EDIÇÃO 32 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

A Arte do Erro

Insights de Malcolm Gladwell


Steve Zolotow

Eu jogo muito poker. Eu escrevo sobre poker. Eu também penso muito sobre poker. Quando vejo um filme, eu geralmente reflito sobre algumas de suas situações em termos de poker. Será que aquele cara não está blefando na hora errada? Ele não está vendo que sua namorada certamente vai pagar seu blefe?! Mesmo quando leio um livro sobre outra coisa, eu frequentemente pondero se as coisas que o autor está discutindo têm paralelo com o poker. Se você nunca tiver lido um livro de Malcolm Gladwell, deve ler. Seus dois melhores são Blink: a Decisão Num Piscar de Olhos (Rocco, 2005, 254 páginas) e O Ponto da Virada (Sextante, 2009, 288 p.). Seu livro mais recente é uma coleção de ensaios, cuja maior parte foi publicada anteriormente na revista The New Yorker. Ele utiliza pesquisas modernas e argumentos de um número de áreas do conhecimento, que incluem psicologia, medicina, matemática e finanças. A primeira parte desta coluna se baseia em uma distinção que ele faz em um ensaio intitulado “A Arte do Erro”. Embora ele não faça nenhuma menção ao poker, muitas de suas conclusões explicam alguns dos erros mais graves que os jogadores cometem sob pressão.

Aprender uma nova habilidade é um processo lento. No começo, você pensa cuidadosamente em cada passo de maneira consciente. Depois, seu raciocínio subconsciente começa a tomar o comando. Você não precisa mais pensar sobre cada passo do processo. Um motorista, golfista ou jogador de poker experiente executa a maioria das suas ações de forma automática. Gladwell distingue dois tipos de erros que podem ser cometidos sob pressão: travar e entrar em pânico. Quando um jogador trava, ele volta aos estágios iniciais do aprendizado. Ele tenta pensar sobre cada passo do processo como tivesse acabado de aprendê-lo, e isso é fatal para a seu desempenho. Alguém cujo raciocínio subconsciente o permite funcionar em um nível altíssimo, agora está pensando em cada passo do processo como um total iniciante. Gladwell cita os colapsos de Jana Novotna em Wimbledon e Greg Norman no Masters do golfe como exemplos. Todos nós já vimos jogadores sob pressão reagindo com total inépcia. Eles falham totalmente na tentativa de executar algo que para eles deveria ser automático. Estrelas do basquete erram cestas fáceis e falham em passar a bola em momentos críticos. Todos nós já vimos superestrelas do poker dando call com todas as suas fichas em situações em que é óbvio para todos os outros à mesa que o oponente dele tem o nuts.



Entrar em pânico é diferente de travar. O travamento é um fenômeno que paralisa os jogadores experientes. Pânico é a aflição dos jogadores inexperientes. Ele ocorre quando você sabe que precisa executar uma ação importante, mas, em sua busca desesperada em meio a um repertório limitado de comportamentos, você não consegue encontrar a reação apropriada. Gladwell cita a morte de John F. Kennedy Jr. como exemplo de um piloto inexperiente entrando em pânico sob condições adversas.

Uma jogadora novata de no-limit hold’em certa vez descreveu a seguinte situação para mim: ela deu raise de posição inicial com A Q e recebeu dois calls. O flop veio J 10 4. Ela apostou, e sofreu um raise. Ela sabia que tinha uma decisão crucial para tomar no que deveria ser uma situação importante. Ela disse: “Eu pensei e pensei, tentando decidir se deveria dar call ou fold. Finalmente decidi que seria correto dar call. O turn foi o 3. Então dei check, ele foi all-in, e eu larguei. Tenho certeza de que o fold foi correto, mas não tenho certeza se foi correto ter dado call no raise do flop”. Eu considero esse um caso de “pânico no poker”. As escolhas delas deveriam incluir voltar reraise all-in ela mesma no flop. Essa seria quase certamente a melhor jogada, mas ela sequer cogitou.

Em um grupo de ensaios intitulado “Teorias, Previsões e Diagnósticos”, há dois, “Segredos Descobertos” e “Ligue os Pontos”, em que ele discute os erros de vários serviços de inteligência. Eles não deveriam ter sido capazes de prever o ataque japonês a Pearl Harbor ou o ataque ao World Trade Center no 11 de setembro? Os gurus financeiros não deveriam ter antevisto o desastre da Enron? Mais uma vez, há vários paralelos com o poker. Muito do que fazemos na mesa de poker é colheita de informações. Por que será que falhamos com tanta frequência ao determinar quando nossos oponentes estão blefando e quando eles têm grandes mãos?

Gladwell cita o expert em segurança nacional Gregory Treverton, que diferencia quebra-cabeças de mistérios. Um quebra-cabeça é um problema que não pode ser resolvido sem mais informações. Cada peça nos deixa mais próximos de completar o quebra-cabeça. Um mistério, por outro lado, é um problema que pode ser resolvido com as informações de que já dispomos. Sua solução, contudo, requer a análise correta dos dados que já possuímos. Em alguns casos, podemos ter tantas informações que se torna necessário delimitá-las às que forem chave para a resolução da questão. Saber se um oponente está blefando ou não às vezes é um quebra-cabeça e às vezes é um mistério.



Você é mandado para uma nova mesa em um torneio e flopa top pair com top kicker. Há duas cartas do mesmo naipe no bordo. Você aposta quase o tamanho do pote, e um oponente que você nunca viu antes dá um raise forte. Ele está blefando ou semiblefando? Isso é claramente um quebra-cabeça. Você precisa de mais informações para tomar uma decisão. Talvez seja possível tirar conclusões com base na idade e no comportamento dele. Talvez seja possível fazê-lo uma pergunta cuja resposta revele algo sobre a mão dele. Agora, suponha que seja a mesma situação com um oponente que você conheça muito bem. Você sabe que ele blefa com frequência, e esse é o tipo de situação em que ele gosta de blefar. Ele sabe que você é um jogador conservador que é capaz de largar uma mão alta. Mas ele também sabe que você o conhece, e pode ficar desconfiado. Além disso, você sabe que ele tem se dado mal ultimamente, e tem plena certeza de que ele quer muito ficar ITM, e assim por diante. Esse caso é um mistério, não um quebra-cabeça. É preciso analisar todas as coisas que se sabe sobre ele, e selecionar aquelas que se aplicam a essa situação. Se você puder alinhar peças cruciais de informação, tomará a decisão correta.

Para concluir, quero enfatizar minha recomendação de que você deve ler alguns dos trabalhos de Gladwell. Ele é um bom jogador que tem ideias interessantes. Também lhe peço que você reflita e procure paralelos com o poker que podem ocorrer em muitas áreas distintas.

Steve Zolotow é um bem sucedido jogador e teórico de poker. Quando não está nas mesas, ele cuida de seus bares em Houston e Nova York.




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