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Aces - O Tenista Bruno Soares e a Paixão pelo Poker


Marcelo Souza
Depois que Gustavo Kuerten se aposentou, o tênis brasileiro ficou carente de ídolos e de títulos. Foram 11 anos sem títulos de um Grand Slam. O fim do jejum acabou em 2012, pelas mãos de Bruno Soares no U.S. Open. O mineiro, então com 31 anos, venceu nas duplas mistas com a russa Ekaterina Makarova. Surgia um novo postulante a ídolo — condição afirmada neste ano.

Com os dois títulos no Australia Open 2016, ele passou a ser apontado como o melhor duplista da história do tênis brasileiro. No currículo, 25 títulos, sendo três Grand Slams. Apaixonado por poker, Bruno conversou exclusivamente com Card Player Brasil sobre a profissão, o cenário esportivo brasileiro e, claro, poker.
 
Marcelo Souza: No Brasil, é comum que todo garoto sonhe em ser um jogador de futebol. Como surgiu o seu interesse pelo tênis?
 
Bruno Soares: Eu tive uma pequena influência da minha família. Na verdade, meus pais jogaram tênis por um breve momento. E naquele momento, eu tinha cinco anos e comecei a frequentar o clube com eles. Sempre acabava na jogando com os dois.  E aí eu me interessei pela coisa. Depois de um tempo, eles pararam um pouco de jogar, preferiram outras atividades. Mas comigo foi diferente. Desde o meu primeiro contato com a raquete, nunca mais larguei, me apaixonei pelo esporte — e desde os cinco anos estou aí até hoje, tentando aprender (risos).
 
MS: E o processo de profissionalização até os dias atuais?
 
BS: É um processo longo, são vários anos. Por volta dos 15 anos, comecei a ter uma vontade de virar um tenista profissional. Eu percebi que, de certa forma, eu era um pouco diferenciado do pessoal aqui no Brasil. Geralmente, eu era melhor do que a maioria. Comecei a disputar torneios sul-americanos, na Europa, e percebi que tinha potencial.  Com 18 anos, bateu aquela dúvida: ir direto para o profissional ou ir pros Estados Unidos e fazer uma faculdade através do tênis? Fiquei com a primeira opção. Não sei se foi uma decisão acertada. Hoje, 15 anos depois, vendo os meus resultados, é fácil falar, mas, como no poker, não podemos ser orientados pelo resultado. De lá pra cá muita coisa aconteceu. Foi uma caminhada muito longa, quase larguei o tênis, mas em 2008, quase oito anos depois de me profissionalizar, consegui chegar ao topo.
 
MS: Assim como os jogadores de poker, atletas de alto nível têm que abdicar de muita coisa na vida. Às vezes, fica difícil até para estudar. Como foi isso para você?
 
BS: Os meus pais sempre deixaram bem claro que me apoiariam em qualquer decisão, mas que o requisito mínimo para tentar alguma coisa era terminar o segundo grau. Dali pra frente, a gente ia sentar e olhar a possibilidade de ser um tenista profissional ou ir pra faculdade. Sempre deixaram claro que iam avaliar as possibilidades. Quando decidi me tornar um tenista, eles me mostraram os prós e os contras, mas sempre me apoiaram demais nisso aí. 
 
MS: E Como que foi seu primeiro contato com o poker? 
 
BS: Em 2005, tive uma lesão complicada no joelho, que me afastou das quadras por dois anos. Eu não sabia que a lesão seria tão grave. Tive que parar de viajar e ficar apenas em Belo Horizonte, e o meu grupo de amigos, que é o meu grupo do tênis, costumava jogar poker. Foi lá que os caras me ensinaram as regras. Não tem nada melhor que poker entre amigos. Apaixonei-me muito rápido pelo jogo e percebi logo que era um jogo de estratégia, inteligência e que ia muito além das cartas. Naquela época, como meu tratamento ocupava apenas a manhã e uma parte da tarde, eu ficava com muito tempo livre, e foi então que comecei a estudar. Li alguns livros, criei conta nos principais sites da época e a disputar os torneios que começavam a aparecer em Belo Horizonte, como o Campeonato Mineiro. Conheci muitas pessoas naquele tempo, inclusive vários são referências hoje, como o Rafael Caiaffa, João Simão, Caio Pimento, Sanyo...  Caras que tive o prazer de ver nos primórdios do poker. Eu ainda estou longe de dominar o jogo, mas continuo apaixonado pelo poker.  
 
