EDIÇÃO 39 » MISCELÂNEA

Louco ou Nuts?

Lidando com a má fase


Dusty Schmidt

Isso vai passar, certo? Não pode durar para sempre. Pode? Enquanto escrevo isso, sou total, inequívoca e incondicionalmente incapaz de ganhar um pote. Faltando apenas sete dias, corro o sério risco de registrar o primeiro mês de perdas da minha carreira de cinco anos. Não me leve a mal, eu já tive algumas fases difíceis de 100.000 ou mais mãos em que fiquei no zero a zero ou perdi, mas nunca sequencialmente do início ao final do mês, de modo que eu sempre fui capaz de ganhar um bom “salário” todo mês.

Contudo, eu nunca tive um mês de perdas, primariamente porque jogo um volume enorme de poker. Minha vantagem marginal sobre meus oponentes, de, digamos, 5%, torna-se estatisticamente significativa ao longo das 100.000-200.000 mãos que jogo em um mês.

Minha função na vida é parecida com a de um vendedor. Se este for seu trabalho – e você for reconhecidamente um dos melhores no que faz – é plausível (e até provável) que, em algum ponto, haja um período no qual você não faça nenhuma venda. Mas a lei da probabilidade diz que, se você fizer visitas suficientes, mais cedo ou mais tarde efetuará uma venda. Quanto mais visitas você fizer, melhores são as chances de suas habilidades prevalecerem.

Mas meu momento atual parece diferente. Parece que, com uma mão mais forte, eu nunca me deparo com uma um pouco mais fraca. Mais importante, parece que estou batendo de frente com a parte mais forte do range do meu oponente quase todas as vezes. Eu analiso os cenários: digamos que eu dê raise com uma mão como A-10. O flop vem 10-6-5 com duas cartas de espadas. Eu aposto e tomo check-raise. Em alguns jogos você pode cogitar dar fold, mas nos high stakes, muitas vezes se dá check-raise sem nada com muita frequência, na maioria das vezes com draws. Portanto, A-10 é uma mão bastante forte se comparada ao que os oponentes geralmente têm, certo? Eu então vou all-in no flop ou dou call. Vou all-in no turn ou jogo de várias formas diferentes, dependendo do tamanho dos estoques. Mas, meu Deus, parece que meu oponente tem uma trinca toda vez. E quando não tem uma trinca, ele acerta um flush.
Eu estou ficando louco ou ele tem o nuts todas as vezes?

E ainda há notícias piores: quando você está numa má fase, fica ainda mais azarado do que imagina. Explico: nas vezes em que coloca todo o seu dinheiro no pote quando em uma situação arriscada e se depara com o nuts, você não aprende nada sobre o jogo do seu oponente – mas ele aprende muito sobre o seu. Tudo que você vê é a parte mais alta da gama dele, mas ele vê todo o seu range. Isso lhe põe em enorme desvantagem.



Além do mais, você não é um robô. Você é um ser humano, e quando parece que toda mão lhe coloca diante do completo nuts, você se torna absolutamente passivo. Se alguém lhe der raise no flop, seu instinto repentino é no sentido de não revidar com uma mão com a qual, em outra situação, você teria jogado caso não estivesse em uma fase tão ruim. Afinal, quem quer enfrentar alguém que tem o nuts todas as vezes? Nossos cérebros ficam sob o domínio do medo, então começamos a acumular erros. Como é possível tomar decisões racionais nas quais é preciso considerar todas as possíveis mãos do seu oponente se tudo em que consegue pensar é no pior resultado possível? É como jogar poker com uma arma apontada para a sua cabeça.

Concluímos, então, que as más fases são ainda piores do que pensávamos. Poxa, Leatherass, obrigado por esclarecer isso. A pergunta é: será que conseguimos nos recuperar desses declínios?

A resposta é sim. Eu sei que minha má fase inevitavelmente chegará ao fim. Todas chegam. Embora a sensação seja horrível, essa não é a primeira vez que a sinto. Se você leva o poker a sério, invariavelmente sentirá a mesma coisa. É fácil supor que Doyle Brunson, Phil Ivey ou mesmo o incrível “Nanonoko” fabricam dinheiro sempre que estão à mesa. Mas isso não é verdade. Até mesmo eles têm fases boas e ruins e, embora talvez não admitam, eu tenho certeza de que eles já acharam, em um momento ou outro, que nunca, nunca ganhariam novamente.

O que os diferencia do resto é a autoconfiança. A diferença entre um jogador comum e um que se manteve firme depois de mais de dezenas de milhares de mãos (se não milhões, como é o caso dos profissionais online) é um sensação de: “Eu sou o melhor. Vou continuar vencendo”. O que separa os homens dos meninos não são as boas fases, mas as más. Essas fases ruins podem durar 50.000-100.000 mãos, talvez até mais. Podem debilitar um jogador de poker e seus sonhos, e mandá-los de volta ao tempo de empacotador de supermercado. Mas elas só são capazes disso se você permitir.



Eu queria poder lhe dar uma fórmula rápida e eficaz de mudar sua sorte quando a má fase chega, mas não posso. Claramente, minhas circunstâncias atuais evidenciam que eu não possuo todas as respostas. Mas eu tenho o que sei que é uma maneira testada e aprovada de se colocar as coisas de volta nos eixos:

• Quando estiver passando por uma má fase, você deve até jogar de forma ainda mais agressiva. Deve lembrar que a pessoa que você está enfrentando não sabe que você não está ganhando nenhuma mão no momento. Deve continuar jogando de maneira agressiva, apostando diante do range de mãos que você acha que seu oponente pode ter, em vez de presumir que ele tem o nuts toda vez. Ele está fazendo uma jogada com base no que ele acha que você possivelmente tem em mãos, e você deve fazer o mesmo. Esqueça o passado e execute a melhor jogada que puder.

• Ganhando ou perdendo, eu raramente olho meu saldo. Saber o quanto você perdeu só lhe deixa desesperado. De repente, sua vantagem desaparece e você se torna mais um apostador comum tentando recuperar as perdas e sair do vermelho.

• Tome nota de todas as suas boas fases. Nós tendemos a ter uma ideia melhor de quando estamos mal do que o contrário, hipótese em que atribuímos nossa boa sorte à habilidade. A sorte é uma faca de dois gumes. Reconhecer a variância positiva torna os tempos ruins mais palatáveis e lhe impede de tiltar.

• Finalmente, você precisa jogar. Quando as coisas estão indo mal, as pessoas tipicamente não querem jogar. Não me entenda mal, às vezes eu também preciso de um tempo. Mas se você fizer uma pausa de duas semanas, comete mais um erro. Você estava indo mal, mas agora deixou de ganhar dinheiro durante duas semanas (além disso, provavelmente gastou mais do que o normal em entretenimento, e por aí vai). Agora você está realmente mal. Ainda tenho sete dias nesse mês, e provavelmente jogarei 50.000 mãos nesse período. Eu talvez comece uma boa fase e ganhe um dólar por mão, como geralmente faço, e então me recuperarei. Eu não teria essa oportunidade se estivesse de férias.

Quando os problemas surgirem, não dá para escapar do fato de que você tem que agir de forma madura e continuar jogando. Como diz Doyle: “A sorte favorece a determinação, não os desejos”.

Dusty “Leatherass” Schmidt é instrutor no DragTheBar.com. Ele já disputou cerca de 7 milhões de mãos online e ganhou mais de $3 milhões.




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