EDIÇÃO 27 » COLUNA INTERNACIONAL

EPT Londres 09

Um exemplo de mão avançada (e de descrença)


Felipe Mojave

A mão que vou comentar nesta edição foi a que me tirou do torneio. Eu a escolhi por ter ouvido muito sobre ela – foi bastante polêmica, é verdade. A maioria dos jogadores com quem comentei a mão julgou-a desnecessária e/ou over-agressive, apesar de terem achado muito bem jogada e arquitetada.

O EPT Londres tem stack inicial de 30k. Naquele momento, os blinds estavam em 150-300. Eu tinha 19k depois de duas mãos bem infelizes, em que perdi dois potes grandes com trinca no flop para oponentes com flush draws que acabaram batendo.

Vamos à ação: com nove jogadores na mesa, o UTG abre raise de 750, o UTG+1 dá call e o MP também. A ação chega até mim no small blind e eu completo mais 600 com 6 4, pois sabia que não havia a menor possibilidade de o big blind (um holandês que jogava realmente muito duro) aplicar um squeeze – e ele também resolve dar call.

Desse modo, cinco jogadores viram o flop com Q J 4. O pote tinha 3.750 e, depois de eu dar mesa, o holandês disparou 2.100. O UTG e o UTG+1 deram fold, e o MP, que só tinha dado call pré-flop sendo o terceiro a falar, também deu call. Ele era um nórdico e já tinha feito diversas jogadas bem agressivas na mesa, mostrando que não tinha medo de jogar potes grandes, inclusive fora de posição. Outra coisa que eu tinha percebido nele era que, quando tinha grandes mãos, ele procurava dar slowplay, e quando não tinha nada, apostava forte. Ele deu call de 2.100, e a ação chegou até mim.

Eu sei que, aqui, 99% dos jogadores dariam fold se tivessem a minha mão, pois diriam que eu estaria inventando algum tipo de jogada desnecessária caso resolvesse continuar na mão. Mas a verdade é que eu percebi uma grande oportunidade para arrecadar fichas (vocês vão ver os números logo adiante), já que o holandês era weak e, na maioria das vezes, abriria apostando com top pair e daria fold para um reraise. O nórdico também não seria uma grande ameaça, demonstrando estar em um draw no flop como T9 ou KT, pois jogou passivamente a mão, dando o call em posição esperando que mais alguém lhe desse odds entrando na mão. Havia a possibilidade de ele estar dando float na jogada, também com posição sobre do holandês, com o mesmo raciocínio que eu tive – que era bem óbvio. Eu jamais acreditaria que ele tivesse uma trinca naquela situação, pois, pelo seu perfil de jogo, se ele tivesse JJ ou QQ, normalmente daria reraise pré-flop. Trinca de quatros seria mais improvável ainda, pois ele precisaria ter na mão os dois últimos quatros do baralho, já que eu tinha um deles. Anotem aí: jogadores ultra-aggressive não têm o perfil de mudar de marcha, justamente para maximizar seus ganhos quando acertam uma grande mão. Faz parte da estratégia deles, principalmente da dos nórdicos (há pouquíssimas exceções nessa lista). Sendo assim, eu estava mais do que convencido de que ele tinha uma mão fraca para o contexto da situação.

Com esse conceito em mente, resolvi dar reraise para 5.100 no flop, depois de pensar nisso tudo duas vezes. Assim como era esperado, o holandês deu fold na hora. E o nórdico, sem nem pensar, deu call na minha volta – o que mais uma vez me mostrou que ele tinha um draw, pois ele era aquele jogador de perfil de pensar muito quando tem um jogo grande (outra tell). Nesse caso, se ele tivesse a trinca, ia pensar, pensar e dar call, tenho certeza. Sei também que ele seria capaz de me dar um outplay caso o straight viesse e ele estivesse dando float. Talvez ele tenha analisado sua equidade de float enquanto eu estava pensando na mão e, por isso, tenha dado insta-call no meu reraise no flop. No turn veio um 5, que agora me deixava no flush draw também. Antes de eu tomar minha decisão, mais uma vez pensei bastante e cheguei a mais uma conclusão: ele poderia ter AQ ou KQ. É o tipo de mão com que ele nunca daria fold pré-flop e talvez não fosse capaz de largar no flop com tanta facilidade, mesmo com ação em cinco jogadores – mas ninguém em sã consciência pagaria um all-in no turn nessas condições tão desfavoráveis. Enfim, esse era o tipo de mão que ele também poderia ter naquela situação (além, é claro, do KT e T9 que eu já tinha previsto). O float foi para o espaço, já que o 5 não era uma carta perigosa.

