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Jogadoras falam sobre as adversidades que enfrentam no poker ao vivo

Xuan Liu, Jamie Kerstetter, Danielle Anderson e Linda Johnson contaram algumas das experiências que viveram no esporte da mente


 

08/06/2021 20:36
Jogadoras falam sobre as adversidades que enfrentam no poker ao vivo /CardPlayer.com.br
Xuan Liu, Jamie Kerstetter, Danielle Anderson e Linda Johnson são jogadoras bastante respeitas no poker


“O poker é um jogo para homens”. Você certamente já ouviu essa frase. Seja da boca de algum jogador inseguro com uma adversária, ou de um entusiasta do jogo bastante preconceituoso. Se você convive no meio do poker há muitos anos, você definitivamente já se deparou com essa mentira mais de uma vez. 


Dona de um bracelete da WSOP, integrante do Hall da Fame do Poker, cofundadora da Associação de Diretores de Torneios (TDA, na sigla em inglês) e da Pokergives, sócia da Card Player Cruises, ex-editora e proprietária da Card Player Magazine, Linda Johnson é conhecida como a ‘Primeira Dama do Poker’ e uma das figuras de maior credibilidade no cenário mundial. Mas para chegar até aqui, ela precisou enfrentar, mais de uma vez, situações em que foi desprezada por oponentes por conta do seu gênero. 


E assim como Linda, as profissionais Xuan Liu - instrutora na Poker Powher com mais de US$ 3 milhões em ganhos de torneios -, Jamie Kerstetter – jogadora profissional e comentarista indicada ao Global Poker Award - e Danielle Anderson – uma das jogadoras de cash game com mais ganhos da história - já se depararam com mais de uma situação em que se sentiram desconfortáveis à mesa, não por bad bets, sequências de mãos ruins ou pela insegurança com a própria capacidade técnica, mas pelo simples fato de serem mulheres.


Craig Tapscott, jornalista da CardPlayer, conversou com as quatro profissionais, que contaram algumas de suas experiências e como elas influenciaram nas suas trajetórias como jogadoras.


Craig Tapscott: As mulheres muitas vezes podem enfrentar diferentes desafios em uma mesa de poker. Você pode falar sobre algumas experiências que a tornaram uma jogadora mais forte?


Linda Johnson: As coisas mudaram muito para as mulheres no poker ao longo dos anos. Quando comecei a jogar na década de 1970, eu morava no sul da Califórnia e jogava nas salas de poker do cassino Gardena. Era raro ver outra mulher à mesa. Lembro-me de um homem gritando comigo e me repreendendo por "me intrometer onde eu não era desejada". Ele também dizia que "o poker é um jogo para homens".,


O momento mais assustador aconteceu no Las Vegas Club no início dos anos 80. Entrei em um torneio de US$ 22 e aparentemente fui a primeira mulher a jogar no local. O gerente do clube me disse: ‘bem-vinda, querida’, mas os outros homens não foram muito amigáveis. Quando cheguei à mesa final, fizemos uma pausa e pude ver meus oito oponentes amontoados e conspirando para me tirar do torneio. Houve até algumas ameaças horríveis sobre o que aconteceria comigo se eu vencesse.


Naquela época, havia apenas uma dúzia de mulheres em Las Vegas jogando profissionalmente. Encontrei três tipos de homens. O primeiro tipo era hostil contra qualquer mulher que jogasse. Aprendi a desenvolver uma casca grossa e a não deixar que seus comentários me afetassem. O segundo tipo era condescendente. O terceiro tipo era protetor e quase paternal. Infelizmente, havia menos do terceiro tipo.


A atmosfera de hoje nos salões de poker é muito acolhedora para as mulheres, embora você ainda encontre, ocasionalmente, um homem que se considera superior e tenta fazer com que seja desconfortável para nós jogarmos. Acho que, de modo geral, os dealers e floors estão mais bem treinados para lidar com situações adversas e encorajo mais mulheres a jogarem nosso fabuloso jogo.



Xuan Liu: Eu vivo um caso de amor com o poker e jogos de estratégia desde a infância, e eu comecei a jogar poker com dinheiro de verdade durante o boom do Moneymaker. Eu tinha outros amigos que estavam tão interessados no poker quanto eu, mas eu era de longe a mais estudiosa e mergulhei em todos os livros e outros recursos que eu poderia encontrar sobre o assunto à época. Quando você cresce com pouco dinheiro, sempre pulando de emprego em emprego que paga por hora, o potencial de liquidar as mensalidades ou cobrir todo o aluguel do semestre em uma sessão se torna algo realmente atraente. Não surpreendentemente e um tanto ironicamente, não consegui manter minhas notas por causa de toda a distração e perdi minha bolsa de estudos.