MS: Fazendo um paralelo entre o tênis e o poker. O tênis é considerado um esporte de elite. Por quê? E isso pode mudar?
 
BS: Acho que já mudou bastante. Aqui, no Brasil, ele é considerado elitista porque é jogado nos clubes. E pra você frequentar um clube você tem que ser sócio, ter uma condição financeira bacana etc. O grande lance para você popularizar o esporte é dar acesso às pessoas. Então você tem que levar o tênis a todos. E é o que a gente está tentando fazer: levar o tênis às comunidades carentes, criar projetos sociais envolvendo o tênis. O material, de certa forma, também é caro, mas acho que isso a gente consegue suprir com vontade, com doação de material, patrocínio e por aí vai. O importante é a pessoa ter acesso à quadra de tênis, nem que seja um espaço, um paredão. É isso que vai difundir o tênis. Uma cidade como são Paulo, por exemplo, deveria ter pelo menos umas 200 quadras públicas a mais para as pessoas. 
 
MS: E quanto ao poker?
 
BS: O poker é sensacional porque é extremamente democrático. A partir do momento que você paga o buy-in, você pode jogar na mesa com qualquer pessoa. Posso ir para um BSOP jogar na mesa com o Akkari, por exemplo. E o fantástico é que isso pode ser conseguido de graça ou quase de graça. Quantos satélites grátis ou a um preço bem acessível cada etapa do BSOP oferece? 
 
MS: No Oscar deste ano houve um boicote de vários atores à cerimônia devido ao suposto descaso da Academia com os atores negros. Isso trouxe novamente a questão: até que ponto vai o racismo? Se observarmos esportes como o tênis, poker e automobilismo, o número de negros em destaque é muito pequeno. Qual sua opinião sobre isso?
 
BS: No poker, para mim, é difícil falar, uma vez que eu não vivo esse dia a dia. Na parte do tênis, dentro do circuito, posso dizer que o racismo é zero. Nós, atletas, consideramos raça uma das coisas mais idiotas já criadas. Cada um tem seus gostos, costumes, mas no final das contas somos todos seres humanos. Infelizmente, em pleno século XXI, ainda temos pessoas que são racistas e temos situações desagradáveis que acontecem nessa linha. Mas eu acho que isso é uma minoria. Isso é tão contra os princípios da sociedade que essas pessoas não têm espaço. Qualquer ato de racismo é duramente criticado. Agora, falar o porquê de não termos mais jogadores negros, acho que é preciso um estudo. É possível que os negros prefiram outros esportes? Que tenha mais talento para outros esportes? Nos EUA, por exemplo, os negros dominam os esportes mais populares, como o basquete e o futebol americano. Você vê que eles têm uma genética privilegiada, são muito atléticos, fortes. Mas não dá para eu falar especificamente. O que eu posso dizer é o seguinte: no meio do tênis, racismo não tem espaço nenhum.  O cara é tenista porque ele ama, independente de onde ele vem ou como ele é. Na verdade, qualquer forma de discriminação é uma tremenda imbecilidade.
 
MS: As maratonas de jogos no tênis são muito desgastantes, o descanso é mínimo. No Aberto da Austrália, por exemplo, você disputou duas finais em menos de 24 horas. No poker, isso também acontece. Para vencer um torneio da WSOP ou do BSOP são horas de concentração e foco. É possível fazer uma comparação entre os dois?
 
