Nas duas últimas edições conversamos sobre Teoria da Projeção. Em linhas gerais, esse conceito afirma que “o ser humano acredita que as outras pessoas pensam como ele”. Com origem nos estudos de Freud, a projeção é um mecanismo de defesa. No poker, ela está se tornado uma poderosa abordagem do jogo.
Neste artigo, veremos outra estratégia psicológica criada no Olimpo dos cash games high-stakes online, difundidas apenas a conta-gotas entre nós, meros mortais.
Nós vimos ainda em meu primeiro artigo aqui na Card, na edição 34, que a essência do poker é se adaptar aos adversários e jogar conforme as características deles. Observação é fundamental nesse jogo.
Como se sabe, no poker existem diversos “padrões” criados com embasamento matemático. Quem foge dessa linha normalmente é rotulado de donkey. Nos cash games online, por exemplo, o jogador que entra de limp sem que ninguém tenha feito isso vai para o canto da sala com um chapéu de cone na cabeça. Vão chamá-lo de donkey. Por quê? Porque um raise seria melhor, mais lucrativo. Mas isso é outra discussão.
Já no mundo dos torneios, quem dá raise ou fold pré-flop com 10 blinds ou menos também entra no rol dos quadrúpedes de carga. Afinal, quando se tem poucas fichas, a porcentagem das vezes em que você ganha a mão é sempre maior do que a porcentagem das fichas que você ainda precisa colocar no pote. Em outras palavras, a jogada vale a pena no longo prazo. É o bom e velho conceito de equidade.
Até aí tudo bem. Mas, e se quisermos aplicar uma estratégia que atrapalhe a leitura que os adversários têm de nós? Nesse caso, uma jogada que colocasse um letreiro neon escrito “donkey” na nossa testa seria ideal. E tem mais, ela poderia ser matematicamente correta.
Confundir outros jogadores quanto à nossa habilidade é uma estratégia perfeita. E é possível fazer isso executando jogadas “fora do padrão”. De preferência, jogadas que se pareçam com aquelas que todo mundo rotula de donkey, mas que sequer são condenáveis matematicamente. Vamos chamá-las de “fake donkey”.
A fake donkey de que eu mais gosto é o mini reraise pré-flop em vez de call. Imagine a seguinte situação: você está numa mesa $0,25-$0,50 online e o UTG aumenta para $2, quatro big blinds. Dois jogadores pagam. Você está no big blind. O padrão seria dar call com mãos como pares baixos, cartas altas e até mesmo suited connectors baixos. Mas, em vez de só pagar, você decide dar o reraise mínimo, ou seja, 7 big blinds no total.
Vamos a uma análise lógica simples:
• A jogada é padrão? Não.
• É estranha? Sim.
• Vamos perder dinheiro fazendo isso no longo prazo? Não.
• Os adversários vão pensar que somos idiotas? Sim.
• Eles vão se lembrar disso quando jogarem outra mão contra nós? Sim.
• Vão errar ao pensar que somos piores do que realmente somos? Sim! (Risos)
Agora vejam o que aconteceu comigo num cash game live. Mesa $5-$10. Jogo deep, com mais de 200 blinds. Por duas vezes eu estava em posição final e, depois de uns cinco jogadores terem dado call em um raise vindo do começo da mesa, eu reaumentei o valor mínimo. Com isso, o pote tinha um raise para 50, cinco calls e meu mini-raise para 90. E aproveitei para soltar uma falinha: “Vamos dar uma engordadinha no pote”.
Obviamente, todos pagaram. Mas, a partir daí, alguns jogadores tight regulares que não me conheciam passaram a me tratar como um completo donkey, um fanfarrão de primeira grandeza. Não vou falar o quanto foi bom o valor que extrai disso. Só vou dizer que vocês não fazem ideia do tamanho do meu sorriso quando saí daquela session. ♠