EDIÇÃO 30 » COLUNA NACIONAL

Party People


Felipe Mojave

Eu sempre trago aqui na minha coluna jogadas contra profissionais conceituados. Dessa vez vou trazer uma mão contra o Nelly, famosíssimo músico americano de rap e hip-hop.

A jogada aconteceu no Main Event do PokerStars Caribbean Adventure (PCA) agora em 2010. O evento começou e, depois de cinco minutos, ele chegou e se sentou no small blind. E adivinhe quem era o big blind: eu! A questão aqui é: sei que ele joga poker, mas não faço ideia de qual seja o nível dele. Sei também que ele não tem muitas pretensões nesse evento, já que o negócio dele é outro (leia-se, marketing, curtição etc.).

O Main Event do PCA tem uma grande estrutura deep stack. Inicia com 30K em fichas e blinds de 60 minutos no primeiro dia e 75 minutos nos demais. Eu comecei meu evento acertando muitas mãos e apanhando no river, e essa mão contra o Nelly foi decisiva para mim no começo do torneio.

Cenário

Nelly vinha jogando muitas mãos, fosse entrando de limp ou abrindo raise. A questão aqui é que ele tinha mesmo um estilo próprio, ou seja, abria raises de 5 a 6 vezes o blind, às vezes com A-J e A-Q, e entrava de limp insistentemente com cartas que, por coincidência, vinham repetidamente. Outro fato interessante é que ele sempre apostava muito forte no flop, até com overbets, e se seu oponente desse call, ele dava check e desistia da mão, o que indicava que ele atacava muitas vezes, mas também desistia bastante.

Com blinds em 100-200, Nelly entrou de limp do cutoff e eu, que estava no dealer, dei call também com 6-6. Os blinds completaram, e o flop veio 689. O SB e o BB deram check, e Nelly disparou 650. Eu dei call e os demais largaram. O turn trouxe um K e ele disparou 2.000. Eu pensei bastante e dei call. O river trouxe um 5 e ele atirou 3.000. Eu pensei demais, demorei muito mesmo e dei o call.

Análise da Jogada

Pré-Flop

Decidi dar apenas o call com 6-6 do dealer, pois não queria encarecer o pote mesmo naquele momento. Jogando em posição para mim já era o bastante, e eu queria o SB e o BB no pote também nessa fase do torneio, aumentando assim os meus ganhos (odds e implied odds) caso eu viesse a acertar minha trinca.

Flop

No flop eu gosto muito da minha jogada, primeiro porque o meu call esconde totalmente minha mão e dá a entender que eu possivelmente estaria num draw (flush/straight). Lembrem-se que o flop foi 689. Por outro lado, muita gente pode dizer que, dando apenas call no flop, eu deixo o meu oponente ver o turn, e existem muitas cartas que podem me atrapalhar. Eu não acho que isso seja verdade, pois poucas vezes ele acertaria um draw nesse flop, mas eu considerei sim que ele pudesse ter T-7 e ter acertado uma sequência no flop, pois ele vinha entrando de limp com esse tipo de mão. Outra razão para eu ter dado o call apenas foi para possivelmente induzir algum movimento do SB ou BB num possível draw ou blefe, ou mesmo envolver um dos dois jogadores nesse pote.

Turn

Sendo o turn o K, uma carta que em nada muda a ação (blank), senti que realmente tinha o controle da situação depois da aposta forte dele de 2.000 fichas. Era a carta que eu estava esperando vir no turn, pois, caso ele tivesse blefado no flop, havia boas chances de ter acertado top pair agora, e foi por esse motivo que eu resolvi dar apenas call novamente e continuar dando linha para ele, já que eu tinha 100% de certeza que ele iria apostar forte no river. Outro fato interessante que observei foi que, naquele momento, eu eliminei qualquer possibilidade de flush draw para ele, mas ainda era possível que ele tivesse A-7 ou 7-8, por exemplo, como par e queda para sequência nas duas pontas. Eu não o estava subestimando, mas depois de três horas jogando contra o cara, eu já tinha um perfil completo desenhado na minha cabeça, e sabia que ele não era capaz de apostar no flop e no turn com um draw apenas.