BS: A única diferença é que o tênis é muito mais físico e o poker, mental. Mas eu tenho certeza que quanto mais um jogador de poker estiver preparado fisicamente, mais ele vai aguentar mentalmente. O beneficio de você estar bem fisicamente, ajuda demais na parte psicológica. Você cansa muito menos e aguenta a maratona. No poker, o estresse emocional é muito alto. São bad beats, blefes, decisões difíceis, análises. Imagina isso por vários dias consecutivos, sendo 10, 12 horas diariamente? É extremamente cansativo e qualquer erro pode lhe custar o torneio. Então o cara tem que estar com a mente funcionando 100% a todo o momento. No tênis é a mesma coisa. Você pode cometer pequenos deslizes e ainda voltar, mas, no geral, um erro maior lhe custa o jogo todo; no poker, o torneio. Então, apesar de o poker ser um esporte da mente, hoje, para um bom jogador de poker, a parte física é extremamente importante. Ele estando bem preparado fisicamente, ele vai aguentar melhor essas maratonas. 
 
MS: Voltando para o tênis. Você e o Marcelo Melo [número 1 do mundo no ranking de duplas da ATP] são amigos, mineiros e dois dos melhores duplistas do mundo. Vocês jogam juntos pelo Brasil na Copa Davis, mas ainda assim ambos disputam torneios com estrangeiros. Um dia veremos a dupla Soares e Melo disputando os principais torneios do mundo?
 
BS: O Marcelo e eu crescemos juntos. Somos grandes amigos e depois que nos profissionalizemos, veio a especialização em duplas. Jogamos juntos a temporada 2010/2011 e, no final de 2011, disse a ele que seria legal a gente se separar e tentar algo novo.  Jogar com parceiros diferentes para amadurecer. Eu percebia que tínhamos um potencial enorme e que precisávamos evoluir. Claro que poderia dar certo nós dois juntos, mas achei que seria muito bacana para nossa carreira pegar experiências e, eventualmente, voltar a jogar juntos. O Marcelo aceitou muito bem, só que o plano deu tão certo que está difícil da gente voltar a jogar junto (risos). O Marcelo começou a jogar com Ivan Dodig (Bósnia) e eu com o Alex Peya (Áustria), e nós tivemos um sucesso absurdo logo depois disso. Hoje, não estamos jogando juntos pelo sucesso com os outros parceiros. E ficamos naquela: vamos trocar agora? O Marcelo teve no ano passado o melhor ano da carreira dele, o mesmo acontece comigo em 2013. Cheguei a conversar com ele antes de firmar parceria com o Jamie Murray (Reino Unido), mas como ele iria trocar de parceiro depois do ano perfeito que teve? Mas jogarmos juntos novamente é inevitável. Somos mineiros, amigos e gostamos de poker — apensar de ele ser bem ruinzinho no poker (risos). Pode esperar que logo teremos a dupla Melo e Soares novamente.
 
MS: E como é jogar contra ele? É diferente? Tem uma rivalidade? 
 
BS: No poker, entre amigos, rola aquela gozação no final. Então, ganhar do cara é muito bom.  No tênis, com o Marcelo, é diferente, porque isso é nossa vida. É nossa profissão. É nosso dia a dia, nosso ganha pão. Então, enfrentar um grande amigo, para mim, é ruim. Eu não gosto. Primeiro, porque um dos dois será eliminado. Isso é chato. Eu, independente dos meus resultados, estou sempre torcendo pelo Marcelo, então quero que a gente vá mais longe possível em todos os torneios. Jogar contra faz parte, a gente tem que encarar com muito profissionalismo. Você tem que entrar lá e fazer o seu melhor. Mas é uma vitória meio amarga. Quando cai para o poker, a minha maior alegria é dar bad beat nos caras (risos). Mas imagina você, na reta final de um torneio que paga uns 500 mil dólares para o campeão. Poker é um esporte individual, claro, mas eliminar um grande amigo não é nada bom. No entanto, quando a gente joga tênis para se divertir, aí rola aquele sarro, mas em uma competição, nunca.
 
MS: Às vésperas do Aberto da Austrália, a BBC soltou uma matéria sobre a manipulação de resultados no tênis. Qual sua opinião sobre isso?
 
