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DECANO DO POKER — Thiago Decano conquista bracelete na WSOP 2015


Marcelo Souza
Nem todos sabem que seu sobrenome é Nishijima. A maioria o conhece simplesmente pelo apelido. Apelido inspirado no personagem de Sylvester Stallone no filme Shade — Nos Bastidores do Jogo. Stallone era “The Dean”, em bom português, “O Decano”, uma lenda do jogo. Treze anos depois do lançamento de Shade, um novo decano surge no poker.

Thiago Nishijima já incorporou o apelido — ou apelido se incorporou dele. Há muito tempo, Decano não é mais escrito entre aspas, e após o merecido título na World Series of Poker, Decano também poderá ser escrito em letras minúsculas. O poker brasileiro tem agora um decano, no sentido literal da palavra. Outros agora terão que brigar pelo título de “melhor jogador sem bracelete do Brasil”, porque Thiago Decano agora pode ostentar em seu pulso o troféu máximo do poker mundial, ou como ele mesmo chamou: “O Oscar do poker”.
 
 
Marcelo Souza: Você se preparou de alguma maneira diferente neste ano? Houve algum diferencial?
 
Thiago Decano: Acredito que o fator principal é a experiência que adquiri, já são quatro ou cinco anos fazendo toda a reta da WSOP. Foi também a primeira vez que fiquei em um apartamento, não em um cassino. E teve a Marina, minha noiva, que me acompanhou com uma energia positiva única.
 
MS: O que mudou na mesa final desta WSOP em relação às outras?
 
TD: Desta vez, a pressão nas minhas costas era zero. Nas outras mesas finais, até por eu me cobrar muito, eu via aquilo como se fosse um oportunidade única, o que não é verdade. Se você é um grande jogador, você chegará outras dezenas de vezes em decisões. Apesar de saber que a expectativa da torcida era gigante, só me preocupei em fazer o meu melhor. Para você ter noção, em nenhum momento, olhei a premiação. Eu não tinha ideia de quanto iria pagar o 3º, 4º ou 5º. Meu foco era apenas o bracelete. O que prova o que estou dizendo é que quando estávamos 3-handed, o Sotirios Koutoupas, com menos fichas, foi all-in contra o Jesse Sylvia e eu torci para ele ganhar. Normalmente, isso não tem a menor lógica, mas como meu foco era tão grande em cima do bracelete, sabendo que o grego tinha um pós-flop menos apurado do que o do Sylvia, eu preferia ir para o heads-up contra o Koutoupas.
 
MS: A torcida brasileira no poker é algo com o que ninguém está acostumado. Você acha que o barulho e as provocações podem influenciar os adversários? Em certo momentos, eles perdem a paciência e cometem erros bobos contra você?
 
TD: Sem dúvidas. De alguma forma, acaba influenciando. Nessa mesa final, em particular, eu estava em uma crescente muito grande, acertando as leituras e o barulho ajudando, e isso reflete na torcida. Então deve passar tantas coisas na cabeça dos adversários que eles acabam se sentindo obrigados a fazer algo a respeito. Acho que foi o que aconteceu com o Jesse Sylvia, ao tentar um resteal pouco comum, de K8, na mão que o eliminei. A mesma coisa com o grego. Logo na primeira 3-bet que eu dei no heads-up, que supostamente ele teria que respeitar, ele acabou indo all-in com J9, mesmo tendo um bom stack para jogar pós-flop. Eu realmente estava light e acabei dando fold, mas você vê que essa coisa da torcida começa a trazer um certo desespero aos adversários.
 
MS: Na mão decisiva, você optou pelo limp, algo que você praticamente não tinha feito durante todo os heads-up, principalmente segurando uma mão forte. Você já esperava o all-in dele?
 