Na concepção geral da mão, é lógico que eu estou representando um QJ ou trinca de quatros, pois são exatamente os tipos de mãos com que eu iria completar o small blind – além, obviamente, de Q4 e J4. Sendo assim, em minha opinião, o range que eu estava representando se eu fosse all-in expulsaria qualquer draw, bem como AQ e KQ. Caso ele viesse a desconfiar que eu estivesse blefando – o que seria extremamente improvável num pote com cinco pessoas – e desse call dentro do range em que eu estava lhe colocando (AQ ou KQ), eu ainda teria 14 outs para acertar a minha mão no river (qualquer par, trinca ou ouros). E o pote de 16.050 fichas era muito valioso para mim nessa altura do torneio, pois eu tinha 13.150 fichas para trás e uma enorme taxa de takedown no turn, já que ele tinha aproximadamente 20k fichas. Sem showdown, meu incremento no stack com essa jogada era de 84%, o que a tornaria muito efetiva. Analisando o range em que eu coloquei o oponente e a defesa da minha mão caso eu viesse a tomar um call definitivamente não planejado, o meu percentual de vitória seria de 32% contra o range estipulado, num pote de 42.350, ou seja, 3,22-para-1, o que tornaria a minha equidade neutra se tomasse call.

Depois de analisar todos esses fatores, resolvi ir all-in numa arquitetura bem desenvolvida que, a meu ver, era muito lucrativa. Em outras palavras, até se tomasse call teria uma equidade neutra, mas o risco de isso acontecer era baixo, levando em conta o meu range no small blind, o range dele em MP dando apenas call pré-flop etc. Assim, mandei 13.150 num pote de 16.050.

Ele demorou 5 segundos para dar o call e apresentar KK. Juro que abri uma cara de espanto enorme e pensei comigo: Como é que ele só deu call pré-flop fora de posição com KK, com a mesa inteira para falar depois dele? Como é que ele não deu fold no KK no flop, depois de um check-raise do small blind num pote com cinco pessoas? Como é que, depois de tomar um check-raise do small blind num pote assim no flop, ele dá quase que um call instantâneo no turn pela vida dele no torneio?

Bem, eu não consegui entender até agora o que ele estava fazendo com aquela mão naquela altura da jogada, e agora era torcer para que eu acertasse um dos meus 14 outs e voltasse forte para o jogo com 141 big blinds. Infelizmente, o river foi um A, e eu fui eliminado.

Realmente fiquei indignado, pois não acredito que, nesse caso, eu tenha aplicado algum tipo de over-thinking na jogada. Fiquei bem espantado com o showdown dele: tudo fazia pleno sentido pra mim, menos aquele showdown. Zac Fellows e Jason Mercier, que deram fold no flop, gostaram muito da jogada, e ambos tinham me dado trinca de quatro ou QJ, e ficaram bem espantados com o call e o showdown do rapaz, já que seria muitíssimo improvável que eu resolvesse blefar no turn naquela situação. Confesso que, se o turn não fosse o 5, eu teria dado check-fold e desistido do semiblefe, mas não acredito que eu tenha inventado a roda nessa jogada, não – pelo contrário, acho que joguei muito bem.

É aí que entra uma velha discussão, que tenho muitas vezes com o Alexandre Gomes, André Akkari, Thiago Decano: seria essa jogada desnecessária? Foram unânimes os comentários de que a mão foi belíssima. É por essas e outras que o poker é um jogo tão fascinante, e quem lê e entende os conceitos dessa mão vai ter a certeza de que o Texas Hold'em nunca pode ser considerado um jogo de azar. Aliás, o meu azar foi ter tomado call daquele nórdico maluco e descrente.

Enfim, agora é partir para meu próximo torneio live: o PartyPoker World Open V, também em Londres. Acompanhem a ação no meu twitter, @PartyBrasil, e no meu blog, partypokerbrasil.com. Já vou avisando que jogarei todas as etapas do LAPT e vou ser o melhor jogador desta temporada, pois estou com a faca nos dentes!




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