BS: Em qualquer coisa que exista apostas, leia-se dinheiro, há margem para aproveitadores. E isso acontece. Hoje, o tênis tem uma unidade exclusiva para investigar isso, a Unidade de Integridade do Tênis (TIU). Quanto à matéria, achei que eles quiseram aparecer. Primeiro porque eles nitidamente que esperaram o início do Australian Open para soltar isso aí. E eles falaram, falaram e não falaram. Não citaram um nome sequer. Do jeito que colocaram, é como se fosse todo mundo culpado. Nós, atletas, ficamos indignados. Se eles tivessem feito uma coisa bem feita, investigada, citando nomes, os jogadores seriam os primeiros a apoiarem. 
 
MS: Você já recebeu alguma proposta do tipo?
 
BS: Felizmente, não. Acho que os caras vão um pouco por perfil. Provavelmente, eles sabem que não tem a menor chance de eu fazer um negócio desses. Conheço várias pessoas que já receberam, mas todos negaram e denunciaram para a TIU.
 
MS: De volta ao poker. Qual a mística por trás do 10J, sua mão favorita?
 
BS: Como eu disse (risos), jogando com os amigos o negócio é dar bad beat e deixar a turma queimada. Quando eu comecei, não largava 10-J de jeito nenhum, de copas então. A turma de Belo Horizonte, dos Las Turfas, onde comecei a jogar, sempre que vê um 10J já fala: “Ó, a mão do Bruno. Cuidado”. Acho que cansaram de perder para mim com essa mão (risos).
 
MS: Existe algum torneio que você tem vontade de jogar? 
 
BS: Com certeza. Definitivamente, eu ainda vou jogar a WSOP. Quem gosta de poker tem que jogar. Com fã de poker e apaixonado pelo esporte, pode ter certeza, que ainda vou jogar a World Series.
 
MS: Caso surgisse a oportunidade de ser um embaixador do poker, você aceitaria?
 
BS: Seria um imenso. Eu sou um fã de poker. O poker traz inúmeros benefícios no dia a dia. A concentração, a análise, desvendar as possíveis combinações de mãos do seu oponente. Cada mão é preciso achar uma solução diferente. Isso vai acabar lhe ajudando a pensar mais logicamente. Fora que o poker também é um esporte muito sociável. Você ri e se diverte com os amigos, faz novas amizades. O poker é incrível. 
 
MS: Existem rodas de poker no circuito mundial de tênis?
 
BS: Muitas. É impressionante. Basta alguém chamar para jogar que aparecem uns 30 caras. Tem preparado físico, treinador e, claro, muitos jogadores. O Rafael Nadal e o Feliciano Lopez são dois que sempre jogam, para citar apenas dois. 
 
MS: A torcida brasileira no poker é bem peculiar, efusiva. No tênis, você acha o brasileiro também é diferente?
 
BS: O brasileiro tem uma coisa muito bacana, ele não gosta de assistir, ele gosta de torcer. E isso é uma coisa muito legal. Acho que isso aí mostra um pouquinho da nossa cultura, de sermos um povo alegre, descontraído. No tênis, durante o ponto é preciso ficar em silêncio, mas você vê que tem uma manifestação maior depois. A turma gosta de incentivar. E sendo brasileiro, principalmente jogando o ano inteiro fora do Brasil, é muito bacana ter esse barulho da torcida. 
 
MS: Um recado especial para os leitores?
 
BS: Só agradecer. Tanto o pessoal do tênis quanto do poker. Eu recebo muitas mensagens, vejo que a galera do poker está sempre acompanhando, torcendo, me mandando energia positiva. Quando vou ao BSOP também recebo um carinho muito grande da galera que gosta de tênis. Sempre vêm me dar os parabéns, dizer que torceu. Eu sou um cara extremamente sortudo de estar nessa posição e agradeço demais a todo mundo que está torcendo e me acompanhando mundo afora e vibrando com as minhas conquistas. 
 



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