E o envelope – finalmente – chega em casa. Com sua cor amarela, ele é inconfundível; o adesivo no qual se lê “Amazon” é quase redundante para alguém que, como eu, ficou semanas à sua espera. Fino nas extremidades e gordo no centro, o pacote lembra uma cobra de barriga cheia. Rasgo com uma fúria alucinante; e começo a contar. Um, dois, três, quatro, cinco. Sim, os cinco livros encomendados estão lá. Em comum, tratam sobre o assunto que mais me fascina atualmente – as apostas e os apostadores.
Pego o primeiro. Sob o fundo azul da capa, há o retrato de um senhor. Ele veste uma camisa vinho, aparenta ter 70 anos e usa óculos de grau. Alguma alma desatenta poderia calcular que é um homem inofensivo; o que, de fato, ele aparenta ser. Mas, no pé da página, uma enorme pilha de fichas desfocadas sugere o contrário. E, não bastassem elas, há escrito em cima da cabeça do senhor, em inconfundíveis letras brancas: Johnny Moss. Trata-se, na definição do autor do livro, do “retrato do maior jogador de poker do nosso tempo”, o texano Johnny Moss, tricampeão mundial na World Series of Poker (WSOP).
Sigo em frente. O segundo livro traz, em sua capa, uma combinação duvidosa das cores preta, roxa e amarela. É o Livro do Byrne das Grandes Histórias da Sinuca. Editado por Robert Byrne, ele reúne 31 contos sobre – certamente – o bilhar. Entre seus escritores há gênios da literatura como Alexander Pushkin e Leo Tolstoy. E, é claro, Walter Tevis, autor dos romances The Hustler e The Color of Money que, adaptados ao cinema em 1961 e 83, respectivamente, contribuíram extraordinariamente para a popularização do esporte nos Estados Unidos.
O terceiro, A Melhor Mão Que Já Joguei, é uma compilação da ESPN. São 52 histórias de 52 grandes jogadores de pôquer, de Gus Hansen e Daniel Negreanu a Amarillo Slim e Doyle Brunson. É de Doyle, por sinal, a jogada mais impressionante da coletânea. Ele narra uma mão que disputou contra Johnny Moss, aquele mesmo do primeiro livro que citei. Num bordo com 7-8-K, Doyle tem 10-J, buscando a sequência; o turn traz um inofensivo dois e, o river, um três. “Então Moss faz uma aposta realmente grande”, escreve Doyle. Com seu modesto jack high ele paga, dando ao adversário uma pedida de seguida menor; acerta na leitura. “Naquele momento tive certeza de que eu era um jogador de ponta.”
Seguindo em frente, há mais sinuca. O quarto livro se chama Fechando a Mesa – a Lenda de Kid Delicious. Ele conta a vida do último grande hustler do bilhar americano. Diferente do road player clássico – um homem durão, armado, destemido –, Danny “Kid Delicious” Basavich é um gorducho bonachão que irradia simpatia em qualquer salão de sinuca em que entra. Seu carisma é tanto que, em diversas ocasiões, recebeu convites para jantar na casa de seus adversários. Depois de derrota-los. Várias vezes seguidas. Com milhares de dólares apostados.
Quando chego ao quinto e último livro, dou risada com a capa; há um barbudo rei de espadas com um par de seios. O Homem com os Seios de US$ 100.000 reúne 26 histórias reais sobre grandes apostadores dos Estados Unidos. A principal descreve o caso de Brian Zembic, um sujeito que topa qualquer tipo de aposta. Até mesmo uma envolvendo um par de seios de silicone; ele faz o implante e fica com a prótese por um ano para ganhar US$ 100.000 de um amigo.
Ainda no primeiro parágrafo, escrevi que, em comum, “os cinco livros tratam sobre o assunto que mais me fascina atualmente – as apostas e os apostadores”. Em tempo, retifico. Há, ainda, um segundo detalhe que eles compartilham: a língua. São todos escritos em inglês. Não há Livraria Cultura, Saraiva ou Submarino onde seja possível encontra-los; nenhum possui edição em português.
É uma crudelíssima realidade. Se você quer um livro que fuja do segmento “autoajuda” ou “best-seller”, precisa encomendá-lo do exterior, pagar em dólares ou euros, esperar semanas até ele chegar e, então, lê-lo numa língua estrangeira. Eis que a Editora Raise anuncia a publicação de O Grande Malandro – As Memórias de Amarillo Slim, o Maior Apostador de Todos os Tempos.
Sim, amigos: há luz no fim do túnel. Esse lançamento inédito da Raise – sobre um assunto negligenciado pelas grandes editoras – me leva a crer que, um dia, talvez não seja mais preciso fazer encomendas na Amazon para ler boas histórias sobre os grandes jogadores de poker, de sinuca ou os apostadores em geral. Bastará entrar numa livraria, passar na prateleira certa, pagar a conta no caixa e ir embora para casa. Com um livro escrito em português em mãos.
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