TD: Bom, quando heads-up começou, eu tinha uma vantagem de quase 2-para-1. Nessa mão, eu já tinha 4-para-1 de frente. Foram quase duas horas de heads-up, senti que ele já estava cansado e, de certa forma, satisfeito por chegar até ali. Ele queria que aquilo terminasse logo. Quando vi aquele A9, eu já sabia que tinha acabado antes mesmo de ele ir all-in. Realmente, dei o limp sabendo que ele só não iria all-in com uma mão muito ruim. Então, ele olhou apenas um Ás e empurrou. Para minha sorte, a outra carta era um Cinco (risos).
 
MS: Os brasileiros brilharam em Vegas neste ano. Muitos dos grandes resultados vieram de alunos seus. Fábio Freitas e Fernando Konishi, por exemplo, estiveram perto de braceletes. Tem fórmula mágica neste coaching?
 
TD: Bom, quando veio a ideia de dar coaching, isso começou porque apareceu uma demanda muito grande. Mas para que a ideia saísse do papel, eram necessárias duas coisas: ser financeiramente vantajoso para mim e o produto teria que dar resultado. Eu até brinco que eu cobro até barato, porque se o aluno for um cara inteligente e dedicado, não tem como o cara não se tornar um jogador lucrativo. Eu me preocupo que o aluno pense o jogo, então, não, não existe fórmula mágica. Ao final do coaching, eles acabam entendendo como funciona realmente o poker. 
 
MS: A capa da nossa edição de abril foi sobre o Game Theory Optimal (GTO), a busca por um poker inexplorável. No Brasil, fala-se pouco sobre o assunto, mas sabemos que grandes nomes do poker mundial estudam isso a fundo, caras como Ben Sulsky, Stephen Chidwick e Mike Watson. Você acha que é possível ter uma estratégia inexplorável?
 
TD: O grande mérito do GTO é fazer com que você evolua. Vejo vários jogadores buscarem uma solução matemática para um jogo que é completamente subjetivo. Recentemente, a Maridu falou que alguns jogadores de topo estavam estudando uma maneira de resolver o pot-limit Omaha. Como sou um cara que não masterizou o Omaha, não posso falar com a propriedade, mas vi que dentro do no-limit hold’em (NLH), há gente nessa linha. Eu não acredito. As variáveis no NHL são infinitas. Falam sobre robôs dominando humanos em breve. Bem, eu brinco que é mais fácil fazer com que o um ser humano faça o robô errar. O poker é tão rico que você pode fazer diversas jogadas e mudanças de padrão para enganar até mesmo uma máquina. Para mim, o melhor caminho é aprender com cada tipo de jogador. Hoje, o padrão é abrir raise de 2,2 vezes o big blind, mas já foi de três, amanhã pode ser de cinco ou seis. O João Simão, que é um cara que eu discuto muito do jogo, há pouco tempo me falou sobre um torneio caro, com muitos caras bons, que ele simplesmente entrava de limp em 90% das mãos, segurando A-A ou 10-J. Ele deixou os caras perdidos e cravou o torneio. Mesmo os ótimos jogadores, quando você os tira da zona de conforto, eles se perdem. Então, essa é chave. Pode até ser que em jogos limit, você consiga buscar a perfeição, mas no NLH, um jogo cíclico, não consigo ver isso.
 
MS: Sendo o poker um jogo tão complexo e tão mutante, qual o segredo para se manter sempre no topo? O que você faz para estudar o jogo e se manter em constante evolução?
 
TD: Eu fico muito feliz por estar no topo há tanto tempo. Eu olho pra trás e vejo que são poucos que conseguem estar sempre jogando em alto nível. A minha grande fonte de estudo hoje são os vídeos que estão disponíveis com as cartas abertas. Ali, mais do que nunca, você consegue enxergar claramente como o jogador de ponta pensa, como o jogador fraco pensa, como o jogador mediano pensa. A WSOP disponibilizou quase todos os vídeos das mesas finais com as cartas abertas. O PokerStars faz isso com os grandes torneios regulares e com as grandes séries, como o SCOOP e o WCOOP. Se o cara quer desenvolver, ele tem que assistir aquilo ali, porque os outros estão assistindo. Só para falar dos mais recentes, já vi as mesas finais do “Negriin”, do Shaun Deeb, do Jason Mercier e quase todas do Colman. Fora essa parte dos vídeos, hoje tem dois nomes que eu estou namorando para fazer o coaching: um é o Olivier Busquet, mentor do Dan Colman; o outro é a Vanessa Selbst. Infelizmente, nesta temporada, nós estávamos em um ritmo muito intenso de jogo, tanto eu quanto eles. São dois jogadores que admiro muito e que eu tenho certeza que podem acrescentar muito no meu jogo.
 
