EDIÇÃO 82 » COLUNA NACIONAL

Desafio do Eiji


Fábio Eiji
Quem visita meu blog já conhece o “Desafio do Eiji”. Funciona mais ou menos assim: eu lanço uma pergunta — geralmente, uma mão ou situação de torneios — e dou um prêmio às melhores respostas. O que eu quero não é uma “resposta correta”, até porque, como sabemos, há mais de uma maneira de jogar bem uma mão. Então, procuro coerência e fundamentos conceituais.  
No artigo de hoje, comentarei a respeito de um dos meus desafios, o mais acessado até hoje, analisando as respostas mais comuns dos leitores. A situação é a seguinte:

Primeiras mãos de um BSOP. Stack inicial é de 25.000, e os blinds são 50-100. O oponente no UTG (sabemos que é um jogador tight-weak) abre raise para 400. Todos foldam até o Herói, que está no BTN. O que fazer com as seguintes mãos? 
 
A) A-10 offsuited
B) 6-6
C) J- J
Os conceitos mais importantes que devemos conhecer para analisar a mão são: valor/blefe e implied odds/reverse implied odds. Todas as análises giram em torno desses conceitos. Vamos por partes:
 
A) A-10 OFFSUITED
A maioria dos internautas optou pelo fold, mas alguns escolheram flat-call. A justificativa de apenas pagar é que temos posição sobre o oponente e sabemos que ele é um jogador com tendências weaks (costuma jogar as mãos de forma fraca e honesta), portanto, teremos boas chances de vencer a mão sem precisar do showdown. Mas há alguns equívocos nessa linha de pensamento que precisam ser apontados.

O primeiro é sobre o Herói subestimar ou ignorar a força do range do oponente. Por se tratar de um jogador tight, abrindo 4x do UTG, no começo do jogo, podemos considerar que seu range é bem restrito. Algo como 88+, AJs+ e AQo. Só de bater o olho nesse range, já podemos perceber que nosso A-10 certamente se comportará muito mal contra ele. Ao mesmo tempo, não conseguimos visualizar bons cenários para as streets futuras. Qual o nosso plano para um flop que tenha o 10 como a carta mais alta? E se o oponente apostar também no turn e no river? Devemos pagar? A mesma pergunta para o flop que tenha o Ás como top pair. Com que mãos piores nosso oponente pagaria uma aposta? E pagaria mais de uma? Geralmente, o que vai acontecer é que, quando acertamos o flop, ganharemos pouco ou perderemos muito. Isso acontece porque a parte do range que não acerta o flop 10-high ou A-high não costuma ir de check-call em duas ou três apostas. Temos reverse implied odds nessa mão, ou seja, a expectativa é que perderemos mais fichas do que ganharemos na maioria dos bordos.

O segundo equívoco é superestimar a habilidade do Herói em conseguir forçar o adversário a desistir de uma boa mão. Como analisamos acima, o range do oponente é muito forte e certamente não conseguiremos expulsar esse range com uma frequência suficiente que compense a variância da jogada — estaremos arriscando muitas fichas para um pote não muito grande e quase insignificante, já que vencê-lo não muda a situação do Herói no torneio.

Portanto, se não há leituras mais específicas acerca do oponente, que nos deem bons motivos para jogar de maneira diferente, a melhor ação a ser adotada é mesmo o fold.

B) 6-6
Essa é a mão mais simples. Não há segredo aqui: justamente pelo range do oponente ser tão forte e o Herói estar muito deep, há implied odds suficientes para tentar a trinca (set value). Quanto acertamos uma trinca, a tendência é de ganhar muitas fichas, justamente pelo mesmo motivo em que é difícil blefar nessa situação: o range que enfrentamos é muito forte. Existem vários overpairs e top pairs em bordos com figuras. E, como temos um stack efetivo de 25.000, há muito valor para se extrair nessas situações.

Além disso, essa não é uma mão que nos trará muitos problemas quando errarmos o bordo. Normalmente, perdemos no máximo mais uma continuation bet em flops baixos. Ou seja, praticamente não há reverse implied odds aqui.

C) J–J
Essa foi a mão em que as respostas ficaram mais divididas: uma boa parte escolheu a 3-bet como opção (com variados tamanhos) e a outra parte escolheu o flat-call.

Quem escolheu a 3-bet argumentou que temos uma mão forte e que precisamos saber quais tipos de mãos estamos enfrentando. Caso o oponente reaja com uma 4-bet, então devemos pagar (por ser value) ou dar fold, porque ele só faria isso com QQ+ .

Esse tipo de resposta tem graves erros conceituais. Principalmente no que tange ao conceito de valor e blefe. Toda aposta que você faz precisa estar polarizada entre valor ou blefe. O conceito que define uma aposta por valor é: receber ação de mãos piores; e o conceito de blefe é: forçar mãos melhores a desistir. A 3-bet também é uma aposta e precisa estar em uma dessas categorias. Quando o jogador diz que está fazendo uma 3-bet com o intuito de descobrir que mão o adversário tem, ele está, basicamente, fazendo uma aposta por informação, o que não existe conceitualmente. 

Quando escolhemos a 3-bet nesta situação, nenhuma mão melhor irá dar fold, que seriam Q-Q, K-K e A-A. Logo, a ação não funciona como blefe. Já as mãos piores não nos darão tanta ação assim, na melhor das hipóteses um A-K, A-Q, 88 e 99, que podem pagar a 3-bet, mas darão fold nos flops que errarem. Resumindo, aqui a 3-bet não tem sentido.

Por outro lado, quando optamos pelo call, mantemos todo o range do oponente na mão, incluindo as mãos das quais estamos ganhando. Não há motivo para selecionar o topo de um range que já é forte. A ideia aqui não é jogar simplesmente para trincar. Há muitos bordos em que podemos pagar a continuation bet e até um second barrel sem cometer um grande erro. 

Você pode encontrar mais sobre esse tema no meu blog: www.fabioeiji.com.br. Procure pelo post Vencedores do Desafio do Eiji #2, que contém a resposta vencedora e um link para o vídeo, no qual comento cada mão. 



NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×