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Ola “Odd Oddsen” Amundsgaard - O Homem que mudou o poker na Noruega


Brian Pempus
Ola “Odd Oddsen” Amundsgaard é um dos casos mais recentes de jogador de cash game online que fez a transição dos limites médios para os “nosebleeds”. Em 2013, o norueguês foi o quinto jogador mais lucrativo da modalidade. Apenas no Full Tilt, ele lucrou quase US$ 2.000.000.

Suas habilidades para tomar decisões rápidas e jogar milhares de mão por mês têm como base os jogos de computadores (electronic sports), muito populares nos países nórdicos. 
 
Só que não foram os seus ganhos ou sua sede por competição que o fizeram ganhar fama no mundo, mas a sua luta para a legitimação poker online na Noruega. Disposto a mostrar que o poker é um jogo de habilidade, ele desafiou um político local para uma batalha heads-up. As consequências foram surpreendentes — e vocês conferem nesta matéria com o fenômeno da Noruega.
 
O INÍCIO NO POKER
Ola conheceu o poker em 2005, quando era apenas um adolescente. Naquela época, ele jogava Counter-Strike e Starcraft, games de computador populares em todo o mundo, até que seu irmão lhe chamou a sua atenção. “Ele me perguntou por que eu continuava jogar ‘coisas estúpidas’ sem ganhar dinheiro”, conta Ola. “Então, ele me mostrou o poker. Logo percebi que as pessoas cometiam erros bobos e que as oportunidades para ganhar dinheiro eram muito boas”.
 
A natureza competitiva do poker, a liberdade e a possibilidade de fazer dinheiro encantaram Ola, e quando ele finalmente completou 18 anos, começou a jogar na própria conta. Naquela época, ele já sabia como fazer seu bankroll crescer, mas ainda precisava aprender a não quebrar.
 
Ele então trocou os cash games pelos torneios, conseguiu alguns bons resultados por volta de 2006-2008 e um bankroll de cinco dígitos, mas acabou quebrando novamente. No entanto, Ola não estava preocupado. Ele sabia que podia bater o jogo, então voltou sua atenção mais uma vez para os cash games, dessa vez, para o pot-limit Omaha, não para o hold’em.
 
“Eu conhecia alguns caras da Noruega que estavam ganhando bastante dinheiro jogando PLO”, conta Ola. “Eu entrei em contato com um deles, que jogava futebol comigo. Ele me recomendou jogar PLO, já que as pessoas naquele tempo ainda não eram muito boas, e me disse que o futuro da variante era muito mais promissor do que o do hold’em”.
 
LEVANDO A SÉRIO
Ola se apaixonou pelo Omaha rapidamente. Segundo ele, por as mãos terem equidades bem próximas no pré-flop, os jogadores ruins sentiam que poderiam ter mais chances de vencer.
 
“Por pagarem 3-bets e 4-bets fora de posição, os jogadores fracos não eram punidos como no hold’em”, diz o norueguês. “Bom, eu também gostei mais porque há mais ação e, se você tem um bom jogo pós-flop, pode entrar em muitas mãos”.
 
Naquele momento, Ola estava jogando em mesas com blinds de no máximo 50 centavos. Seu bankroll era de US$ 5.000. Foram três anos de muito grind até chegar às mesas de $25-$50. O caminho foi cheio de percalços. Em certo momento, jogando $3-$6, Ola chegou a perder US$ 45.000 em uma única sessão. Ele atribui o seu sucesso e o poder de recuperação ao fato de ser capaz de jogar 16 a 24 mesas ao mesmo tempo — e em alto nível. Três anos podem parecer muito, mas conseguir ir das mesas de $0,25-$0,50 para as de $25-$50, jogando sempre dentro do bankroll, é um feito louvável.
“Era uma rotina insana”, revela Ola. “Acho que a minha habilidade de jogar muitas mesas de uma só vez vem da minha infância, quando eu jogava Starcraft. Nesse jogo é preciso fazer as coisas de maneira muita veloz. É preciso pensar uma estratégia em pouco tempo, e são as suas ações por minutos que definirão a sua efetividade. Também acho que os jogos de computador me ajudaram a desenvolver um cérebro que reage instintivamente a várias situações e de maneira bastante rápida. Quando você joga 20 mesas 6-max ou 12 mesas de heads-up ao mesmo tempo, você é obrigado a tomar decisões rápidas, caso contrário, seu tempo acaba e você perde dinheiro”.
 
A ASCENSÃO AOS NOSEBLEEDS
Ola conta que teve sorte quando chegou ao $25-$50, pois havia muita ação e jogadores abaixo da média nas mesas 6-max de $50-$100, e admite que o momento teve papel fundamental em seu avanço.

“Hoje, há poucos jogos correndo. Então, se quiser chegar aos high-stakes, você é obrigado a jogar com os melhores”, diz. “De outra maneira, você não vai conseguir colocar volume. Tive sorte que existiam bons jogos diariamente. A variância também esteve ao meu lado quando tentava uns tiros nos limites mais altos. Isso é fato”.

Na época, ser um desconhecido também ajudou. Vários regulares davam a ele a ação necessária para construir o bankroll de um “nosebleeder”. Ainda assim, quando as sessões não eram boas, ele dava um passo para trás. Apesar da vontade de jogar com os melhores, Ola sempre foi bastante conservador com o seu bankroll.

“Meu bankroll foi construído com sangue, suor e lágrimas, então eu o trato como um filho”, conta. No entanto, às vezes, ele vende parte de sua ação.  “Meus riscos são todos calculados. Eu não sou o cara que joga bem se grande parte do bankroll estiver na mesa”. 