MS: Quando você foi capa da Card Player, em 2011, você deu declarações fortes sobre o porquê de ter recusado patrocínios. Seu pensamento sobre o assunto mudou?
 
TD: Hoje, vivemos em um cenário diferente daquela época. Antes, o que importava era você jogar bem. E o primeiro que percebeu que isso não bastaria, que era preciso abraçar a marca e se tornar um embaixador, foi o André Akkari. Não por acaso, ele foi o único que ficou no PokerStars, sem mencionar o Caio Pessagno, que entrou depois para o Team Online. Graças ás mídias digitais, o alcance que a nossa palavra e imagem têm, hoje, também é muito maior. Então, a responsabilidade de representar a marca aumenta. Antigamente, você colocava um patch do Full Tilt no peito, pra não ganhar quase nada, só pra falar que ela profissional do site, e isso eu não queria. Hoje, ainda tenho essa postura. Se for pra colocar uma marca na camisa, seja uma empresa de dentro do poker ou de fora do poker, tem que ser um projeto bom, que me dê uma contrapartida à altura do que eu sei que eu posso fazer pela empresa. Se isso acontecer comigo, será uma nova etapa da minha carreira.
 
MS: Depois do bracelete chegaram propostas de sites até você?
 
TD: Não teve nada — e eu já esperava por isso. Acho que hoje não tem mais essa mentalidade: “Ah, o cara ganhou o bracelete. Vamos atrás dele”.  O PokerStars já tem o Akkari e o Pessagno, que fazem um trabalho brilhante, a mesma coisa o 888, com o Bruno Foster, Bruno Kawauti e Nicolau Villa-Lobos. Mas existiram algumas sondagens de outras empresas, de outras áreas. Se der certo, vocês vão ficar sabendo.
 
MS: A variância é uma das grandes vilãs entre a maioria dos jogadores de poker. Você já passou por algum período de perdas assustador?
 
TD: Na minha carreira, graças a Deus, eu nunca tive momentos em que sofri grandes perdas. Teve um ou outro período que não ganhei tanto, e isso é normal. Como o poker é um jogo cíclico, você tem que se adaptar a todo momento — e às vezes você fica um pouco pra trás. Quando estourou a Black Friday, eu tive um grande baque com o fechamento do Ultimate Bet (UB). Eu tinha US$ 250.000 naquele site e perdi tudo. Mas acredito que um dos meus grandes méritos é lidar com as derrotas. Os problemas vão surgir, mas você só tem que se preocupar com aqueles que você ainda tem gerência. No caso do UB, não tinha mais nada para fazer. O dinheiro já estava perdido. Então, bola pra frente, eu sabia que dava para buscar aquele dinheiro de novo, trabalhando.
 
MS: Principalmente depois de perder muitas fichas por uma jogada teoricamente ruim do adversário, muitos jogadores costumam dizer que é melhor jogar contra um cara bom, que entende o jogo, do que contra um maluco que não tem noção do que está fazendo. O que você acha desse pensamento?
 
TD: Isso é uma grande bobagem. Quem pensa dessa forma, não está preparado para ser profissional, não tem preparo técnico para se adaptar. Você sempre vai querer jogar contra o pior jogador, sem dúvidas. Se você jogar contra os melhores, você vai perder dinheiro. O legal em enfrentar caras bons é que você aprende muito, mas, financeiramente falando, não há vantagem. 
 
MS: A mesa final deste ano foi apenas mais uma das dezenas que você já esteve. Houve alguma com um maior grau de dificuldade?
 
