Você não pode desenvolver totalmente seu jogo sem sair de sua zona de conforto. O termo “zona de conforto” geralmente se aplica aos limites em que você joga, e muitas autoridades recomendam que você permaneça dentro deles. Se os limites forem muito baixos, você vai ficar entediado e descuidado. Se forem muito altos, você vai ficar com medo e indeciso.
Você também tem zonas de conforto para limit/no-limit/pot-limit, stud/Omaha/hold’em, o número de oponentes e seus estilos de jogo, torneios versus cash games, jogadas específicas e seu estilo geral de jogo.
Eu vou me ater à sua zona de conforto com relação ao estilo porque é extremamente difícil mudá-lo, e isso afeta praticamente tudo. Por exemplo, se você for conservador, vai se sentir mais confortável e obter melhores resultados em cash games low-limit full-table. Você pode esperar por boas cartas e jogá-las de forma previsível, o que lhe dá uma vantagem sobre jogadores loose e irresponsáveis.
Se você subir para limites maiores, mudar para no-limit ou jogar em mesas shorthanded ou torneios, deve agir de forma mais agressiva e aplicar indução a erro. Caso contrário, os oponentes mais difíceis vão passar por cima de você, ou então os blinds vão lhe devorar.
Você pode saber o que deve fazer, mas não ser capaz de lidar com o desconforto de mudar. Para superar as poderosas forças que lhe mantêm preso aos velhos hábitos, vamos discutir três questões:
1. Qual é sua zona de conforto?
2. Como ela afeta seu jogo e seus resultados?
3. Como você pode sair dela?
Definição
Sua zona de conforto consiste nas situações e ações que parecem naturais e fazem com que você se sinta á vontade. Quanto mais você se distanciar dela, mais desconfortável vai se sentir. Ela é bastante individual, pois seus sentimentos são diferentes dos das outras pessoas. Você pode se sentir confortável fazendo coisas que me deixariam extremamente desconfortável, e vice-versa.
Se definirmos “racional” como “tentar extrair lucros máximos no longo prazo”, seu desejo de se sentir confortável é basicamente irracional. Você em geral paga um alto preço no longo prazo para evitar o desconforto no curto prazo.
O Dilema da Zona de Conforto
Você normalmente vai obter os melhores resultados no curto prazo ao permanecer em sua zona de conforto, mas, caso você jamais se aventure, não vai desenvolver as qualidades de que precisa para:
• Aumentar seus lucros em seu(s) jogo(s) atual(is)
• Subir de nível e obter lucros ainda maiores
• Ganhar em outros tipos de mesas
• Ajustar-se a circunstâncias que se modificam
Por exemplo, se você nunca jogar em limites acima dos de sua zona de conforto, obviamente não poderá desenvolver as habilidades necessárias para vencer mesas mais caras. Se você nunca jogar em mesas shorthanded, não poderá ser bem sucedido em torneios nem explorar mesas shorthanded fáceis. Se você não experimentar jogadas desconfortáveis, irá se deparar com situações que exigem moves que você não está disposto a fazer ou não sabe fazer.
O equilíbrio ideal entre a maximização dos lucros atuais e seu autodesenvolvimento depende de seus motivos. Se você estiver satisfeito com seus resultados e não quiser sacrificar muito para melhorá-los, passe a maior parte de seu tempo na sua zona de conforto.
Quando mais valor você atribuir ao desenvolvimento de seu jogo, mais frequentemente você deve sair de sua zona de conforto, mas deve compreender e aceitar o preço: seus lucros no curto prazo possivelmente vão diminuir, e você certamente se sentirá desconfortável, talvez até demais.
Resistindo às Mudanças
Milhões de anos de evolução e os seus próprios genes e experiências programaram seu corpo e mente para resistir a mudanças. Seu corpo possui mecanismos para resistir a mudanças na temperatura, pressão sanguínea, variações químicas e muitos outros fatores. Na verdade, seu corpo codifica a maioria das mudanças como “ameaças” e automaticamente resiste a elas.
