A mão que vou comentar nesta edição foi a que me tirou do torneio. Eu a escolhi por ter ouvido muito sobre ela – foi bastante polêmica, é verdade. A maioria dos jogadores com quem comentei a mão julgou-a desnecessária e/ou over-agressive, apesar de terem achado muito bem jogada e arquitetada.
O EPT Londres tem stack inicial de 30k. Naquele momento, os blinds estavam em 150-300. Eu tinha 19k depois de duas mãos bem infelizes, em que perdi dois potes grandes com trinca no flop para oponentes com flush draws que acabaram batendo.
Vamos à ação: com nove jogadores na mesa, o UTG abre raise de 750, o UTG+1 dá call e o MP também. A ação chega até mim no small blind e eu completo mais 600 com 6♦ 4♦, pois sabia que não havia a menor possibilidade de o big blind (um holandês que jogava realmente muito duro) aplicar um squeeze – e ele também resolve dar call.
Desse modo, cinco jogadores viram o flop com Q♠ J♦ 4♣. O pote tinha 3.750 e, depois de eu dar mesa, o holandês disparou 2.100. O UTG e o UTG+1 deram fold, e o MP, que só tinha dado call pré-flop sendo o terceiro a falar, também deu call. Ele era um nórdico e já tinha feito diversas jogadas bem agressivas na mesa, mostrando que não tinha medo de jogar potes grandes, inclusive fora de posição. Outra coisa que eu tinha percebido nele era que, quando tinha grandes mãos, ele procurava dar slowplay, e quando não tinha nada, apostava forte. Ele deu call de 2.100, e a ação chegou até mim.
Eu sei que, aqui, 99% dos jogadores dariam fold se tivessem a minha mão, pois diriam que eu estaria inventando algum tipo de jogada desnecessária caso resolvesse continuar na mão. Mas a verdade é que eu percebi uma grande oportunidade para arrecadar fichas (vocês vão ver os números logo adiante), já que o holandês era weak e, na maioria das vezes, abriria apostando com top pair e daria fold para um reraise. O nórdico também não seria uma grande ameaça, demonstrando estar em um draw no flop como T9 ou KT, pois jogou passivamente a mão, dando o call em posição esperando que mais alguém lhe desse odds entrando na mão. Havia a possibilidade de ele estar dando float na jogada, também com posição sobre do holandês, com o mesmo raciocínio que eu tive – que era bem óbvio. Eu jamais acreditaria que ele tivesse uma trinca naquela situação, pois, pelo seu perfil de jogo, se ele tivesse JJ ou QQ, normalmente daria reraise pré-flop. Trinca de quatros seria mais improvável ainda, pois ele precisaria ter na mão os dois últimos quatros do baralho, já que eu tinha um deles. Anotem aí: jogadores ultra-aggressive não têm o perfil de mudar de marcha, justamente para maximizar seus ganhos quando acertam uma grande mão. Faz parte da estratégia deles, principalmente da dos nórdicos (há pouquíssimas exceções nessa lista). Sendo assim, eu estava mais do que convencido de que ele tinha uma mão fraca para o contexto da situação.
Com esse conceito em mente, resolvi dar reraise para 5.100 no flop, depois de pensar nisso tudo duas vezes. Assim como era esperado, o holandês deu fold na hora. E o nórdico, sem nem pensar, deu call na minha volta – o que mais uma vez me mostrou que ele tinha um draw, pois ele era aquele jogador de perfil de pensar muito quando tem um jogo grande (outra tell). Nesse caso, se ele tivesse a trinca, ia pensar, pensar e dar call, tenho certeza. Sei também que ele seria capaz de me dar um outplay caso o straight viesse e ele estivesse dando float. Talvez ele tenha analisado sua equidade de float enquanto eu estava pensando na mão e, por isso, tenha dado insta-call no meu reraise no flop. No turn veio um 5♦, que agora me deixava no flush draw também. Antes de eu tomar minha decisão, mais uma vez pensei bastante e cheguei a mais uma conclusão: ele poderia ter AQ ou KQ. É o tipo de mão com que ele nunca daria fold pré-flop e talvez não fosse capaz de largar no flop com tanta facilidade, mesmo com ação em cinco jogadores – mas ninguém em sã consciência pagaria um all-in no turn nessas condições tão desfavoráveis. Enfim, esse era o tipo de mão que ele também poderia ter naquela situação (além, é claro, do KT e T9 que eu já tinha previsto). O float foi para o espaço, já que o 5♦ não era uma carta perigosa.