EDIÇÃO 92 » ESPECIAIS

Mohsin Charania: Quem quer ser um milionário?


Craig Trapscott
Se digitar no Google “Mohsin Charania”, você verá que ele é um indo-paquistanês por descendência, um fenômeno do poker e também um multimilionário. Em 2012, ele embolsou US$ 1,7 milhão ao vencer o European Poker Tour Grand Final. Duas vezes campeão do World Poker Tour, Charania já soma cerca de US$ 10 milhões em ganhos no poker. Mas ao contrário de Jamal Malik Othman (Dev Patel), protagonista do filme “Quem quer ser um milionário”, ele não ficou rico da noite para o dia.

Receita do sucesso: humildade e uma mãe amorosa
 
A verdade é que Charania cresceu em uma vizinhança inóspita. Em Chicago, no Estados Unidos, ele frequentou uma escola em que tinha que passar por detectores de metal em cada entrada. Caso fosse com um par de tênis novos para a aula, era bem capaz de voltar descalço para casa. Ir de bicicleta? Nem pensar. Então, ele andava todos os dias até lá. Mais tarde, sua mãe, Amirbano, conseguiu levar a família para o tradicional subúrbio norte-americano, que oferecia um ambiente mais seguro e melhores oportunidades de educação para seus três filhos.
 
Charania era uma das crianças mais inteligentes da sua antiga classe, mas descobriu rapidamente que a educação pública que recebera era precária. Ele estava muito atrás dos alunos de sua escola atual. Mas com o apoio de sua mãe, ele teve êxito onde muitos falham. “Eu sempre senti o fardo de me sobressair na escolar”, conta Charania. “Minha mãe estava em dois empregos para que eu pudesse ter uma educação decente. Eu sentia que se tirasse notas ruins, eu a desapontaria. Então, eu estudava muito”.
 
O esforço valeu a pena. Ele não só alcançou a turma, como conseguiu uma bolsa integral na Universidade de Illinois para Finanças e Economia.
 
E aí vem o poker
 
A faculdade foi tranquila para Charania. Sua mente afiada e seu trabalho duro fez com que ele conseguisse créditos o bastante para se formar ao final do terceiro ano de estudos. Um trabalho na maior empresa prestadora de serviços financeiros do mundo, a JP Morgan, aguardava por ele. Mas acabou decidindo ficar mais um tempo no campus. Ele ainda não estava preparado para a rotina de 9 às 17 do mundo real. O sonho da sua mãe seria adiado.
 
Até que em um certo dia, aquele simples momento que muda o destino das pessoas. Charania foi convidado para um home game de amigos perto da faculdade. A complexidade e as infinitas possibilidades do jogo desafiaram a mente aguçada do garoto. Tudo mudou desde então. 
 
Flashforward para o Main Event da WSOP 2014
 
A mesa final do Main Event da World Series of Poker 2014 foi uma das melhores da história. Mas o que isso tem a ver com Charania? Tudo. Ele foi uma das peças da engrenagem construída para levar seu grande amigo Martin Jacobson ao título e ao prêmio de US$ 10.000.000. 
 
Ele fazia parte do time de superestrelas que, focados nos jogadores e em seus respectivos stacks, simulou todas as situações em que Jacobson poderia se envolver naquela mesa final. Além dele, o grupo escolhido a dedo era composto por: Faraz Jaka, Jason Koon, Anton Wigg, Ankush Mandavia, Mark Radoja, JC Alvarado, Dan Smith, Max Greenwood, Timothy Adams, Sam Chartier e Marvin Rettenmaier.
 
Todos os dias eles tinham reuniões online para discutir estratégias. “Jogar por US$ 10 milhões é uma oportunidade única na vida”, diz Charania. “Eu fiquei confuso por que alguns jogadores não se preparam para aquela mesa final. Nós simulávamos infinitas situações diariamente. Sempre que surgia alguma dúvida, discutíamos todas soluções em grupo”. 
 