Defesas comportamentais e psicológicas não são claramente definidas e automáticas, mas são extremamente poderosas. O Dr. Daniel Kessler, psicólogo clínico, me enviou um e-mail: nós nos sentimos “seguros em nossas rotinas... Nossos hábitos são tidos como inerentemente ‘corretos’, muito embora saibamos que não o são”.
Nós autores de poker geralmente presumimos (em regra sem pensar a respeito) que nossos leitores têm como motivo principal ou único a maximização de seus lucros no longo prazo. Nós lhes dizemos o que fazer e presumimos que eles irão seguir nossos conselhos. Mas os lucros dos jogadores são reduzidos quando se fazem jogadas confortáveis, mas com EV [valor esperado] negativo. Milhares de estudos psicológicos provam por que fazemos isso. Recompensas e punições no curto prazo — mesmo que triviais — têm impacto muito maior sobre nós do que recompensas e punições maiores, porém demoradas.
Por exemplo, apesar da enorme quantidade de informações e pressão social, a maioria dos adultos norte-americanos está acima do peso. O prazer e a dor imediata de comer e se exercitar têm efeitos muito maiores que ataques cardíacos, pressão alta, diabetes e outros efeitos de longo prazo relacionados à obesidade.
Milhões de pessoas fumam, inclusive muitos médicos, apesar de saberem que estão se matando. Como muitas pessoas encurtam suas vidas e prejudicam sua saúde por prazeres extremamente pequenos de curto prazo, não presuma que você seja mais racional em relação a suas fichas de poker.
Recompensas e punições no curto prazo no poker são ainda mais poderosas do que na maior parte das outras atividades, pois a sorte obscurece a correlação entre causa e efeito que existe entre as ações e as consequências no longo prazo.
Na maioria das situações, “as pessoas aprendem melhor ao praticar e corrigir... Mas, infelizmente, não funciona com o poker – de jeito nenhum. Muitas vezes os resultados independem de suas ações... Você agiu corretamente, mas o resultado foi desastroso... Outras vezes... sua atitude foi incorreta, mas o resultado foi fantástico” (Small Stakes Hold’em, Raise Editora, páginas 16 e 17).
A relação entre suas ações e suas consequências no longo prazo é ainda mais dura em mesas difíceis. Você pode derrotar oponentes fracos apenas jogando um poker básico. Mas, em mesas difíceis, você precisa fazer jogadas enganosas para confundir seus adversários, e as jogadas mais enganosas são erros teóricos.
Você geralmente sacrifica certo EV ao cometer um erro teórico, e não pode ter certeza de que a confusão que você criou vai recuperar esse valor esperado perdido. Você pode jamais saber se um erro deliberado que você cometeu hoje fez com que um oponente cometesse um erro maior mais tarde na sessão, ou mesmo na semana seguinte.
A maior parte das relações entre causa e efeito são muito mais claras. Se você comer muito, sabe que vai ganhar peso. Como você não é capaz de relacionar diretamente muitas ações do poker a suas consequências no longo prazo, o incentivo da mudança é diminuído e o valor percebido ao sair de sua zona de conforto pode não ficar claro.
A resistência às mudanças também dependem dos riscos perceptíveis de mudar. Há dois tipos de riscos: financeiros e psicológicos. Agir de forma diferente do usual pode lhe custar dinheiro e fazer com que você se sinta tolo ou embaraçado. Quanto mais baixos forem ambos os tipos de riscos, mais aberto você estará a aceitá-los.
Reduzir os riscos é um elemento essencial de muitas formas de psicoterapia, especialmente na terapia de grupo. Você pode experimentar diferentes tipos de raciocínios e ações sem se sentir envergonhado ou ser “punido”. Você pode não querer aplicar um conceito de terapia de grupo ao poker, mas é dever do terapeuta mudar o comportamento dos pacientes. Inúmeras evidências provam que você está mais propenso a correr riscos pequenos do que grandes.
Os riscos de experimentar, os custos de cometer erros teóricos, o maior impacto de consequências no curto prazo e as obscuras relações entre causa e efeito são as forças primárias que lhe impedem de sair de sua zona de conforto. Colunas futuras irão sugerir maneiras de superar tais forças. ♠
Para aprender mais sobre você e os outros jogadores, você pode adquirir a Trilogia de Psicologia, disponível em português pela Raise Editora.