EDIÇÃO 35 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

Feeling e níveis de pensamento - Parte 2


André Dexx

Adequar e rotular um jogador com um determinado “nível de pensamento” em uma jogada é um trabalho árduo que não se domina do dia para a noite. Mas, nesta edição, vou tentar dissecar e exemplificar esses níveis, dos básicos até os mais complexos.

Nível Zero – Qual é a minha mão?

Nesse nível mais básico, que todos dominam, os jogadores olham suas cartas e analisam apenas quais são as mãos que eles derrotam e aquelas para as quais eles perdem.

Exemplo: Segurando 9 J, o bordo vem J 9 7. Você sabe que está segurando dois pares, então sabe que ganha de um par e de dois pares menores, mas que perde para uma trinca ou um straight.

Nível 1 – Que mão tem o meu adversário?

Aqui, o jogador olha para a sua mão e calcula a probabilidade de estar ganhando do oponente, considerando a maneira como este jogou. Ele o coloca em um range, sabendo se sua mão é boa o suficiente.

Exemplo: Você recebe par de noves e já tem leitura suficiente para saber que o jogador sentado à sua esquerda não gosta de jogar potes grandes sem uma mão realmente boa. Você constatou isso através de uma amostragem significativa obtida com o Hold’em Manager (software de estatística usado pelos profissionais online). O programa está dizendo que ele só da 3-bet 2,6% das vezes, o que corresponde a um range muito pequeno de mãos, mais ou menos QQ+ e AK. Então, quando o adversário tribeta, você rapidamente dá fold com seu par de noves.

Nível 2 – O que o meu adversário acha que eu tenho?

Nesse nível de pensamento, podemos começar a separar os garotos dos recém-nascidos. Agora, finalmente estamos enfrentando um nível de pensamento mais complexo, com nosso adversário pensando sobre o que nós podemos estar segurando – é hora de termos consciência de nossas jogadas de modo a interpretar o que o adversário está pensando sobre nós.

Exemplo: Temos top pair e um bom kicker. Em um flop com dois naipes, recebemos uma donk-bet (apostar no flop contra o oponente que deu o raise pré-flop) e damos apenas call, controlando o pote. No turn, aparece a terceira carta do naipe, podendo ter completado um possível flush, e o oponente torna a apostar forte. Damos call novamente por achar que, boa parte das vezes, essa aposta ainda pode ser um blefe, já que o oponente pode perfeitamente representar um flush. No river, acontece uma terceira aposta do adversário de quase o valor do pote, e nós concluímos que esse adversário poderia blefar até o turn representando o flush, mas uma terceira aposta forte no river significa, na maioria das vezes, um flush de verdade, dois pares ou maior, com que o oponente acha ser capaz de extrair fichas de top pairs. Com isso, damos fold.

Nível 3 – O que o meu adversário pensa que eu penso que ele tem?
É hora de separarmos os homens dos garotos. Nessa situação, nosso adversário irá elaborar um raciocínio mais complexo do jogo, nos desafiando a travar uma guerra psicológica. Ele analisará a forma como você provavelmente está olhando para os movimentos dele: desse modo ele estará examinando o que você vai fazer para contra-atacar, encarando a sua jogada como reação à interpretação dos movimentos dele.

Exemplo: Citando o mesmo exemplo do Nível 2, o oponente tem uma leitura de que, se eu tivesse o flush, teria dado raise no flop, considerando o bordo em questão. Ele então, não tendo absolutamente nada em mãos, pensa que eu vou achar que ele tem uma mão como um flush, dois pares ou mais caso ele aposte no flop, turn e river. O oponente segue a ação descrita e mostra seu blefe após o meu fold no river.
Os níveis de pensamento não têm limite. Poderíamos escrever um livro só sobre esse assunto, ilustrando-o com exemplos, citando os Níveis 4 (em que meu adversário pensa sobre o que eu penso que ele pensa que eu tenho), 5 e assim por diante. O importante é estar sempre pensando um nível acima do adversário. É dessa maneira que os melhores do mundo se destacam do resto – eles sabem encaixar essa técnica com precisão cirúrgica.

É preciso deixar bem claro que os Níveis de Pensamento não são Tipos de Adversário, mas sim linhas de raciocínio que eles vão adotar em determinada situação. Existe a tendência de a complexidade do nível de pensamento aumentar de acordo com o tamanho do pote: quanto maior for o pote, mais complexo será o nível. A aplicação do Nível Zero é muito comum em torneios onde se está short-stacked e se recebe pocket pairs ou mãos como AK ou AQ, pois você só precisa desse nível para ir all-in. O Nível 1 abarca o maior número de situações, quando os jogadores geralmente pensam em potes pequenos e em roubo de blinds. O Nível 2 é bastante usado para, por exemplo, dar um segundo tiro, expulsando o adversário ao mostrar a força da mão, blefando de maneira muito eficaz, simulando uma mão forte. Já o 3 se dá em potes com 4-bet, blind war (guerra de blinds) e em potes maiores. A partir deste nível, é mais comum termos situações estando deep-stacked, em rivers e com um histórico bem formado dos oponentes.

Também é imprescindível que você pense apenas um nível acima, para não correr o risco de fazer uma jogada de EV negativo. Por exemplo: o oponente está pensando no Nível 1 (cogitando que mão você tem) e você, no Nível 3 (ele pensando no que você pensa que ele tem). Nessa situação, você estará pensando no que ele pensa que você pensa que ele tem, quando, na verdade, ele só está pensando em que mão você pode ter, objetivamente falando.

Depois do que conversamos nessas últimas colunas, sobre mente inconsciente, frequência de movimentos e, finalmente, níveis de pensamento, eu pergunto a vocês: qual é a chance de Phil Ivey pronunciar a palavra feeling para explicar suas jogadas?




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