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Gualter Salles - Das pistas aos feltros

Apaixonado por velocidade, flamenguista fanático e já vestiu as cores do time de profissionais do PokerStars. É fácil identificar o sorriso largo de Gualter Salles em meio às pequenas multidões que frequentam os eventos dos quais ele participa, sejam de automobilismo, de futebol ou de poker.


Marcelo Souza
Aos 41 anos, sendo mais da metade dedicados ao automobilismo, “Gualtinho” é casado e tem um casal de filhos. Competidor nato, sua imagem fortalece a legitimação do poker como esporte, que é algo inerente à sua carreira e à sua vida.

Conversamos com Gualter Salles durante sua estadia nas Bahamas, no PCA, logo após sua decisão de manter o foco profissional apenas na Stock Car. Conheça algumas das histórias desse atleta de alta combustão.

Gualtinho, você é um sujeito que claramente se preocupa com seu condicionamento físico e mental, algo típico de atletas profissionais. Quando começou sua história como esportista?

Sempre fui apaixonado por automobilismo. Aos sete anos, eu já assistia a todas as provas da Fórmula 1. Quando completei dezesseis, pintou a oportunidade de correr de kart. Logo na minha primeira corrida, cheguei em 5º lugar. Na terceira, eu ganhei. Então, meu pai ficou bem empolgado, e eu também.

Aí começou a luta para conseguir patrocinadores e ir subindo de categoria. Fui do kart para a Fórmula Ford, depois para a Fórmula Open europeia, em que eu fui vice-campeão europeu, venci o grande prêmio da Inglaterra na Fórmula 3 inglesa. Depois disso, eu me tornei profissional e me mudei para os EUA, onde comecei a correr na Indy Lights [categoria de acesso para a Fórmula Indy]. Venci três provas logo no meu primeiro ano e já fui contratado pela Fórmula Indy, na qual disputei seis temporadas.

Depois voltei ao Brasil, à Stock Car. Comprei uma equipe e comecei a competir. Naquela época eu já vislumbrava que, quando eu me aposentasse, continuaria no automobilismo. Atualmente, comando umas das principais equipes do campeonato, a Vogel Motorsport, e estou sempre presente em todas as provas da categoria. Quando você não me encontrar na Stock, é porque estou em um evento de poker. (Risos)

Você utilizava o número 99 quando corria pela Stock Car, tanto que seu nick no PokerStars já foi “stockcar99”. Existe alguma mística por trás desse número?

Eu tive um amigo canadense, Greg Moore, que era piloto da Formula Indy. Ele faleceu em um acidente. No instante daquela tragédia, o pai dele estava ao meu lado. Quando entrei para a Stock Car, escolhi o 99 para o meu carro em homenagem a ele. Curioso é que, quando sofri aquele acidente em Buenos Aires, corria com esse número. Esse também era meu nick no PS até o momento em que me tornei Team Pro. Mudei por força de contrato.

Aquele acidente impressionante aconteceu no final de 2006. Um ano depois, você anunciava sua aposentadoria como piloto profissional. O ocorrido na prova de Buenos Aires influenciou sua decisão de alguma forma?

Foi um acidente muito sério. Realmente me marcou. Tive outros acidentes durante a minha carreira, mas graças a Deus, nunca quebrei um dedo. Aquele foi diferente. Eu já tinha 36 anos, imaginava que ainda correria por mais seis ou sete. Na época, eu já estava no poker e tinha minha própria equipe na Stock. Decidi parar e me dedicar à carreira nos feltros. Hoje, continuo no automobilismo, mas como dono de equipe.

Sabemos que pilotos profissionais normalmente adoram jogar poker, caso do Thiago Camillo e do Rubens Barichello. No seu caso, como você conheceu o jogo?

O poker que eu conheci era aquele antigo, de cinco cartas [Five Card Draw]. Comecei a jogar quando tinha uns 10 anos. Meu pai tinha uma roda de amigos que jogavam na nossa casa uma vez por semana. Eu ficava olhando, mas meu pai não me deixava participar, falava que não era coisa de criança (risos). Então comecei a jogar com os meus amigos, usando feijões e moedas. Desde então, não parei mais.

Quando eu morava na Inglaterra, jogava com outros pilotos. Se não fosse poker, era truco ou buraco. Na minha vida, sempre tive contato com as cartas. O poker competitivo, o Texas Hold’em, no caso, comecei primeiro assistindo na ESPN, em 2004 ou 2005. O interesse começou a aumentar e eu comprei a trilogia do Dan Harrington [publicada no Brasil pela Raise Editora] para aprender mais sobre o jogo.