O treinamento em grupo levou Charania de jogador de “Classe Mundial” para um nível além da estratosfera. E estar lá, pessoalmente, para ver a vitória de Jacobson foi o melhor momento da sua carreira, melhor até que suas vitórias no WPT e EPT: “Estar no November Nine e assistir Martin vencendo foi incrível. Era como se eu estivesse ali. É algo inacreditável o nível que o meu poker chegou treinando por três meses com aqueles caras”. 
 
Craig Tapscott: Em que áreas você sentiu que seu jogo evoluiu?
 
Mohsin Charania: Eu fiquei muito melhor em situações de ICM (Independent Chip Model) no poker ao vivo, o que é o cerne de grande parte do Main Event da WSOP. E eu comecei ficar mais atento a todo o ambiente que cerca uma mesa final.
 
CT: O que você quer dizer com “situações de ICM no poker ao vivo”? Isso lhe ajudou quando você venceu o WPT Five Diamond no ano passado?
 
MC: Eu aprendi mais sobre como explorar as outras pessoas e suas necessidades em relação aos saltos de premiação (pay jumps). No passado, eu estava mais preocupado em ajustar meu jogo ao ICM. Deixe eu lhe dar um exemplo real. Eu joguei essa mão contra um cara quando estávamos em 13 no WPT. A premiação para o 12ª era de US$ 20.000 a mais, e eu vi meu oponente olhando para o telão a todo momento durante uma mão. Eu sabia que ele tinha uma boa mão, mas que não estava disposto a colocar todas as suas fichas em jogo com ela. Bem, no final, eu joguei uma mão de maneira muito estranha e fiz com que ele largasse o maior par.
 
CT: Em que outras situações o ICM é aplicável? 
 
MC: Houve situações em que eu dei fold, mas que poderia ir all-in e justificar minha ação pelo ICM. Era mais sobre ter o conhecimento de que as outras pessoas não sabiam me explorar. O salto de premiação do 9º para o 8º era tão grande que eu poderia empurrar all-in contra vários e oponentes, sabendo que eles só me pagariam com o nuts ou com uma mão extremamente boa.
 
Geralmente, você pensa que é ICM é sobre a necessidade de desistir de sua mão por causa das grandes mudanças de premiação quando há um jogador muito short. Sei que se existem jogadores prestando atenção no ICM, e eu posso explorá-los. Em certo momento, eu fui de 700.000 para 4.000.000 de fichas com apenas um showdown.
 
CT: Alguma outra experiência interessante desse treinamento? 
 
MC: Bom, uma coisa ficou na minha cabeça: sempre há uma outra mão. Com isso em mente, aprendi a ir mais devagar em algumas situações. Muitas vezes, cometi erros infantis por querer ganhar mão a todo custo. Às vezes, o melhor jeito de vencer uma mão é desistindo da mesma e partindo para a próxima.
 
CT: Ainda sobre a WSOP. Muitas pessoas não sabem que os profissionais trocam porcentagens dos seus ganhos para reduzir a variância de torneios. Em 2014, você acertou o jackpot tendo Martin Jacobson entre as suas trocas...
 
MC: Eu tinha trocado com cinco jogadores: Shannon Shorr, Faraz Jaka, Marvin Rettenmaier, Chris Moorman e Martin Jacobson. Isso reduz a variância, sim, mas mesmo que eu não ganhe nada com a vitória de um amigo, fico feliz quando ele tem grandes vitórias.
 
CT: Ver seu amigo vencer o Main Event lhe deixou ávido por conquistar um bracelete? 
 
MC: Definitivamente. Mas eu não costumo ir bem em Las Vegas porque os torneios não são tão deeps. Vanessa Selbst já disse que nesses eventos você tem que blefar muito mais porque os blinds aumentam rapidamente. Então, estou aprendendo a mudar minha estratégia de acordo com os níveis e stacks da WSOP. Eu preciso de um bracelete para completar a tríplice coroa (WPT, EPT e WSOP).
 