River

O river trouxe um 5. Parecia que todo o meu planejamento tinha ido por água abaixo. Que viesse qualquer carta no river, mas uma que completava uma sequência, ainda mais com flush, era demais! Entendam: eu continuava sem me preocupar com o flush, mas essa era uma carta que poderia bloquear a ação, por um raciocínio muito simples: como eu vinha dando call no flop e no turn, poderia ser que ele tivesse me colocado em um flush draw (assim como 90% dos jogadores me colocariam naquela situação). Portanto, das piores cartas que poderiam bater no river, o 5 era a pior delas disparado!

Agora, sabendo que eu não tomaria call no river de mais nada praticamente, ficou muito difícil extrair valor dessa mão. É óbvio que, se eu soubesse que o river seria um 5, é claro que eu teria dado reraise no turn, assim como se o SB ou o BB tivessem engatado na jogada também.

Para minha completa surpresa, ele saiu apostando 3.000 fichas! Confesso que fiquei perdido por um momento e precisei de muito tempo pra reanalisar a jogada inteira. Depois de ir e vir diversas vezes pela jogada, teve algo que não saiu da minha cabeça: como é que ele poderia ter feito essa sequência e apostado no river se caiu a terceira carta de ouros, completando o flush draw? Repeti isso umas trezentas mil vezes e não consegui chegar a uma conclusão. Aliás, cheguei sim, a apenas uma conclusão: poderia ser uma blocking bet.

Então, a questão agora era: blocking bet com straight? Ou não? Pois, se ele não tinha o straight, era um fato real que ele sabia que estava perdendo a mão e que, com 6K no pote, eu poderia sim fazer uma grande aposta no river. Cumprindo esse raciocínio, eu acreditei que, se ele tivesse mesmo acertado a sequência, ele daria check-call no river. Não era possível que ele fizesse uma jogada tão sem sentido assim.

Conclusão

De acordo com a análise anterior, dando crédito a ele como bom jogador e colocando-o numa mão com a qual a jogada dele fizesse bastante sentido, eu dei o call. Minha leitura final foi de 8-9, A-K ou A-A. Essas foram as únicas mãos que me restaram para colocá-lo na jogada entrando de limp. E, para minha felicidade, eu estava correto, pois ele tinha 8-9. Eu sabia que pares médios e baixos ele defenderia dando raise em posição, mas eu realmente corria o risco dos suited-connetors e suited-connetors com gap, que eram as mãos favoritas dele para entrar de limp. Mas, como eu disse, não faria sentido algum ele apostar com a sequência no river, o que me ajudou bastante na leitura da jogada, que, por forças do destino, com aquele 5 caindo me faria dar check-behind e perder todo o valor.


Foi uma jogada muito interessante, que poderia ter várias nuances diferentes, e eu gostei muito do modo como explorei a jogada, por mais que eu pudesse tê-la feito diferente, o que, nesse caso, seria muito mais lucrativo, coisa que eu ainda considero uma mera coincidência, visto que um pote de 12K nessa altura do torneio era sim uma excelente aquisição.

Para galera que curte o Nelly, o cara é muito gente boa mesmo. Claro que muita badalação às vezes enche a paciência, mas eu gostei do modo como ele lidou com os fãs até o momento que ele pediu pra pararem de tirar fotos, pois era hora de ele se concentrar no torneio.

Um grande abraço para galera da CardPlayer Brasil, e eu queria agradecer pela torcida incondicional pelos meus Twitters @FelipeMojave e @PartyBrasil. Muito obrigado também à galera que sempre acompanha o meu blog, partypokerbrasil.com.

Que venham os próximos eventos, já que o ano só está começando e eu vou arrebentar em 2010, pode anotar!




NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×