frequência respiratória e tente controlá-la. Inspirar e expirar profundamente pode amenizar os sintomas, mas lembre-se de não fazer muito barulho para não despertar a atenção do seu adversário às suas atitudes.

- As massagens durante os torneios podem ser grandes aliadas. A redução dos níveis dos hormônios cortisol e vasopressina, obtidas durante o relaxamento, podem contribuir para o não aparecimento dos sintomas de estresse e tensão durante as jogadas.

- Alimente-se adequadamente. Se você perceber que as descargas de adrenalina estão se tornando muito frequentes, evite alimentos estimulantes como a cafeína e o chocolate.

- Não realize ações instantâneas na mesa. A adrenalina faz com que tenhamos tendência a respostas imediatas a determinados estímulos.

Boa sorte nas mesas.

Dr. Fabiano Gênova (CRM-SP 129.224) é médico formado pela Universidade de Marília, Clínico Geral com área de atuação em Medicina Intensiva e Reumatologia. Joga poker há três anos.
Twitter: @DrFabianoGenova