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Do céu ao inferno - Ascensão, queda e redenção de Justin Bonomo

Tradução e adaptação: Marcelo Souza


Craig Tapscott
Os últimos dois anos de Justin Bonomo no poker ao vivo foram espetaculares. A boa fase vivida pelo norte-americano inclui cerca de 4,5 milhões de dólares em premiações nos torneios e outros tantos incontáveis milhões nos cash games. 
 
No entanto, muitos que veem o sucesso alcançado por ele hoje, não sabem o que ele passou há oito anos. A reputação e legitimidade do poker online, juntamente com ele, passaram por uma prova de fogo. Bonomo foi tachado de trapaceiro. Um dos piores estigmas para um profissional de poker. Um escândalo envolvendo uma falha de segurança em torneios online foi revelada e fez com que “ZeeJustin” fosse banido e tivesses todo o seu saldo, cerca de US$ 200.000, confiscado pelo PokerStars e do Party Poker. Bonomo entrou em depressão. As odds não estavam ao seu favor para uma recuperação do calvário que ele próprio lhe infligira.  
 
 
Sombras do passado
Era fevereiro de 2006 quando o fenômeno do online Justin “ZeeJustin” Bonomo, então com 20 anos, foi flagrado com seis contas diferentes em um mesmo torneio. Bonomo tinha múltiplas contas, o que lhe dava muito mais chances de vencer ou premiar. Ele havia caído do pedestal. 
 
O jovem jogador de high-stakes havia dominado os sit-n-gos (SNGs) e torneios (MTTs). Em 2005, no European Poker Tour (EPT), ele entrou para história ao chegar à mesa final com apenas 19 anos. “Até o início de 2006, as coisas estavam ótimas para mim”, conta Bonomo. “Em um espaço de seis meses, eu havia conseguido duas premiações de US$ 100.000, uma boa reputação e as pessoas adoravam o que eu escrevia sobre estratégia. Quando o escândalo aconteceu, tudo isso não valeu nada. De repente, milhares de pessoas me odiavam. Eu fiquei extremamente deprimido”.
 
Bonomo desapareceu. Nos fóruns online, outros jogadores especulavam que ele já estava jogando com outro nickname. Por que não? “Uma vez trapaceiro, sempre trapaceiro”, diziam. A realidade era outra. Ele confinou-se para refletir e se recuperar. “Eu não joguei uma mão sequer de poker durante seis meses”, conta. “Isso era impensável para mim depois do incidente. Tudo sobre poker, sobre eu jogar poker, para ser honesto, me enojava”.
 
 
O rápido sucesso na internet
 
CT: Como você conheceu o poker?

JB: Antes do poker, eu praticava outro jogo de cartas: Magic The Gathering. Eu jogava com caras como Eric Froehlich, David Williams e Noah Boeken.
 
CT: Você começou em quais limites?

JB: Comecei jogando jogados limit, em níveis mais baixos, até construir um bankroll de US$ 20.000. Depois disso, comecei a jogar também no-limit. Jogava cash-games $1-$2 e comecei a dar uns tiros nos SNGs de $200. Logo de cara, tudo deu certo. Foi nesses limites que ganhei bastante dinheiro em dois anos.
 
CT: A que você atribui seu sucesso nos SNGs?

JB: Eu sempre fui um jogador muito matemático. Já jogava antes que o Independent Chip Model (ICM) aparecesse por aí. Eu fazia todos os cálculos sem ajuda. Muito do meu aprendizado veio das mesas e dos fóruns. Isso me ajudou a analisar minhas mãos de maneira correta. Agora, quase tudo é automático.
 
CT: Você obteve tanto sucesso online que largou a Universidade de Maryland para jogar poker. Como foi a reação dos seus pais?
 
JB: Meus pais sabiam o que estava vindo. Minha mãe achou que largar a faculdade era um erro, mas me apoiou mesmo assim. Agora, eles têm muito orgulho de mim.
 
CT: Voltando a 2006. Vamos falar da sua decisão de usar múltiplas contas em torneios online.

JB: Em um primeiro momento, eu não entendi por que o que eu estava fazendo era tão errado e por que os jogadores achavam aquilo tão terrível. Na verdade, foi todo muito estúpido. Eu não percebi a real gravidade daquilo, por isso, em um primeiro momento, tentei me defender.
 