Em 2006, abri minha primeira conta no PokerStar. No ano seguinte vim direto para as Bahamas, jogar o PCA. Eu não sabia jogar direito, mas tinha um apartamento em Miami, que é praticamente do lado. Lá, joguei um satélite e consegui a vaga para o Main Event. No mesmo ano, fui jogar minha primeira WSOP, o evento principal. Fazia sete ou oito meses que eu jogava, mesmo assim consegui minha primeira premiação. Terminei em 447º e ganhei 30 mil dólares. Dali em diante, tudo que aparecia eu jogava – EPT, WPT etc. E o poker passou a fazer parte da minha vida.

E o PokerStars, quando entra nessa história?

Em 2008, quando eu era piloto profissional e comentarista do SporTV. Eu tinha apelo na mídia. Então, eu estava jogando em uma mesa, e o manager do Stars no Brasil à época se apresentou e me perguntou se eu gostaria de jogar patrocinado pelo site. Mesmo sendo como “Friends of PokerStars”, para mim foi ótimo. Só depois eu me tornei “Team Pro”. Como eu nunca me senti um profissional do poker, pedi para mudar de categoria quando chegou a hora de renovar o contrato. Preferi ser “Team Sport Stars”, algo intermediário entre os dois anteriores. E assim permaneci por dois anos.

Sendo alguém que respira esporte, imagino que você tenha alguns ídolos. Quem são as pessoas que lhe inspiram como competidor?

Ídolo mesmo, o único que tive foi o Zico. Tive não, porque ainda sou fã do “Galinho”. No poker, existem grandes jogadores que eu admiro.

Tem o André Akkari, que inclusive é meu sócio na TV Poker Pro. Sem falar em Caio Pimenta, Thiago Decano, Mojave. Lá fora, o Jason Mercier, o Bertrand “Elky” Grospellier e o Daniel Negreanu. Tem outro que eu também admiro muito. Inclusive, é alguém com quem eu me identifico bastante, tanto no estilo de jogo quando no comportamento: John Juanda. É um cara discreto, na dele, e dificilmente tem uma explosão de alegria ou de raiva.

No automobilismo, sempre fui torcedor do Nelson Piquet. Na época que eu acompanhava, ele já era campeão, e sempre torci muito para ele. Depois veio o Ayrton Senna. Para mim, o maior de todos.

Quanto ao Piquet, eu me decepcionei um pouco depois que vi algumas declarações dele. Ele desrespeitou pessoas como o Rubinho, dizendo que ele era mais lento do que os pilotos de ponta da categoria, e o Nigel Mansell, falando que a mulher do cara era feia e não sei mais o quê. Até o Senna ele cutucou, insinuando coisas sobre sua sexualidade. Apesar de eu não ser torcedor do Ayrton Senna na época, hoje eu admiro mais as atitudes e a história dele.

Atualmente, meu piloto favorito na F1 é o Lewis Hamilton. O Rubinho é meu irmão, fui padrinho de casamento dele, mas, hoje, quem eu mais admiro na F1 é o Hamilton.

No poker, o primeiro nome que você citou foi o de André Akkari. Quando ele conquistou o bracelete em Las Vegas, no ano passado, um dos mais emocionados era você. Como foi que começou essa amizade?

A gente se conheceu no clube Paradise de São Paulo. Não éramos do time do PokerStars naquele tempo. Depois que fomos contratados pelo site, acabamos nos tornando grandes amigos. Mesmo com a minha saída do PS, essa é uma amizade que eu vou levar para o resto da minha vida.

Você disse que não se considerava um estudioso do poker. Mesmo assim, seus resultados têm sido significativos, com boas premiações online, e também ao vivo, na WSOP, no EPT e por aí vai. A que você atribui isso?

É uma série de fatores. Joguei muito poker online. Durante uns três anos, entrava em pelo menos 40 torneios por semana. Não sou daqueles que abrem 15 mesas ao mesmo tempo, no máximo quatro, mas durante 10 ou 12 horas.

Neste tempo, passei da casa de US$ 1.000.000 em premiações.

Acho que a melhor maneira de se desenvolver é jogando. Se você é uma pessoa inteligente, vai aprendendo com seus erros, vai aprendendo coisas novas. E foi assim, na prática, tanto online como ao vivo.  Conversar com outros jogadores também é importante, discutir mãos, isso ajuda bastante.

Esta semana você tomou uma decisão que pegou muita gente de surpresa, quando anunciou sua saída do Poker Stars. Qual o porquê dessa decisão e qual o balanço você faz da sua trajetória no site ao longo desses cinco anos?

Na verdade, foi algo que eu já vinha planejando. Sempre dividi meu tempo entre a Stock Car e o poker. Eu estava no site fazia cinco anos, e achei que não era hora de assumir compromissos de datas e metas com o PS. Minha fonte de renda principal nunca foi o poker. Então, resolvi me dedicar à minha equipe da Stock Car neste ano e no futuro próximo.

E só tenho coisas boas para falar de todas as pessoas que eu conheci no PS. Aprendi muito, tive muitas oportunidades de jogar grandes torneios e consegui bons resultados em todos eles. Fiz muitos amigos mundo afora e vou continuar a jogar poker online e ao vivo. Só não quero ter isso como um compromisso profissional. Minha saída do PS foi bastante tranquila, de comum acordo. É provável que eu ainda participe de eventos do site, mas sem compromisso.

