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Alô você, Vitão!


Bruno Nóbrega de Sousa
Sabe aqueles sujeitos que sempre recebem você com um sorriso sincero no rosto? E aqueles que são donos de uma erudição despretensiosa, capaz de conversar horas a fio sobre determinado assunto sem a ânsia de querer provar nada? Una essas duas características e você terá um comunicador de mão cheia.

Nascido e criado entre São Paulo e Buenos Aires, Victor Marques, o “Vitão”, é um grande personagem a serviço do poker. Seu trabalho vai muito além de entrevistar jogadores ou cobrir eventos milionários em português e espanhol. A grande missão desse gigante de dois metros de altura talvez seja legitimar a ideia de que o poker pode, sim, ser apreciado pelas massas.

Visionário a seu modo, Vitão é um livre pensador que empresta seu talento comunicativo ao mundo dos feltros. Assista aos seus programas na TV Poker Pro e confira, por si só, se o que estou dizendo procede.
Invertendo os papeis, a CardPlayer Brasil transforma entrevistador em entrevistado e leva até você uma versão intimista deste carismático apresentador, que consegue transformar oito horas de transmissão de um torneio de poker em algo extremamente divertido e inteligente, num reflexo preciso da sua própria personalidade.

A primeira pergunta é um tanto óbvia, mas sempre vale a pena ser feita: como é que o poker entrou na sua vida?

Aprendi a jogar em 1997. Meu irmão, Vini Marques, foi jogar um torneio de xadrez em Nova York e voltou “se achando” porque tinha aprendido um poker novo e tal. Ele me ensinou, mas eu nem dei bola. Eu jogava gamão profissionalmente, isso em 2003. Nunca fui brilhante, mas era competente. Naquele tempo, o gamão ainda dava algum dinheiro aqui no Brasil, mas depois a cena começou a diminuir, e o pessoal começou a jogar poker. CK e Raul já tinham migrado para o Texas Hold`em, mas quem mais me influenciou a fazer essa mudança foi o meu irmão Vini, que hoje é profissional de poker, e que todo mundo conhece também.

Curiosamente, o primeiro torneio ao vivo que eu joguei, acabei ganhando. Isso teve um lado bom e outro ruim, porque você acha que é o melhor jogador do mundo, que já está pronto, quando na verdade não está. Essa é uma armadilha em que muita gente cai. Alguns anos depois, eu viria a entender isso.

Cheguei a ganhar um BSOP, a participar de um European Poker Tour. Eu vivia o dia a dia de um jogador profissional. Isso até 2009, quando já não estava tão feliz com aquela rotina, precisando encarar a variância. Eu sempre gostei de me comunicar, e aí a história é conhecida.

Você desenvolveu um talento comunicativo que surpreendeu muita gente. De que forma se deu a transição da vida de jogador para a de comunicador do poker?

O André Akkari sempre foi um grande amigo meu, desde o início da sua carreira. Em 2010, quando eu praticamente já não jogava mais, ele estava querendo expandir a TV Poker Pro, e logo pensou em mim. Ele disse: “pô, Vitão, você é um cara engraçado, acho que funcionaria bem em um programa. A gente liga a câmera e vê no que dá”.

No começo não ficou legal, a gente ficava querendo fazer pose, ficava muito artificial. Então, comecei a ficar espontâneo e deu certo. O Akkari me deu uma liberdade muito grande, e quando você se sente à vontade em qualquer coisa que faça, dá certo. Nesse aspecto do meu desenvolvimento, ele foi fundamental.

O “Vitão é Micro”, seu programa na TV Poker Pro, lhe deu projeção enquanto comunicador. Como surgiu essa ideia e quais momentos você destacaria ao longo de mais de 200 episódios?

Pois é, nós gravamos mais de 200 programas e vivemos muita coisa interessante. Era um programa diário de poker, uma grande loucura, e dentre os momentos, de que eu não me esqueço, está a entrevista com o Christian Kruel. Ele é um cara que eu sempre quis entrevistar e, de repente, fiz uma pergunta para ser veiculada no próximo bloco, mas o bloco já tinha voltado, e ele “pô, eu não sei nada disso!” (risos). Em um programa ao vivo, você contorna tudo isso rindo do fato, e não se desesperando. Foi o que a gente fez, e esse foi um grande momento. Em meio a tantos outros grandes momentos, eu destaco o dia em que entrevistei o meu irmão Vini, e o programa 200, com o Igor Federal. Aquilo foi uma afirmação muito grande. No “Vitão é Micro” eu aprendi tudo e vivi a interatividade, a resposta do pessoal de forma direta. Foi muito importante para mim.

Você viveu durante muitos anos na Argentina. Além de falar espanhol de maneira impecável, o que mais você guarda daquela época?