CT: Você foi massacrado por pessoas e jogadores. Como você lidou com isso?

JB: Tive amigos que me deram todo o apoio. Deus sabe o que eu poderia ter feito se não fosse por eles. Mas, mesmo com isso, decidi que não queria mais nada com poker. Acredito que o tempo é o melhor remédio. Por seis meses, aproveitei a vida em Los Angeles e tentei esquecer essas coisas. Jogava jogos de computador em casa e saía à noite.
 
CT: Você sentiu falta do poker?

JB: Mais tarde, sim. O que me arrastou de volta para o mundo do poker foi quando fui visitar alguns amigos na WSOP. Eu era muito jovem para jogar, mas vi vários amigos chegando a mesas finais e ganhando braceletes. Uma parte de mim ficou com inveja, mas a outra parte sabia que eu era capaz de vencer como eles. Eu tinha levado uma vida normal nos últimos seis meses, mas eu sabia que não era uma vida normal o que eu queria. Eu precisava voltar para o poker, e aquilo era a motivação perfeita para mim.
 
 
Fênix
 
Em dezembro de 2006, ele já ansiava de sair do exílio que ele mesmo havia imposto.  No WPT Bellagio Five Diamond World Poker Classic, Bonomo, agora com 21, deu um show à parte. Em um espaço de 14 dias, ele ganhou US$ 264.000, chegou a quatro mesas finais e terminou em 7º no Main Event de $15.000. Bonomo estava de volta ao lugar ao qual pertencia, mas sua reputação na comunidade do poker ainda precisava ser recuperada.
 
Em abril de 2009, a punição de Bonomo pelo PokerStars foi retirada. Isso se deu, principalmente, por alguns respeitados profissionais, que jogaram lado a lado com ele, entre 2006 e 2009, no circuito ao vivo, intercederem junto ao PS.
 
“Independente de como Justin começou a carreira, hoje ele é um homem íntegro e com valores”, conta Daniel Negreanu. “Pela minha experiência, posso dizer que ele sempre quer fazer a coisa certa. Como jogador, é extremamente difícil jogar contra ele. É um tormento quando ele está ao seu lado. Justin é um acréscimo extremamente positivo à comunidade do poker”.
 
Mesmo a comunidade online parecia ter perdoado Bonomo, depois que ele mostrou arrependimento. “Ser aceito de volta no PokerStars foi um divisor de águas”, conta Bonomo. “Finalmente, eu senti que meu passado havia ficado no passado. Eu tive múltiplas contas, mas alguns dos jogadores mais respeitados do mundo confiavam em mim incondicionalmente. Não sou o tipo de cara que espera confiança ou mesmo respeito, principalmente com a mancha que tenho em meu currículo. Então, receber esse tipo de admiração, de várias pessoas, não tem preço”. 
 
CT: Você teve muito sucesso logo que engatou no circuito ao vivo. Quais foram os ajustes que você fez do online? 

JB: A grande diferença foi poder sentar e poder ficar cara a cara com todos na mesa. Ter toda essa informação extra muda a dinâmica do jogo drasticamente e quebra uma série de estereótipos.

CT: Como você define seu estilo de jogo?

JB: Como um jogador de internet que jogou todos os tipos de jogos, aprendi muitos estilos. Muitos dos profissionais do poker ao vivo têm tendências mais loose, outros jogadores jogam tight e de maneira simples. Acredito que uma das razões para o meu sucesso é saber quando utilizar cada um desses estilos. Eu dou uma olhada na mesa e decido qual será o mais lucrativo. Isso também faz com que eu seja um jogador difícil se enfrentar.
 
Mergulhando nos high-stakes cash games

Em 2008, Bonomo resolveu se mudar para o Panorama Towers, luxuoso condomínio, em Las Vegas, onde moram diversos jogadores de poker. Em alguns meses, ele se tornou amigo de dois dos principais jogadores high-stakes da internet, Scott Seiver e Isaac Haxton.

