No filme “O Império Contra-Ataca” (o segundo da famosa trilogia que todo mundo já viu), o Capitão Han Solo, interpretado por Harrison Ford, refere-se a um antigo amigo como um “gambler”, de forma bastante pejorativa. Logo em seguida, descobre-se que esse personagem, misto de “malandro e otário”, havia perdido sua nave espacial em um jogo apostado.
Não adianta tentar negar. É exatamente com essa imagem que quase todos que não lidam com o poker o enxergam quando você fala que joga: um malandro ou um otário, que deve usar muito esse “negócio aí” de blefe.
Claro que o advento das transmissões de poker pela TV tem ajudado bastante a começar a reverter essa “falta coletiva de conhecimento”. No Brasil e no mundo, a televisão foi a grande responsável pela explosão do poker – e quando algo está na mídia, seu crescimento é inevitável. Considero ultra-positivo para a imagem do poker a transmissão de torneios com várias “figuraças” posando de “pop stars”. O detalhe é que o público leigo, ou melhor, a mídia leiga, não sabe que isso tudo já está acontecendo no Brasil.
Quando dizemos que jogamos poker a alguém que não entende (e/ou não se interessa) pelo assunto, essa pessoa logo imagina um porão clandestino esfumaçado ou algo do gênero: mal sabem que são os hotéis cinco estrelas as sedes dos grandes eventos; não supõem que há um grande número de praticantes e uma popularidade em franca ascensão nem desconfiam que existam revistas especializadas no assunto; sequer vislumbram a extrema complexidade dos conceitos, da matemática, da psicologia e do imponderável apaixonante que cerca o poker.
E não há como se exigir que saibam, afinal, a imprensa leiga (leia-se: não-especializada) sempre tende a cometer algum tipo de sensacionalismo quando o assunto é poker. Quem escreve e edita o texto geralmente não sabe absolutamente nada sobre o assunto, e precisa colocar lenha na fogueira para “vender bem” sua matéria aos donos do jornal, os quais, por sua vez, enxergam o sucesso como sendo “muitas vendas”.
Quando atua, a imprensa leiga costuma denunciar, apurar, julgar e punir, tudo ao mesmo tempo, mas não necessariamente nessa ordem. Perceba os materiais jornalísticos, de TV ou revista, que freqüentemente têm sido publicados a respeito: por melhor que seja a intenção dos entrevistados (ou “colaboradores especializados”), o resultado tem sido a mentira e a desinformação.
Pode-se dizer, “Ah, mas 85% da matéria era verdadeira e positiva para o poker”. Linda interpretação, lírica, quase. Porém, desprovida da realidade falsa internalizada pelo público que lê o conteúdo “an passant”, aqueles 15% de mentiras e sensacionalismo passam a ser verdade e acabam engolindo o resto do texto, pois é o que chama a atenção, e ninguém questiona nada.
Não é privilégio do poker o fato de a imprensa enganar a todos, ou quase. Veja um exemplo trivial: um programa qualquer de pegadinhas, que, como muita gente sabe, são “armadas”, com atores e figurantes contratados (eu já presenciei várias “pegadinhas” em que havia câmeras enormes, daquelas giratórias, na rua). Pois bem, 99% dos telespectadores acreditam que são verdadeiras. Os “reality shows” são outro exemplo, com textos pré-concebidos, personagens forjados, figurantes na torcida, e quase todos crêem na “espontaneidade do jogo”. Em outras palavras (as quais, aliás, não são novidade): o grande público acredita no que a mídia quer que acreditem, e matérias sobre poker não fogem a essa regra.
Então, da próxima vez que se deparar com manifestações negativas sobre o seu hábito de jogar poker, releve-as. Mostrar com paciência, sem pressão, o que está acontecendo no Brasil e no mundo fala por si só. Vejam o caso dos EUA, onde os principais jogadores param na rua para dar autógrafo e tirar fotos com seus fãs – isso não foi possível do dia para a noite. O filme citado é de 1980, mas o “efeito Moneymaker” aconteceu apenas em 2003. Lá na terra do Tio Sam há mais de 30 milhões de jogadores; a própria CardPlayer Magazine, por exemplo, está completando de 20 anos de existência; na televisão, os índices de audiência durante os programas de poker têm sido estratosféricos desde 2003, ano de surgimento do fenômeno televisivo.
Agora lhes pergunto: “O que é uma verdade?” Pode ser apenas uma mentira que todos repetem. Pois bem, neste exato momento, o público (mesmo o de classe social mais elevada, que é o caso do ambiente do poker) não foi atingido da mesma forma que nos EUA, com a propaganda boca a boca e a mídia especializada.
Mas, certamente, algo que pode ajudar bastante é pararmos de sentir vergonha de jogar poker. Se não jogarmos com orgulho, de cabeça erguida, nem nossa família nem nossos amigos vão nos respeitar. Não se pode querer melhorar a imagem de algo de que se tem vergonha. Elementar, não acham?
Eu não acho tão óbvio assim... Para mim, ter orgulho vai muito além de defender com palavras a prática do poker. É ter atitude de quem reconhece o poker como ele é de verdade; é saber que, no longo prazo, temos responsabilidades sobre nossos resultados; que erros e acertos são cometidos e não é o fator sorte que vai decidir o vencedor, embora esse aspecto seja influente no curto prazo.
Para exemplificar, vou falar de uma mão, a última que joguei no Brasil Poker Fest, no Rio de Janeiro, evento com mais de 400 jogadores:
Quarta hora de torneio. Eu estava com cerca 7.800 fichas, com pingo de 400 e ante de 25. Tinha acabado de perder dois potes seguidos em que havia entrado de raise. Eu estava na posição ct+2 e um jogador que entrava em muitos potes deu raise de 1.200, seguido de um call de outro oponente, que era tight. Ambos estavam com um stack um pouco maior do que o meu. Veio Q-3 off para mim e fui de all-in.
Na hora me pareceu ser a melhor jogada porque estava convicto de que o raise inicial seria largado, pois a chance de o adversário não possuir algo realmente forte era enorme. E já que o segundo jogador era bem tight, achei que ele não embarcaria no confronto. No mesmo instante me lembrei da importância de se seguir suas próprias convicções, e anunciei o all-in sem hesitar.
Ledo engano. Fui pago e eliminado do torneio pelo segundo jogador, que mostrou A-K off. Provavelmente, menosprezei o fato de que tinha perdido dois potes seguidos e os adversários poderiam me considerar desesperado para reaver as fichas perdidas. Também não levei em conta o fato de o jogador em questão ser tight, o que é uma faca de dois gumes, pois poderia perfeitamente significar uma mão como TT, AK ou AQs.
Depois, já fora do torneio, me perguntaram se não senti vergonha de mostrar Q-3 off. Diferentemente de 90% ou mais dos jogadores que, quando saem do torneio, falam que foi por uma grande injustiça, eu não tinha de onde tirar desculpas pelo fracasso. Falei que fiz um “movimento engraçadinho”, e que nunca na vida me envergonharia de jogar poker.
Claro que não comentei nada do que estou escrevendo aqui para falar da importância de nos orgulharmos de jogar poker etc. Mas, para mim, é a atitude o que importa nas pessoas, e não o discurso. Se agirmos de forma exemplar, ou ao menos tentarmos, a imagem do poker vai mudar, e para muito melhor.
No próximo artigo, vou falar mais sobre a necessidade de nos orgulharmos de jogar poker, e tocar em outros assuntos polêmicos. Vou mostrar ainda outra mão em um torneio ao vivo na qual errei feio, com muito orgulho!