EDIÇÃO 57 » COLUNA NACIONAL

A Pauta da Segunda-Feira


Pedro Nogueira
É uma noite quente em abril e estou pensando que, se existe um lugar em que eu nunca estive, e nunca pretendo estar, é na Pauta da Segunda-Feira, pois ela pode ser realmente prejudicial à saúde.

A Pauta da Segunda-Feira é o nome que o Padrinho, o dono do Paradiso, dá à lista de cidadãos que necessitam de uma visita urgente, normalmente para serem lembrados de algum débito adquirido em sua casa e depois esquecido por eles. O Padrinho deve ter quase 80 anos, e ele é barrigudo, e deixa três botões abertos na camisa, e usa um suspensório preto na calça que dá a ele uma pinta de gângster da Lei Seca.

Bem, é claro que o Padrinho em si, um proeminente cidadão da noite paulistana, não vai gastar suas tardes de segunda-feira visitando esses parceiros devedores, pois ele precisa descansar bastante durante o dia para cuidar dos negócios a partir das oito. Então quem ele manda nessas visitas senão o Shrek, que é um partido de quem você definitivamente não gostaria de receber uma visita.

O Shrek é chamado assim porque ele é muito alto, e gordo, e forte como Shrek do cinema. Outra semelhança entre os dois é a cabeça careca, mas o Shrek do Padrinho não é verde, pois a sua pele é mais branca do que uma folha de sulfite. Ele é uma figura absolutamente amedrontadora, e nas raras ocasiões em que deixa o cabelo loiro crescer um pouco, o Shrek fica a cara daqueles vilões russos dos filmes do James Bond.

Lembro que uma vez fui de carona para o Paradiso, que fica na João Cachoeira, e meu caronista quebrou cedo e foi embora, então perguntei no fim da noite ao Padrinho se ele tinha o número de um táxi. “O que é isso, meu querido”, o Padrinho disse para mim, “espera que vou pedir para o Shrek te levar para casa”.

Bom, eu não poderia negar uma gentiliza do Padrinho, pois seria deselegante da minha parte, e não há nenhuma vantagem em ser deselegante com o Padrinho, porque ele vem de uma formação muito rigorosa e não vê graça nenhuma nesse tipo de atitude. Então aceitei a oferta e o Shrek foi me levar para casa.

Se o Shrek já me fazia tremer de medo antes, tremi mais ainda quando entrei no carro e vi que ele carregava o velho equalizador no bolso. Passei o caminho inteiro imaginando o que aconteceria se um homem da lei nos parasse na rua, numa blitz ou qualquer coisa assim, e como eu faria para explicar a ele a minha presença naquele carro cheirando a chumbo. Mas cheguei em casa sem maiores incidentes.

Bem, voltando àquele domingo quente de abril, em que eu pensava na Pauta da Segunda-Feira, decidi dar um pulo no Paradiso e ver se tinha algum estrela doando dinheiro por lá. E, quando chego ao clube, quem encontro na porta fumando um cigarro senão o Pedrinho Mídia, o jornalista.

Comprimento o Pedrinho Mídia com um largo olá e acendo um cigarro para acompanha-lo. Devo registrar aqui que a companhia do Pedrinho Mídia é extremamente agradável, ainda mais porque ele sempre tem algum rumor interessante ou uma boa história para compartilhar com a parceirada.

“Dá só uma olhada nisso aqui”, diz para mim o Pedrinho Mídia, que está sempre de camisa xadrez além de um óculos com aro grosso, e me passa um papel. “Vê só quem eu vou entrevistar amanhã.” Quando eu pego o papel, o que eu vejo nele senão um endereço, um horário e o nome do Jean-Jacques Chevalier, o famoso ator de cinema. “Ele vem divulgar um novo filme em São Paulo”, o Pedrinho Mídia diz, “e cravei uma entrevista na agenda dele”.

Certamente eu fico orgulhoso do Pedrinho Mídia ao ouvir tal proposição, e faço questão de saudá-lo com um largo parabéns, pois não é sempre que um parceiro crava uma entrevista com um ator de Hollywood, ainda mais um proeminente como o Jean-Jacques Chevalier.