Flashback para o poker online depois da faculdade
 
Depois de formar-se em 2007, Charania trabalhou para a gigante JP Morgan por apenas duas semanas. Jogar poker online e nos cassinos locais era muito mais lucrativo e divertido. 
 
Charania mergulhou totalmente no mundo do poker para aprender sobre as estratégias do jogo. Por volta de 2008, prêmios de cinco e seis dígitos começaram a aparecer. Charania era uma potencial estrela do poker mundial, mas a família ainda olhava com desconfiança para sua vocação, inclusive sua mãe.
 
CT: Quando sua mãe descobriu que você estava jogando poker para viver? 
 
MC: Foi em 2008. Eu estava na ESPN, jogando o Main Event da WSOP Europa. Alguns amigos da família procuraram no Google e ficaram sabendo sobre meu sucesso online. Minha mãe me viu na TV e me perguntou por que eu não estava trabalhando ou na faculdade. Disse a ela que estava muito bem com o poker e mostrei meu imposto de renda. Ela então aceitou. Minha mãe sabia que alguém que tirava um A atrás do outro na escola não iria jogar a vida fora em algo obscuro. Ela sabia que tinha um filho esperto.
 
CT: Com todo seu sucesso, você ajudou sua mãe financeiramente?
 
MC: Claro. Eu a obriguei a se aposentar. Depois de trabalhar em dois empregos por anos, sou eu que a sustento. Comprei um carro para ela e terminei de pagar a casa. Meu objetivo sempre foi ganhar bastante dinheiro para que ela nunca mais precisasse trabalhar. Estou feliz que consegui isso.
 
 
Evolução graças à variância
 
Depois de um 2008 fantástico, a variância acertou em cheio a cabeça e o bankroll de Charania. Parecia não importar como ele jogasse a mão ou o que ele fizesse. No final, ele era destruído. Nada funcionava. Ele voltou aos estudos e foi atrás de jogadores respeitados para melhorar o seu jogo. 
 
Até aquele ponto, ele era autodidata. Charania nunca havia assistido vídeos, lido livros ou assistido poker na TV. Para parar de sangrar, ele foi atrás de jogadores que conheceu online e dos amigos do home game onde tudo começou.
 
Aqueles caras do jogo barato do colégio haviam se tornado grandes regulares do poker, entre os nomes, futuros campeões do WPT: Ravi Raghavan, Andy Seth e, aquele se tornaria seu melhor amigo e Jogador do Ano da temporada 2009-2010 do WPT, Faraz Jaka.
 
“Quando comecei a viajar com Mohsin, em 2011, ele tinha muitas vitórias online”, conta Jaka. “Ele tinha experiência ao vivo, mas ainda faltava um grande resultado. Hoje, a grande diferença para o Mohsin do passado é que ele aprendeu a focar nas coisas boas da vida e do poker, e deixou de lado as coisas que não estão no controle do ser humano. Ele cresceu muito fora das mesas e criou um estilo de vida equilibrado. Essa nova mentalidade segue impactando, positivamente, seu jogo e sua vida”.
 
CT: Vamos falar dos tempos difíceis que você enfrentou e como foi sua evolução.
 
MC: Eu fui pedir ajuda aos melhores jogadores do online quando estava sendo massacrado. Quando você vai melhorando lentamente, às vezes, não vê os resultados e isso irrita. Então, você começa a falhar em pontos que já havia corrigido antes. No poker, isso pode lhe matar. Eu finalmente comecei a entender que tudo era questão variância.
 
CT: Então, pela primeira vez, você percebeu que teve uma maré muito boa anteriormente, certo?
MC: Sim. Assim que comecei a perder, reclamava que estava tendo azar, mas eu não percebia como tudo estava dando certo antes. A verdade é que meu poker não estava evoluindo. Comecei a me odiar. Não por estar perdendo, mas por estar reclamando demais.
 