Agora que você está voltando seu foco apenas para o automobilismo, quais lições acredita que levará do feltro para o asfalto? E quais você trouxe do poker para as corridas?

Existem certas coisas que eu trouxe para o poker que se deve ter no automobilismo o tempo todo: paciência, disciplina e concentração. Se você toma uma ultrapassagem ou erra uma curva e perde o controle emocional, já era. Fatalmente, vai ser ultrapassado. É preciso aprender a controlar as emoções, e eu acho que consigo fazer isso muito bem.

No poker, você deve ter frieza para não se deixar abalar por uma bad beat. Se você perder o controle, acabará entregando todas as suas fichas. Isso é difícil mesmo, principalmente na internet. Se você pega uma sessão em que apanha do baralho o tempo todo, acaba tiltando. A minha experiência no automobilismo me ensinou a ter esse controle. Eu não deixo minhas decisões serem influenciadas pela emoção.

O poker lhe ensina a usar bem a matemática e a constantemente analisar todos os fatores antes tomar decisões. Como dirigente de equipe, isso me ajuda nas estratégias de corrida, para saber o que pode dar certo ou errado. E essas escolhas têm de que ser feitas rapidamente. O poker deixa a sua mente mais rápida, isso é muito útil na hora de acertar o carro ou de definir uma tática de pit stop, por exemplo.

Fique a vontade para deixar sua mensagem a todos os jogadores do Brasil.

Bem, fico muito feliz de ser um dos pioneiros do nosso esporte. Eu me lembro de quando comecei, no tempo dos torneios baratinhos em São Paulo, da época em que conheci o Akkari. Eram 30 ou 40 jogadores. Hoje, a gente vê os resultados sendo colhidos, online e ao vivo. Fico muito feliz de ter participado ativamente disso. De ver o quanto se transformou o cenário brasileiro, com BPT, LAPT, BSOP. De ver os torneios regionais crescendo.

Como uma pessoa do esporte, é extremamente gratificante poder mostrar que o poker é um esporte saudável, disputado por pessoas saudáveis. Fico feliz por poder ter ajudado a acabar com aquela impressão errada que muitos tinham do nosso esporte. Ter contribuído com tudo isso é realmente gratificante. ?


GUALTER SALLES, UMA FICHA E UMA CADEIRA
A história da incrível reação na WSOP 2010, contada pelo próprio autor do feito.


Jack “Treetop” Straus ganhou o Main Event da WSOP 1982 depois de ter ficado com apenas uma ficha, daí aquela máxima de que “para jogar poker, basta uma ficha e uma cadeira”. Você passou por uma situação bem parecida. Como foi essa história?

Foram mais ou menos 7.000 inscritos naquele torneio. Já estávamos In The Money, restando uns 500 jogadores. Eu tinha pouco mais de 220.000 fichas, e os blinds  e antes estavam em 4.000-8.000/1.000.

Eu tinha JJ e meu oponente, 89. O bordo mostrava K994. Ele perguntou quantas fichas eu ainda tinha. Eu contei e falei 106.000, mas me esqueci da ficha de 1.000 que eu estava usando como protetor de cartas. Ele então anunciou uma aposta de 106.000.

Eu já tinha colocado mais da metade do meu stack na mesa, e dei call. Todos pensaram que tinha sido all-in e mostramos as cartas. Depois que a crupiê, uma senhora para lá dos seus 70 anos, virou um 5 no river, eu já estava com minha mochila nas costas. Mas ela me chamou e disse: “Olha, sobrou uma ficha aqui, porque ele falou 106 e você tinha 107”. Fiquei com apenas um ante.

Coloquei o ante, sentei e nem olhei as cartas. Um cara deu raise, outro voltou reraise e apresentou A-J. Eu tinha A-2, e veio o dois. Fiquei com 9.000 fichas, olhei minhas cartas e vi 8-2. Fold. Caí para 8.000, que era apenas um blind.

Na jogada seguinte, eu era o UTG e sai com um par pequeno. De quatro ou de seis, não me lembro. Foi tudo para o pano e o parzinho segurou! Fui para 24.000 fichas.

Logo em seguida, A-K no big blind. Raise de um, call de outro, e eu fui all-in. O cara que abriu raise foi all-in por cima e mostrou 7-7. Ganhei o flip e fui para mais de 70 mil.

Na mão seguinte, A-K de novo. Dobrei novamente. Fui para quase 200 mil. Uma hora depois, eu tinha A-A versus A-Q de Gregory Gokey. Subi para 405.000, eliminei o Gokey e voltei para o jogo. Acabei passando para o Dia 6 do Main Event com 939.000 fichas, consegui chegar na 117ª colocação e ganhar US$ 57.102.





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