Bem, quando o cigarro termina, o Pedrinho Mídia e eu entramos no Paradiso e engatamos num jogo de Hold’em que está realmente fraco, só rocha na mesa. Então o Pedrinho Mídia, que gosta de calor e velocidade, rapidamente dá o adeus à parceirada e diz que precisa chegar à redação cedo no dia seguinte.
Devo notar que quase fiz a mesma coisa, mas com uma desculpa diferente, é claro, pois ninguém acreditaria que eu tinha um compromisso cedo na redação para o dia seguinte. Mas decidi ficar mais um pouquinho, e essa foi uma proposição que se revelou bastante lucrativa, pois logo depois que o Pedrinho Mídia foi embora, o Omaha capado quebrou e um estrela de lá veio juntar-se a nós.

O cidadão era jogador de 25-50, então ele chegou no 1-2 empurrando as fichas como se fossem chocolatinhos de M&M’s. Consegui dobrar o meu capital em cima dele com um par de barbudos na mão e, depois, dobrei mais uma vez ao acertar um terno de setes no flop. Fiquei no Paradiso até o sol nascer e o Shrek botar a parceirada na rua, e devo dizer que foi uma ótima noite para mim, especialmente porque eu andava curto naqueles tempos.

Bem, isso foi no domingo e, na terça-feira, lembrei daquela entrevista que o Pedrinho Mídia ia fazer com o Jean-Jacques Chevalier, o astro do cinema. Se a entrevista estava marcada para a segunda-feira, calculei, o artigo deveria estar no jornal hoje. Então fui até uma banca de jornais, que ficava a três quarteirões do meu apartamento, atrás do Expresso, o jornal do Pedrinho Mídia.

Quando chego à banca, o que vejo na capa do jornal senão a seguinte manchete: “Ator francês apanha brutalmente em visita a São Paulo – e nem sabe o por quê.” Aí tinha uma foto do ator com o rosto todo amassado, e mesmo com aqueles amassados todos, pude perceber que era o Jean-Jacques Chevalier, o entrevistado do Pedrinho Mídia.

Sou absolutamente contrário a surras, a não ser que elas tenham um bom motivo, ou pelo menos um razoável, e o que pude perceber ao ler a matéria do Pedrinho Mídia é que o Jean-Jacques Chevalier fora atacado sem justificativa alguma. Então peguei o celular e liguei para o Pedrinho Mídia, para ele me explicar melhor o que havia acontecido.

“Você imagina que atrasei 10 minutos para a entrevista e quando chego lá”, o Pedrinho Mídia diz para mim, “o que vejo senão o meu entrevistado estatelado no chão, como um saco de pão no vento. Como qualquer cidadão exemplar faria numa situação dessas, rapidamente fui ajuda-lo. Só esperei, é claro”, o Pedrinho Mídia diz, “alguns minutinhos para o fotógrafo pegar uma boa imagem da cena antes.”

“Quando o francês acordou”, o Pedrinho Mídia diz, “contou para mim que havia tomado uma surra de um ogro branquelo e nem sabia o por quê. A única coisa que o ogro branquelo falou para ele”, o Pedrinho Mídia diz, “é que ele precisava aprender a honrar os seus compromissos. Mas o que ele quis dizer com isso, ninguém sabe, e acho que nunca vai saber. Devo dizer que eu fiquei realmente chateado pelo Jean-Jacques, exceto pelo fato de que o jornal está vendendo mais do que nunca com essa bomba estampada na primeira página.”

“Agora se o senhor me der licença”, o Pedrinho Mídia diz, “preciso caçar mais alguns escândalos, porque se eu cravar outros dois ou três até o final do mês, meu passe vai ficar valorizado aqui no jornal”.

Assim que o Pedrinho Mídia desliga o telefone, não posso deixar de reparar na semelhança entre o ogro branquelo do Jean-Jacques Chevalier e o Shrek, que vai sempre atrás da parceirada que se esquece de honrar o compromisso com o Padrinho. E fico imaginando se, aquele papel que vi o Shrek recolhendo no chão do Paradiso domingo à noite, não seria a pauta da entrevista do Pedrinho Mídia, e se ele não confundiu esse papel com a Pauta da Segunda-Feira do seu patrão.



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