Quando joguei pela primeira vez nos Estados Unidos, eu tive muita dificuldade. Até cheguei a ser detida sob a mira de uma arma pela Polícia de Los Angeles. Mas com o tempo aprendi a erguer uma parede protetora e sou grata por essas lições terem acontecido relativamente cedo em minha carreira. Tive a sorte de ter pessoas que acreditaram em mim e me ajudaram nos meus momentos ruins.



Jamie Kerstetter: Não tenho certeza se enfrentar adversidades nas mesas realmente me tornou uma jogadora mais forte, uma vez que essas situações não me ensinaram nada de estratégico sobre o jogo em si. Mas acho que alguns dos incômodos que acontecem de vez em quando com as mulheres podem fornecer oportunidades para autorreflexão. Isso levanta a questão: o poker é algo que ainda quero fazer? Ainda é divertido? Ainda estou apaixonada por aprender e melhorar?


Geralmente, é depois de uma experiência desagradável associada a uma sessão de derrota ou downswing que penso em coisas assim, algo que deveria fazer com frequência para ter certeza de que estou gastando meu tempo e minha vida em um esforço valioso que levará à realização.



Danielle Andersen: Sinto-me abençoada, uma vez que, por acaso, os primeiros sete anos da minha carreira como profissional foram exclusivos no online. Honestamente, eu não estava muito em sintonia com os acontecimentos do mundo do poker, então nem percebi que ser mulher era incomum. Atrás da tela do computador somos todos iguais. Quando me sentei no meu primeiro jogo ao vivo, me considerava uma jogadora de poker confiante e bem-sucedida. Então, foi surpreendente para mim que, inicialmente, me senti desconfortável e intimidada como (normalmente) a única mulher na mesa.


Não havia razão para eu me sentir desta maneira. Eu sabia que tinha um currículo melhor e mais experiência do que muitos à mesa, mas me sentia como uma impostora que não pertencia àquele lugar. Não houve um único incidente que me ajudou a superar esse sentimento, mas eu passei a me obrigar a aparecer e a cada dia ficava mais confortável e confiante.


Sei por experiência própria que a mesa de poker pode ser um lugar intimidador para uma mulher, especialmente se é nova no jogo, mas acho que o maior crescimento no poker e na vida vem de ultrapassar os limites de nossa zona de conforto. Eu poderia simplesmente ter corrido para casa e continuar “clicando botão” do conforto do meu escritório, mas suspeitava que se superarase minhas próprias inseguranças, passaria a amar o poker ao vivo.


E eu estava certa. Posso dizer que a experiência acumulativa de todas aquelas sessões em que enfrentei um ambiente desconfortável se tornou confortável e me transformaram em uma jogadora mais forte (e mais feliz).


Craig Tapscott: Qual foi a primeira experiência que você teve com o poker que realmente a inspirou a se aprofundar no aprendizado do jogo? E o que você fez para melhorar como jogadora?


Linda Johnson: Quando fiz 21 anos, eu comecei a ir a Las Vegas para jogar blackjack. Meu pai me disse que se eu quisesse jogar, deveria aprender poker, assim eu não mais seria adversária do cassino. Comprei alguns livros (não havia muitos disponíveis na época) e aprendi o básico do jogo. E eu percebi imediatamente que amaria aquilo.


Minha primeira experiência ao vivo foi com meus colegas de trabalho nos Correios. Eventualmente, eu virei uma vencedora constante e já não era mais bem-vinda para jogar ali. Foi então que comecei a ir para as salas do Gardena depois do trabalho e para Las Vegas nos meus dias de folga. O poker era meu nicho e eu sabia que poderia me destacar nele com muito trabalho e estudo. Percebi que aquele era um jogo que poderia ser derrotado, caso eu jogasse melhor que meus oponentes.


Comprei todos os livros de poker que pude encontrar, conversei sobre o tema com meus amigos e participei de seminários. Eu jogava poker o tempo todo e adorava! Finalmente senti que poderia me sustentar com o poker, então deixei meu emprego com estabilidade e de alto nível nos Correios para me mudar para Las Vegas. E essa foi a melhor decisão da minha vida.


O poker é minha paixão. Nunca paro de aprender e estudar. Eu li centenas de livros, entrei em alguns grupos de discussão, participei e depois lecionei no WPT Boot Camp. Hoje há muito mais recursos para as pessoas melhorarem suas habilidades no poker do que quando aprendi o jogo. Existem revistas, sites de treinamento, vídeos, etc. Ao contrário da roleta e dos dados, o poker é um jogo que pode ser vencido se você estiver disposto a fazer o trabalho e dedicar tempo para aprender de verdade.



Xuan Liu: Minhas primeiras experiências no EPT foram em viagens solo, mas rapidamente me aproximei de bons jogadores depois de ver os mesmos rostos em cada parada. À época, eu ainda estava fazendo toda a minha matemática mental em Mandarim, então era um pouco difícil para mim discutir históricos de mãos, embora eu conversasse com todos aqueles jogadores de elite. Sempre fui uma grande observadora, então me apoiei bastante nessa habilidade e pude aprender muito por osmose.