TD: Definitivamente foi a do High Roller do UKIPT de Nottingham, que joguei em abril. Estiveram nela Bryn Kenney, Max Silver, Felix Stephensen, o argentino Iván “Negriin” Lucá, que acabou saindo com o título, dentre outros. Todos os jogadores eram muito bons e praticamente não cometiam erros.
MS: Falando no “Negriin”, ele conquistou neste ano o primeiro bracelete para a Argentina na WSOP. Só neste ano foram cerca de US$ 1,5 milhão em premiações e atuações impressionantes em mesas finais.
 
MS: O que você poderia falar sobre o jogo dele? 
 
TD: O jogo do “Negrin” já me chamou a atenção na primeira vez que joguei com ele no High Roller de um LAPT. Ele estava à minha esquerda e passeando em cima do pessoal. A linha de jogo dele é muito diferente dos jogadores normais. Ele é uma das provas que o NLH não é um jogo finito. É um cara que você olha e percebe que ele está revolucionando o Texas Hold’em. Ele é um fenômeno. Depois que saí da mesa do LAPT, eu falei com os meus amigos ali: “caras, esse ‘Negriin’ é fora da curva”. Ele, claramente, tem um futuro brilhante.
 
MS: E como está sua rotina de jogo hoje?
 
TD: Eu tenho priorizado os torneios ao vivo. Depois que alguns jogadores e eu criamos uma empresa, ficou viável jogar o BSOP, mesmo com os impostos. Na minha grade estão todos os LAPTs; no mês que vem, vou para Miami jogar o Seminole Hard Rock, que o Dan Colman ganhou ano passado; e também vou para a WSOP Europa, em Berlim, no final do ano. Online, tenho focado apenas nos maiores torneios, os de domingo e o Super Tuesday de terça-feira. Quando as grandes séries começam, o SCOOP e o WCOOP, eu foco no PokerStars.
 
MS: Falando em grandes séries, no WCOOP do ano passado, o Yuri “theNERDguy” Martins ganhou mais de US$ 700.000 no evento principal, a maior premiação da história do poker online brasileiro. Na época, muitas pessoas o criticaram por fazer um acordo quando ainda restavam seis jogadores, mesmo com o acordo garantindo cerca de US$ 500.000 a mais para ele. O que você pensa sobre acordos?
 
TD: Eu acho que cada um sabe onde aperta o calo. Minha primeira grande premiação, em 2008, no EPT, eu fiz um acordo — ainda bem, porque na mão seguinte eu caí de A-A para Q-Q (risos). Existem alguns pontos a serem observados quando vamos costurar um acordo. O primeiro é a diferença técnica. Se você for muito melhor, ou você faz um acordo muito bom para você ou então vai para o jogo. Não importa o valor. O segundo ponto são as posições na mesa. O simples fato de cair um cara muito bom na sua esquerda já torna um acordo uma coisa atrativa. O último ponto é o seu objetivo. No caso da minha mesa final, eu jamais faria o acordo, porque eu queria o bracelete, a parte financeira estava em segundo plano. Se eu fizesse um acordo, eu tiraria o peso do salto de premiação dos outros caras, que é uma vantagem considerável. No caso do Yuri, no WCOOP, o título é importante, mas a parte financeira é muito mais. No lugar dele, eu também faria. Enfim, as críticas que ele recebeu, na minha opinião, foram completamente desnecessárias.
 
MS: Para finalizar, suas palavras sobre o título histórico.
 
TD: Eu só tenho a agradecer a toda torcida brasileira, seja aqueles que estavam ali, presencialmente, ou pela galera que me acompanhou pela internet. Ganhar o bracelete foi incrível. Para mim, foi como levar um Oscar, e eu vou ser eternamente grato por aquele momento.
 
Evento #38 da WSOP 2015
Buy-in: US$ 3.000 
Modalidade: No-Limit Texas Hold’em
Inscritos: 989
Prize Pool: US$ 2.699.970
Campeão: Thiago Decano (US$ 546.843)
 



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