Além do aspecto estratégico, das maratonas à mesa, da pressão, o poker é um jogo que conversa com a vida do jogador. Não apenas (como se isso já não fosse o bastante) por envolver dinheiro, mas pelo tempo que ele irá ocupar na rotina de quem deseja jogar em alto nível. Um grande desafio para os profissionais pode ser manter os estudos, a prática e a conexão com o poker, nos períodos entre torneios.
Jogadores lucrativos há anos, Garret Adelstein, Matt Berkey e Jon Van Fleet conversaram, em entrevista exclusiva (leia a primeira parte AQUI) ao jornalista com Craig Trapscott, da Card Player, e contaram o que os mantêm motivados e afiados, nos hiatos entre eventos – que podem ser exaustivos.
O que você costuma fazer para manter sua mente afiada e uma boa motivação entre sessões ou campeonatos?
Adelstein: A motivação vem do "porquê" de uma pessoa. Para a esmagadora maioria dos profissionais, o motivo é colocar comida na mesa e pagar o aluguel. Esta é a realidade e é por isso que respondo assim todos que me procuram em busca de conselhos:
“Evite ter o poker como a principal fonte de renda”.
Para alguns unicórnios nos high stakes, é necessário um incentivo diferente, uma vez que ganhar outro milhão não impacta a qualidade de vida deles. Meu motivo é multifacetado, mas começa com o uso de lucros adicionais para melhorar a vida das pessoas que amo, amigos e familiares. Além disso, minha noiva e eu estamos comprometidos com a filantropia, doando regularmente para o Programa Irmãos Mais Velhos, no qual também sou mentor. Com isso em mente, a culpa que eu costumava sentir consistentemente por passar a maior parte da minha vida adulta em um jogo é ligeiramente aliviada.
Por conta dos valores em jogo a cada mão disputada, o mental é tudo nos high stakes. Quando nada está dando certo pra mim em uma sessão, minha primeira linha de defesa vem da gratidão. Sou muito grato por tantas coisas na minha vida, desde a minha saúde, aos meus entes queridos e, sim, pelo poker também! O fato de eu ser capaz de jogar nos high stakes muitas vezes me deixa boquiaberto. Todos os jogadores de poker têm uma infinidade de motivos para se sentirem gratos.
Entre as sessões, usei com sucesso a CBT (sigla em inglês para Terapia Cognitiva Comportamental) para lutar contra minhas distorções cognitivas e até aprender a lamentar por grandes derrotas de uma forma melhor. De que adianta ganhar muito dinheiro jogando poker se você ainda vai se sentir infeliz com os 40% das partidas que perde? Passei a última década da minha vida focado em como incorporar o poker a uma existência pacífica. Eu realmente sinto muito, pela maioria dos jogadores, porque eles têm dificuldade com essa habilidade crítica. O objetivo não é principalmente ficar rico, mas encontrar uma maneira de sorrir regularmente. Sempre estarei torcendo para que mais pessoas em nossa comunidade façam isso acontecer em suas vidas.
Matt Berkey: Ficar mentalmente afiado é um subproduto da busca por curiosidades regularmente. Seja focando em elementos estratégicos específicos ou apenas interagindo regularmente com pessoas inteligentes sobre áreas da vida nas quais eu não tenho proficiência, acho que sou mais desafiado quando procuro uma maneira de pensar sobre problemas que não necessariamente tem soluções.
O poker é uma caixa de areia fantástica, pois as estratégias tendem a ser fluidas, com diversas soluções, todas as quais podem ser personalizadas para o cenário e ambiente específicos que você está resolvendo no momento. Há uma linha tênue entre encontrar oportunidades e ser vítima de uma lógica circular por meio de um método de verificações e balanços. Fazer uma análise realmente aprofundada das minhas linhas de pensamento tem se mostrado inestimável para este processo.
Jon Van Fleet: Acho que minha motivação é alimentada naturalmente. Adoro estar no topo do meu jogo e desfrutar do processo de estudo do poker, mesmo que às vezes eu reclame disso. No entanto, coloquei uma prioridade muito alta no treinamento da mente. A atenção plena e a meditação têm sido uma grande parte da minha vida nos últimos oito anos. Eu participei de vários retiros, incluindo dois retiros Vipassana de 10 dias, e tentei ter uma prática diária de meditação. A plena atenção e a consciência meio que salvaram minha vida, para ser honesto. Eu costumava ser uma pessoa bastante infeliz e ansiosa e acredito que, de alguma forma, diminuí o volume do meu cérebro, se isso faz algum sentido. Eu sei que algumas pesquisas indicam que você também pode criar novos caminhos neurais por meio da meditação.
Tendo dito isso, tenho que admitir que estou um pouco fora de prática em relação à meditação pura, pois tenho trabalhado em minha respiração de precisão com Neuropeak, um programa de biofeedback que o Stephen Chidwick me recomendou. Até agora, treinamos biofeedback, variabilidade da frequência cardíaca e respiração de precisão. Achei muito fácil obter um ritmo com os olhos fechados, mas me perco completamente se estou trabalhando ou quando algo estressante acontece. Estou apenas há algumas semanas no programa, mas até agora, estou impressionado.
Como qualquer outra pessoa, fiquei super frustrado com o poker diversas vezes e acabei preso em ciclos de feedback mental negativo, onde fico obcecado com minha sorte, como sou ruim no poker ou como outra pessoa é ruim no jogo. Nenhum desses pensamentos é relevante para tomar boas decisões. Algumas ferramentas poderosas para me ajudar a sair dos estados mentais negativos são a gratidão e o agradecimento às pessoas diariamente. É bom lembrar que tenho sorte de poder jogar um jogo para viver. Em minha mente, o estado mental ideal para o poker é aguçado, calmo e desapegado. Ainda parece um soco no estômago quando sou sugado por sentimentos ruins, mas o tempo que leva para voltar ao estado ideal fica cada vez mais curto.
