EDIÇÃO 39 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Mostrar ou Não Mostrar

Usando a ferramenta da informação incorreta


John Vorhaus

Em uma de minhas muitas outras vidas (romancista, consultor criativo, palestrante, mímico reformado), eu sou professor de escritores e uma das coisas mais importante que eu os ensino é a questionar suposições ocultas. Tais suposições — premissas não testadas como “Minha escrita é péssima” e “Eles não vão gostar de mim” — são pragas na existência do escritor. Premissas não testadas podem trazer devastação para um jogador de poker também, especialmente aquelas que começam como insights sobre qual seria a jogada correta, mas eventualmente endurecem e se tornam hábitos ou até mesmo tabus. Eu descobri recentemente um tabu desse no meu próprio jogo e tenho trabalhado para tirá-lo de dentro de sua camada de concreto. O tabu? Mostrar as cartas a adversários online. Costumava ser minha política nunca, jamais revelar minhas cartas depois do showdown. Ultimamente, eu tenho me perguntado se essa política é útil e tenho posto à prova minhas premissas.

O argumento contra mostrar as cartas é simples e aparentemente válido: você arrisca revelar demais. Por que alguém daria informações grátis sobre si em relação a qualquer coisa? E eu suponho que se você for um jogador iniciante ou ingênuo (que é como todos nós começamos e talvez seja quando esse tabu se cimente), é um ditado sábio. Você pode achar que está sendo engenhoso ao mostrar um blefe bem sucedido, por exemplo, mas como pode ter certeza de que seus oponentes superiores não vão descobrir uma maneira de usar essa informação contra você? Não há como ter essa certeza, e é por isso que você não deve mostrar suas cartas a oponentes superiores — e quando você começa no jogo, quase todo mundo é superior.



Mas e com o tempo, quando você tiver se sofisticado e adquirido, dentre outras coisas, uma boa noção de como os outros lhe veem e de como essa percepção pode ser manipulada e modificada? Em outras palavras, e quando todos os seus adversários não forem, de fato, superiores a você? E quando eles forem piores, talvez bem piores? Não seria esse o momento de começar a se aventurar mais mostrando suas mãos? Talvez... mas o tabu persiste: não dê informações grátis, jamais. Bem, quer saber? Há sim momentos em que se pode dar informações grátis, que é quando se trata de informações que você quer que eles tenham. Portanto, não são informações, são informações incorretas, o que é outra história. De repente, mostrar as cartas não é algo autoindulgente ou infantil. Pelo contrário, é uma ferramenta — e ferramentas são boas. Os homens usam ferramentas; se não as usássemos, ainda estaríamos vivendo em árvores, sem saber de onde sairia nossa próxima banana.

Eis como eu faço para utilizar essa ferramenta da informação incorreta: primeiro, eu desabilito a função Nunca Mostrar Cartas na interface do software do site em que estiver jogando, de modo que eu tenha pelo menos a opção de revelar o que eu seguro. Em seguida, eu sinto o clima da mesa. Se eu achar que estou em um jogo desafiador contra um monte de jogadores bons, não fico propenso a mostrar minhas cartas, pois não os acho incapazes de usar tais informações contra mim. (Obviamente, se eu estiver em um jogo difícil, provavelmente já estarei em busca de um mais fácil, ou talvez já terei saído). Porém, se o jogo for do tipo certo — repleto de jogadores fracos e facilmente manipuláveis — buscarei uma oportunidade de me desmascarar. Eu começo mostrando algumas mãos legítimas: mãos fortes que eu aposto com força e se seguram. Isso cria a impressão de que eu jogo apenas com cartas de qualidade — ou pelo menos essa é a impressão que eu tento passar. Eles não vão acreditar, é claro, pois não são completos idiotas. Então, eu procuro uma oportunidade de fazer um blefe puro e, depois que eles tiverem dado fold, revelarei a mão. É aqui que eu quebro o tabu, pois muitas pessoas (inclusive eu) acham que é geralmente errado mostrar ao peixe que eles foram pescados. Mas eu descobri que mostrar blefes em conjunto com mostrar mãos fortes pode ter um efeito bastante perturbador à mesa. Eles não sabem se você é um jogador forte que está jogando mal, um fraco jogando bem ou se não tem a menor noção do que está fazendo.

Psicologicamente, isso pode ser muito potente. Alguns jogadores ficam furiosos quando você começa a revelar suas mãos. Eles consideram isso uma versão não verbal de uma alfinetada, e de certo modo é mesmo, pois você está dizendo aos seus adversários: “Ei, eu posso mostrar minhas mãos e ainda assim lhes derrotar”. Isso diz aos seus oponentes que você os considera inferiores. Visto sob determinada ótica, isso pode ser bastante ofensivo; pode levar pessoas a entrar em tilt — justamente uma das razões porque fazemos isso. E há varias outras.

Eis uma: quando mostramos as cartas, fazemos todo mundo pensar sobre nosso jogo, em vez de pensar produtivamente sobre o próprio jogo deles.

Eis outra: quando mostramos as cartas, podemos ver outras em troca, de oponentes que não harmonizam muito bem as cartas que mostram com a maneira como jogam. Em outras palavras, podemos acabar transformando informações incorretas em dados reais e precisos.

Eis mais uma: quando mostramos as cartas, criamos uma imagem de maníaco, que é geralmente uma boa imagem de se ter.



Enfim, eis mais essa: quando mostramos as cartas, ficamos encorajados a executar blefes descarados, uma parte essencial do poker bem sucedido. Se executar um blefe e depois revelá-lo fizer parte do nosso plano de jogo, nós começamos a buscar oportunidades de conduzir 9-5 como se fosse A-A. Isso nos torna jogadores mais fortes, mais ferozes, mais corajosos e mais perigosos.

Então, da próxima vez que você estiver jogando online, por que não tentar adicionar esse truque ao seu repertório? Eis duas dicas para você se iniciar nesse caminho: primeiro, mostre apenas cartas vencedoras. Jamais mostre as mãos que você tiver descartado ou os bons folds que você tiver dado. Mostrar tais mãos mostra apenas como você reage, e essa não é uma informação que você deseja esclarecer. Ao mostrar suas cartas vencedoras, você cria uma imagem — distorcida e conflituosa — de como você age. Essa é uma diferença grande. Enorme.

Segunda dica: comece devagar. Mostrar as cartas e depois fazer ajustes de acordo com as cartas que você revelou é uma habilidade que requer certo aprendizado. Além do mais, não tente fazer isso nas mesas mais caras de que você participar. Tente nas mais baratas. Você vai se tornar destemido por ter menos a perder, e seus adversários provavelmente vão ser fracos. E, é claro e sempre: “Não desafie jogadores mais fortes, desafie os fracos; é para isso que eles estão aí”.
Vá em frente. Isso pode lhe trazer algum lucro.

John Vorhaus é escritor profissional e autor de livros de poker. Ele pode ser encontrado no ciberespaço no endereço radarenterprizes.com.




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