EDIÇÃO 21 » COLUNA NACIONAL

Usando o Conceito de Ranges Para se Proteger

Situações de Blefe e Potes com Reraise


Christian Kruel

Dando continuidade às nossas conversas sobre ranges, podemos dizer que existem diversas formas de se defender numa mão, seja protegendo seu jogo, tirando odds de seus oponentes, criando uma imagem na mesa ou até mesmo escolhendo determinados adversários para disputar potes. Porém, independentemente da estratégia que você escolher, colocá-la em prática nem sempre é tarefa fácil.

Explicarei como usar o conceito de ranges para criar estratégias específicas, voltadas para situações de jogo que enfrentamos corriqueiramente.

O processo de elaboração da estratégia é sempre o mesmo. Por isso, apresentarei um exemplo específico de como construir uma determinada linha de raciocínio que, de forma geral, serve para que todos vocês possam criar suas próprias estratégias daqui para frente.

Escolhi uma situação de blefe por ser uma jogada comum, mas cujos efeitos são devastadores para a grande maioria dos jogadores. Vamos enten-der um pouco mais sobre ele, e acerca de como usar o conceito de ranges para se defender.

DE QUE MODO O BLEFE LHE MACHUCA?
A resposta previsível é dizer que essa jogada lhe custou um pote que deveria ter sido ganho por você, mas não foi. Simples e óbvio? Nem tanto...

Suponha que você tenha QJ off e o flop traga J87. Seu oponente aposta $6 num pote de $8, você dá raise para $20 e ele vai all-in com $100 fichas. Você pensa um pouco e joga fora as cartas. Ele mostra A6 e leva o pote. Seu oponente blefou contra você, mas isso não lhe custou apenas o pote... Veja bem, caso você pagasse, colocaria $80 para ter 53% de chance de levar um pote de $208, o que lhe daria um lucro de $31,25. Portanto, além do pote de $128 que já existia, o blefe lhe custou $31,25 extras.

Por outro lado, não havia como você saber que ele tinha um flush draw. Ele poderia ter uma trinca, um overpair, valetes com kickers melhores. Contra uma gama composta por JJ+, 88-77, AJs, A6, KJs, QJs, JTs, AJo, KJo, QJo, JTo, seu QJ tem menos de 27% de equidade e, nesse caso, seu fold lhe faria economizar mais $25 no longo prazo.

Ainda que o pote seja jogado até o river, quando você criteriosamente coloca seu oponente num range de mãos possíveis, um fold teoricamente incorreto diante um blefe ocasional pode fazer você economizar um bom dinheiro no longo prazo.

Assim, se você quer se tornar um jogador vencedor, precisa aceitar o fato de que perder ocasionalmente para ble-fes é quase uma necessidade e que, no longo prazo, caso esteja raciocinando corretamente, será vantajoso. Um dos truques é não tentar cortar os blefes e deixar que eles ocorram naturalmente, evitando que as pessoas percebam seu desconforto e passem a blefar com mais frequência sobre você.

DEFESAS RUINS
A defesa mais direta contra o blefe é o call. Ela funciona principalmente contra oponentes que blefam repetidas vezes. Porém, é incrivelmente simples de ser explorada: basta seu oponente parar de blefar...

O call é uma defesa especialmente fraca se vocês ainda não tiverem chegado ao river, porque é possível se deparar com novas bets. Mesmo que você detecte um possível blefe no flop e dê um call correto, poderá enfrentar mais apostas no turn e no river. Também se corre o risco de ver seu oponente acertar a mão. Ainda que ninguém acerte o bordo, este pode trazer cartas tão ruins (como quatro de um mesmo naipe, por exemplo) que uma simples bet do oponente o obrigaria desistir da mão.Outra defesa bastante fraca é a blocking bet – uma aposta pequena, feita no intuito de evitar que seu adversário coloque uma aposta maior se você pedir mesa. Essa defesa é facilmente explorável porque os oponentes conseguem identificar esse tipo de aposta e passam a aumentar contra você com frequência, executando raises tanto blefando quanto pelo valor, fazendo sua blocking bet lhe custar uma aposta adicional.

Ainda que sua blocking bet não tome raise, ela provavelmente só receberia calls por mãos melhores e, assim, não seria uma defesa muito eficiente contra blefes.

EXPLORANDO SEU RANGE
Para descobrir o verdadeiro custo de um fold numa situação de possível blefe, é preciso considerar o range inteiro de mãos que seu oponente pode estar segurando. O próximo passo é construir uma defesa contra essa gama usando o seu próprio range. O oponente pode suspeitar que você tem um top pair, mas não tem como saber que seu kicker é ruim, por exemplo. Ele deve tomar decisões baseado num possível range de mãos que você pode ter, e o mesmo vale para você em relação a ele.