Meu bom amigo Faraz foi fundamental para minha ressureição como pessoa e jogador. Eu nunca podia contar sobre uma bad beat para ele. Ele nunca ouvia. Faraz era um cara extremamente para cima. Isso começou a me afetar. Se eu caísse de um evento, eu não mais ficava falando de poker, poker e poker. Agora, eu podia ir tranquilamente ir jantar com a Sasha, minha namorada, e ficar numa boa. Ela também foi muito importante para eu encontrar meu equilíbrio.
 
Há cinco anos, se você soubesse o básico do poker, era possível ganhar muito dinheiro. Hoje, ou você é um jogador de elite ou um jogador que não perde nem ganha ou um quebrado. É um jogo completamente diferente.
 
A verdade sobre o status de multimilionário de Mohsin Charania
 
Como Jamal, Charania cresceu em uma vizinhança assustadora e com pouco dinheiro. Para Jamal, a saída para ganhar um milhão de dólares foi uma espécie de “Show do Milhão”, para Charania, boa educação. Jamal fez tudo pelo amor de uma garota e liberdade. Charania, pelo amor de sua mãe e por uma vida melhor. 
 
Milionários nascem com frequência em EPTs, WSOPs e WPTs, mas o público geralmente não sabe a verdade por trás dos verdadeiros ganhos de um profissional. A internet não é uma ferramenta tão precisa para se pesquisar isso. Ao contrário de muitos, Sharania decidiu jogar um pouco de luz em um assunto ainda cercado de trevas.
 
CT: Você ganhou muito dinheiro quando ainda era bastante jovem, Como isso afetou você?
 
MC: Realmente fui afetado, positivamente e negativamente. Eu tinha 23 anos. Não importa o quanto você é inteligente, você vai gastar o dinheiro. Paguei muito em impostos, já que não sabia fazer as declarações corretamente. Eu também ajudava minha mãe e sempre achava que o dinheiro não pararia de entrar — o que não é verdade.
 
CT: É verdade que você perdeu muito dinheiro colocando bons jogadores para jogar por você?
MC: Eu comecei a “cavalar” muitos jogadores. Isso é uma perdição para qualquer regular do online. Realmente, perdi muito dinheiro.
 
CT: Então quer dizer que você não tem US$ 8 milhões na sua conta? Eu pensei que você pagaria o jantar esta noite.
MC: (Risos) Há um estranho erro de interpretação em quanto os jogadores de poker ganham. Se você for no site da Card Player vai ver que ganhei perto de US$ 1,8 milhão em 2013. Mas a verdade é que há impostos, buy-ins, porcentagens que troquei, despesas de viagens etc. 
 
Isso sem contar que em torneios com buy-in muito elevado, os high rollers, geralmente, o jogador leva apenas entre 5% e 10% do prêmio. Ou seja, há um mal-entendido quando se diz que tal jogador tem US$ 17 milhões em ganhos.
 
CT: Algum conselho para quem está lendo esta entrevista?
 
MC: Poker é um jogo de habilidade, mas ganhar apenas um torneio é pura sorte. Você tem que ser esperto para lidar com isso. Isso inclui paciência, preparo mental e físico. Sempre apostarei no cara que é inteligente e tem vontade de aprender. Apenas possuir talento não lhe levará a lugar algum. Os jogadores que vencem constantemente são aqueles que trabalham muito duro e vão além da habilidade crua. Essa é provavelmente a causa de eu ter ganhado muito dinheiro no início, mas ter começado a perder depois. Se eu não tivesse percebido isso, eu não seria o que sou hoje.
 
CT: Um multimilionário com iates, mansões e um exército de empregados?
 
MC: (Risos) Exatamente.
 
OS TÍTULOS DE MOHSIN CHARANIA
BUY-IN (USD) TORNEIO PRÊMIO (USD)
$11.555 EPT Grand Final, Monte Carlo $1.782.343
$10.400 WPT Five Diamond, Las Vegas $1.177.890
$8.065 WPT Grand Prix De Paris $449.856



NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×