“Nós nos tornamos melhores amigos instantaneamente”, conta. “Aqueles foram os melhores anos da minha vida. Era ótimo ter amigos a um apenas alguns andares de distância. Nós saíamos juntos sempre, discutíamos mãos de poker e comíamos nos melhores restaurantes de Las Vegas. Infelizmente, a Black Friday matou esse sonho em 2011”.

Não demorou muito para que Bonomo quisesse colocar à prova suas habilidades nas mesas de cash. Em Haxton, ele encontrou um arquétipo perfeito para se moldar. “Justin mistura técnica e experiência ao vivo como poucos”, revela Haxton. “Ele joga da mesma maneira contra profissionais ou amadores, um talento que poucos jogadores possuem. Ele tem uma verdadeira paixão pelo jogo e mostra isso dando o melhor de si todos os dias”.

A confiança no próprio jogo e vontade de ser o melhor do mundo levaram Bonomo a desafiar o destruidor de bankrolls Viktor “Isildur1” Blom. Em múltiplas mesas, eles jogariam $200-$400 no-limit hold’em.

CT: Qual foi a principal razão para a sua incursão nos jogos high-stakes?

JB: Minha transição para os high-stakes cash games foi, principalmente, por me tornar amigo de Isaac Haxton. Ele é brilhante, e seu estilo é parecido com o meu. Ele era um especialista em heads-up quando o conheci, e essa era uma forma de poker na qual nunca gastei muito tempo aprendendo. O estilo do Isaac era tão parecido com o meu, que aprendi rapidamente. Em poucos meses, eu já estava jogando contra os melhores jogadores de high-stakes do mundo.

CT: E então desafiou o “Isildur1”, certo?

JB: Sim. Minha grande lembrança sobre esse duelo foi quando eu estava lanchando em um pub com os meus amigos, em Vegas. A garçonete, que eu nunca tinha visto antes, chegou perto de mim e disse: “Boa sorte contra o Isildur”. Foi tão inesperado e aleatório que aquilo ficou gravado em mim.

CT: Mas a partida não saiu como o planejado.

JB: Não. Infelizmente foi terrível. O “All-in EV” estava quase US$ 1 milhão de dólares acima do que deveria ser. Foi a minha pior fase nas mesas, de longe. Depois daquilo, acredito que houve uma grande mudança em mim: ser mais cuidadoso com o bankroll. Definitivamente, eu estava colocando mais dinheiro em jogo do que deveria, ainda que eu tivesse vendido uma parte da ação para amigos.
A estrada da redenção 

Nos últimos seis anos, Bonomo ganhou milhões de dólares nos grandes torneios ao vivo, mas foi em 2012 que ele conseguiu seu primeiro prêmio de sete dígitos. O primeiro lugar no EPT Grand Final Monte Carlo rendeu-lhe 2,1 milhões de dólares. Pouco mais de um ano depois, mais de 1,1 milhão pelo segundo lugar no Seminole Hard Rock Poker Open, além de diversos ITMs e mesas finais na WSOP.

Os excelentes resultados colocaram Bonomo como um dos mais temidos jogadores de torneios do mundo e aliviou a dor de alguma ferida aberta do passado.

CT: O que o futuro reserva para Justin Bonomo?

JB: Por enquanto, só quero continuar jogando poker. Eu amo o jogo. Graças a ele tenho uma vida maravilhosa e amigos íncriveis. Eu realmente gosto de jogar torneios e cash games high-stakes, e não espero parar tão cedo. Não tenho certeza se poderei manter a mesma lucratividade daqui a 10 anos, então sempre mantenho meus olhos abertos para uma possível saída de emergência. Eu tenho um espírito empreendedor, o que me faz ter certeza que sempre estarei envolvido em algo tão excitante como o poker.

CT: Tomando seu passado como base, você acha que as pessoas estão dispostas a esquecer e perdoar?

JB: Não acho que seja algo que as pessoas deveriam esquecer, pois realmente foi uma coisa errada o que eu fiz. No entanto, com o passar do tempo, elas perceberão que o que eu fiz não caracteriza quem eu sou. Não sou um trapaceiro. Cometi um erro estúpido do qual me arrependi profundamente. Gosto de pensar que sou uma pessoa boa e que as pessoas vão notar isso com o tempo.
 



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