Olhando para trás, gostaria de ter tido mais engajamento, feito mais perguntas. Eu definitivamente tinha um complexo. Me preocupava em parecer idiota e realmente queria que gostassem de mim. Isso, combinado com minha firme independência e teimosia, resultou em um aprendizado muito grande sobre a comunidade, sobre mim e sobre finanças, mas que aconteceu por tentativa e erro. No começo, eu só queria aprender e melhorar, então fazia questão de nunca dar a ninguém um motivo para fofocar ou dizer algo sobre mim que pudesse prejudicar minha reputação e fechar portas. Acabei percebendo que o que os outros decidem pensar está além do meu controle e só posso tomar decisões com base nas informações que tenho em um determinado momento.


Algumas pessoas pensam que as coisas são mais fáceis para as mulheres, porque podemos usar nossas habilidades sociais e vantagens distintas para fazer networking e ter acesso às melhores mentes do poker. Embora isso possa ser verdade se você for jovem, atraente e socialmente hábil, a parte do gênero que não corresponde à esse padrão pode simplesmente ser ignorado ou até flagrantemente assediada e excluído da comunidade de elite.


Mas de todas as coisas desagradáveis que presenciei e experimentei na indústria, a dinâmica que mais me atrapalha é quando outras jogadoras em um nível igual ou superior ao que você está a vêm como uma competidora. A indústria perpetua uma aura de escassez e nos coloca estruturalmente umas contra as outras. Uma das minhas maiores irritações é quando alguém tenta me elogiar colocando outra pessoa no chão. Há espaço de sobra para todas brilharem.



Jamie Kerstetter: Minha mudança para Rosarito Beach, no México, um ano após a Black Friday, me deixou rodeada por alguns jogadores online de muito sucesso que viviam e respiravam o poker. Ali eu tive a minha introdução ao quão complicado o poker pode ser. Também aprendi como os grandes jogadores estão dispostos a trabalhar para serem os melhores. Foi a primeira vez que realmente senti que estava totalmente imersa no jogo, em vez de dizer a mim mesma que estava jogando poker “entre empregos” ou tratando isso como um hobby, como fazia até então.


Não importa o quanto todos nós tentássemos fazer pausas mentais do jogo, sempre surgiria a história de alguma mão perdida para debatermos durante o jantar ou na praia. Estar, pela primeira vez, ao redor de pessoas que realmente amavam o poker e que estavam dispostas a discutir não apenas estratégias para usar em uma partida, como também sua abordagem geral para os estudos, foi algo de um valor inestimável na época.



Danielle Andersen: Eu estava falida no segundo ano da faculdade, quando ganhei meu primeiro pote de US$ 100 em uma partida online. Me lembro de ir praticamente flutuando para a próxima aula, com a adrenalina correndo nas veias. Naquela noite, me recordo claramente de uma conversa com meu namorado (agora marido), Kory, sobre como esse passatempo poderia ser uma forma viável de ganhar algum dinheiro extra. Conversamos entusiasmados sobre quanto estresse aliviaria, se eu pudesse ganhar US$ 100 por mês.


O que eu deveria ter feito naquele momento era mergulhar em alguns livros, entrar em fóruns de poker e assistir a alguns vídeos de estratégia. Mas eu não fiz, francamente, porque isso simplesmente não parecia divertido e eu não poderia parar de clicar em botões por tempo suficiente para estudar. Felizmente, Kory também amava o poker e adotou uma abordagem mais estudiosa do jogo. Ele entendeu conceitos como pot odds, gerenciamento de bankroll e variância antes de mim e tentou o seu melhor para me passar informações valiosas. Eu não era a melhor aluna (tinha a certeza de que sentar com metade do meu saldo na mesa de uma vez era uma boa ideia), mas ele era um professor persistente e, eventualmente, comecei a entender alguns desses conceitos importantes por conta própria.


O trabalho com o autor de poker e treinador mental Tommy Angelo também foi um ponto de virada crucial, que mudou minha maneira de pensar sobre o jogo. Eu estava tendo muitas dificuldades com as irregularidades emocionais da vida como jogadora profissional. Meu humor fora da mesa muitas vezes era ditado por meus resultados à mesa, o que era injusto com minha família e comigo mesma. Tommy me ajudou a aprender a controlar minhas emoções, o que me levou a menos situações de tilt, maiores lucros e uma vida familiar muito mais feliz. Já vi muitos jogadores estrategicamente mais talentosos do que eu fracassarem porque não tiveram a força emocional para lidar com os altos e baixos. Eu recomendo fortemente a todos os profissionais que não negligenciem a importância de trabalhar o jogo mental.



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