Morei na Argentina durante um período bom do país, uma época bastante interessante da vida, a adolescência, em que a gente vai virando homem, como eu costumo dizer. Minhas referências dessa época são todas de lá. Eu andava muito com o meu irmão, jogava basquete, ia para estádio de futebol. Aprendi muita coisa, principalmente a respeitar o outro, a ser receptivo com as outras culturas, sem me importar com a origem ou a classe econômica. São valores que meus pais já tinham me ensinado, mas que você precisa viver na prática, numa condição diferente, e isso me acrescentou muito. Posso dizer que foi definitivo para o que eu viria a ser no futuro.

As pessoas reconhecem em você um sujeito naturalmente divertido e bem humorado. O que é preciso para lhe tirar do sério? E para fazê-lo cair na gargalhada?

Tenho aversão a racismo, a xenofobia. Isso me tira do sério. Acho até que eu exagero um pouco quando reclamo dessas coisas, e a gente acaba vivendo isso diariamente. Muitas pessoas falam que não são racistas, mas são. Sei que todos nós temos preconceitos e que precisamos trabalhar isso sempre. Falsidade é outra coisa que me tira do eixo. É meio lugar-comum falar em falsidade e preconceito, mas isso são coisas que realmente não combinam comigo.

O que me faz cair na gargalhada é sentar com os amigos e “tomar uma”, por exemplo. Outra coisa de que gosto muito é ver TV com os meus pais e, de repente, começar a falar do mundo. Conversar de futebol, de política. Bater um papo com a minha mulher, Cinthia, também me faz muito feliz. Procuro viver de forma simples. Para mim, a felicidade está aí.

Você menciona sua família de maneira recorrente. Como é a sua relação com eles, e de que maneira se deu a questão da aceitação, por parte deles, dessa sua opção pelo poker?

Eu tive o privilégio que poucos jogadores de poker tiveram, pois meus pais sempre me apoiaram em todo e qualquer empreendimento. No poker, no gamão, no xadrez, eles sempre estiveram do meu lado de todas as maneiras. Não culpo os pais dos jogadores por encarar de maneira ruim essa história, até porque, no fim das contas, o jogador pode tirar proveito disso. Eu, particularmente, tive períodos financeiros ruins no poker, e meu pai e minha mãe nunca hesitaram em me apoiar. Não é o cenário ideal, mas serve para mostrar o quão próximos nós somos.

Com relação ao Vini, meu irmão, ele é uma força inspiradora muito grande para mim. Volta e meia nós brigamos, lógico, até porque temos temperamentos fortes, mas acho que essa proximidade todos deveriam poder experimentar. Não quero, aqui, fazer um discurso moralista, mas para mim funcionou muito bem. Na verdade, deveríamos ser seis, mas dois irmãos meus faleceram logo após o parto, justamente no dia do meu aniversário, e isso fez com que nós quatro nos tornássemos ainda mais unidos. Temos muita afinidade afetiva e intelectual.

Você alimenta uma grande paixão pelo futebol. Como torcedor fanático que é, que momento você considera inesquecível?


Para mim, a paixão do torcedor é algo absoluto. E para quem é fanático por um time, como eu sou pelo River Plate, da Argentina, onde está toda a minha referência futebolística, o momento maior foi o rebaixamento no ano passado. Aquilo me marcou de verdade. Vencer a Libertadores de 1996 foi um grande acontecimento, viajar com o time para o Paraguai em 2006 e tomar pedrada também não tem como esquecer, mas o rebaixamento em 2011... Como eu disse, a paixão pelo futebol é algo absoluto para mim. O dia em que a imprensa especializada me descobrir, o “PVC”, esse pessoal, vai todo mundo perder o emprego. (risos)

Seu apreço também por literatura denota uma vontade de buscar conhecimento, de estar sempre aprendendo algo novo. Mas e o poker, o que lhe ensinou para a vida?

O poker me ensinou muita coisa também, sobretudo a lidar com a vitória. Isso é algo que ele ensina muito bem. Encarar a derrota é algo mais comum, pois, na maioria das vezes, você vai sair perdedor, por mais que seja bom jogador no longo prazo. Lidar com a vitória, e se manter estudioso e respeitoso para com os outros, é outra história. Todo jogador já deve ter passado por esse enfrentamento, e quem consegue passar bem por isso acaba se destacando no meio. Nesse ponto, o poker tem muito a ensinar.

Fique à vontade para deixar uma mensagem aos leitores da CardPlayer Brasil, que certamente também são fãs do seu trabalho.

Gostaria de agradecer o apoio e o carinho de todos vocês. E dizer que nunca deixem de ser educados e de buscar conhecimento. A pessoa inteligente está preparada para tudo. Que o pessoal do poker não entenda o que vou dizer como uma crítica, mas é importante ler mais, se lustrar mais. Isso faz toda diferença. Educação e inteligência nunca são de mais. Agradeço também o carinho de vocês da Card Player, que foi o primeiro veículo de comunicação a me conceder um espaço escrito, e eu jamais vou me esquecer disso.



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