Pergunte-se se essa maneira de agir se encaixa na sua forma de jogar mãos fracas ou fortes no seu range. Não há problema em sofrer um blefe quando estamos na parte fraca do nosso range. O consolo é que procederemos de maneira muito seme-lhante quando ele tentar novamente o blefe contra um range de mãos fortes – e é aí que levaremos as fichas dele.

Voltemos ao exemplo do QJ off num flop com J87. Examine agora a situação pela perspectiva do seu oponente: ele apostou e você deu raise. Há algum motivo para ele pensar que um reraise fará você dar fold? Após o seu raise, ele deveria considerar uma sequência, dois pares, uma trinca ou até mesmo um overpair. QJ seria uma das piores mãos do seu possível range naquele momento. Isso significa que ele não tem muito como explorar o fold de um QJ off nesse tipo de situação. Logo, seu oponente terá problemas caso adote essa estratégia repetidamente, nessa circunstância.
Considere outra situação em que o medo do blefe impede o desenvolvimento de um jogo de bom nível. O button abre raise do tamanho do pote ($7). No small blind, você volta reraise do tamanho do pote ($23) com KK. Ele paga. O flop vem A-Q-9.

Muitos jogadores sairão apostando, sem expectativas de que mãos melhores larguem e as piores dêem call, como deveria ser. Eles simplesmente apostam por medo de que o check induza o oponente a colocar fichas no pote por causa do ás, numa aposta que terão medo de pagar.

Essa parece uma situação meio morta, já que não dá para imaginar um cenário lucrativo no qual você dê 3-bet (reraise) com KK, receba um call, e um ás apareça no flop...

Porém, na verdade, a questão não é “como jogar KK num pote em que dei 3-bet com um ás no flop” e sim “como jogar meu range inteiro num pote que dei 3-bet com um ás no flop”. Como jogar seu par de reis é apenas parte do problema, o qual só será mais bem solucionado quando você levar em conta seu range inteiro nessa situação.

Vamos considerar que seu range para 3-bet nessa situação é AT+, TT+ e, ocasionalmente, mãos mais fracas como suited connectors. Você precisa vislumbrar uma maneira lucrativa e equilibrada para jogar cada uma dessas mãos.

Considerando que você é o primeiro a falar no flop, suas opções são: a) apostar, pedir mesa e dar call numa bet; b) pedir mesa e dar fold diante de uma bet ou; c) pedir mesa e dar raise numa bet. Quando você não tem nada (como suited connectors que não acertaram o flop), provavelmente apostará para representar o ás e levar o pote com um blefe. Isso significa que será necessário apostar com algumas mãos fortes, de forma a dar credibilidade aos seus blefes. AK, AQ e QQ são fortes o suficiente para fazermos isso. Apostando com essas mãos, construímos o pote e protegemos nossos blefes.

Outra mão também muito forte é AA, mas talvez um pouco demais... Seu oponente dificilmente terá uma mão para lhe dar ação e, nesse caso, o slowplay é uma jogada mais eficiente, e pedir mesa, mais indicado. Mas com que outras mãos daríamos check e por quê? AT, AJ e KK continuam sendo fortes, mas se você apostar com elas, talvez não consiga ação de mãos piores. Então, também elas são boas candidatas ao check para induzir o oponente o blefar – algo que ele provavelmente só não fará se estiver segurando uma mão muito fraca ou um TT-JJ com intenção de dar fold diante de uma bet, já que, com duas overcards na mesa, essas mãos perdem valor.

Entretanto, temos um problema: você dá check e call com KK no flop, que está mais ou menos no meio de seu range para check-call agora. Mas o que você fará no turn? Par de reis agora é a mão mais fraca possível na sua gama e, caso haja uma aposta, talvez seja preciso dar fold. Ele pode estar blefando, mas acabará se lamentando nas vezes que você estiver segurando AT-AJ ou quando der check-raise no turn com AA.

Perceba que uma estratégia assim não apenas protege suas mãos fracas, como gera ação para as fortes. Quando você não tiver nada, aposte blefando. Seu oponente não poderá explorar isso pagando ou aumentando sem nada, porque você também estará apostando com mãos muito fortes. Você dará check com KK com a intenção de eventualmente largar, mas seu oponente não conseguirá tirar vantagem disso com um blefe, porque às vezes você terá AT-AJ ou AA.

CONCLUSÃO
O importante aqui é não se preocupar em aprender os detalhes dessa estratégia particular para potes com reraise. Fundamental nessa situação é prestar atenção à forma como essa linha de raciocínio foi construída e como ela pode lhe proteger de eventuais blefes. Sim, você pode ser pego blefando, mas se consolará com o fato de que não vai custar tanto e que, numa outra oportunidade, você poderá “dar o troco” da melhor forma possível!




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