A paciência foi recompensada, e quando ele finalmente se firmou no último nível dos cash games online, foi um sentimento indescritível: “Lembro-me da primeira vez que joguei na $200-$400 do PokerStars. Fiquei nervoso, mas eu estava pronto e o mais importante: confortável. Eu sabia que tinha uma grande vantagem ali. Estava certo que se fizesse a mesma coisa que vinha fazendo há milhões de mãos, seria lucrativo. Foi um momento de grande orgulho. Finalmente, eu tinha conseguido atingir o meu objetivo. Na primeira sessão, fiquei US$ 270.000 positivo e não consegui dormir. A energia era incrível”.

Alcançar o ponto mais alto no poker online impressionou um de seus pais, mas deixou o outro com um sentimento ruim.

“Meu pai me apoiava sempre”, diz Ola. “Ele me liga várias vezes na semana para saber como estou indo, apesar de eu não gostar disso. Porém, minha mãe é muito conservadora e não gosta que eu jogue poker para viver. Ele acredita que é um jogo desonesto de apostas. Mas acho que isso seja por causa da sua experiência no passado. Meu avô tinha uma mina de cobre por volta de 1900 e, pelo que ouvi, ele bebia e jogava muito poker nos finais de semana”.

O que o faz tão bom
Ola acredita que o poker é um jogo muito difícil para mente a humana, principalmente o PLO: “Você pode jogar o seu melhor, nunca cometer erros, colocar bastante volume e ainda ficar no vermelho durante meses. Isso mexe com o seu psicológico. É muito fácil ser orientado apenas pelo resultado, especialmente em PLO. Então, trabalhar sempre com o seu objetivo em mente é crucial. As pessoas não têm autocrítica quando se trata do próprio jogo, mas essa é um qualidade imprescindível”.
Rever suas sessões sempre foi um importante aspecto no seu crescimento, mas aprender com os melhores foi fundamental. “A grande razão por eu estar hoje nas nosebleeds é porque aprendi muito com jogadores melhores do que eu”, conta. “Bum hunters [jogadores que escolhem mesas exaustivamente] têm uma visão muito limitada do jogo. Esses caras nunca vão melhorar tão rápido quanto eles poderiam. Não estou dizendo que você deve enfrentar jogadores melhores do que você o tempo todo, mas de vez em quando é preciso sentir como é jogar contra pessoas com estratégias superiores a suas. Várias coisas serão utilizadas nos limites que você joga”.

Como todos os jogadores, Ola ainda luta contra algumas falhas no seu jogo. Ele tem que se vigiar para não entrar no que chama de “modo zumbi”, ou seja, as vezes que ele começa a jogar no piloto automático. Segundo Ola, nos limites em que ele joga, manter o foco e jogar de acordo com o seus oponentes é crucial. “Nesses tempos em que os ganhos são menores e a vantagem sobre o adversário é mínima, não jogar o seu A-game pode ser catastrófico”, conta.

De acordo com o norueguês, os melhores jogadores das mesas nosebleeds ganham apenas dois ou três big blinds a cada 100 mãos. Com esses números em conta, Ola revela que só conseguiu subir de limites porque ele tem consciência do que o tilt pode causar — e ele aprendeu como evitá-lo.

“A variância no PLO é insana”, revela. “Eu não acho que a mente humana está apta a entender completamente esse jogo. Já vi pessoas que pegaram uma variância inacreditável e ficaram 300 buy-ins no vermelho, mesmo com o all-inEV positivo”. Ola é humilde o bastante para admitir que ainda não pegou essa fase de variância negativa, mas ele sabe que ela virá.
 
 
 
No fim do arco-íris
O maior pote da carreira de Ola foi em 2012, nas mesas de $200-$400 do PokerStars.
 
Com A A K 8 e um stack de $183.433, ele estava no cutoff. “Axelf82”, com $50.000, abriu raise para $1.200 do UTG. Para induzir um possível squeeze, Ola apenas pagou. Um oponente no button deu call, e Hac Dang ($108.000) deu raise-pote para $6.400 no small blind. O UTG deu fold, e a ação voltou para Ola que deu uma 4-bet-pote para $22.000. O button deu fold e Dang pagou.
 
O flop veio J 7 5, e Dang saiu atirando o pote: $46.800. Ola empurrou all-in, Dang pagou mais $40.000 e mostrou K J 10 9, top pair e broca. Com seus Ases secos, Ola era 55% favorito. O turn foi um 3, e o river um 4, dando a Ola um pote de $220.000. 
 
“Essa mão revela o tipo de variância envolvida no PLO. Se eu estivesse no lugar do Dang, eu teria jogado da mesma maneira”, revela Ola. “Foi o meu primeiro pote acima de $150.000. Digo-lhe que meu coração foi a mil, e pareceu que tanto o turn quanto o river caíram em câmera lenta. Eu fico calmo sempre que jogo uma mão, mas sempre que o pote passa de $100.000, sinto meu coração acelerando. Mas isso é bom, pois mostra que de alguma maneira eu dou importância ao dinheiro. Ficar estressado não é bom. A chave é achar um equilíbrio”.
 
Mudando o poker na Noruega
Ola não está feliz da maneira como o poker é visto e taxado na Noruega, então ele tentou mudar as coisas ele mesmo e fez um desafio público a qualquer político norueguês. O duelo consistia em 10.000 mãos de PLO. Se ele perdesse, daria US$ 170.000 ao adversário, mas se ganhasse, o político em questão teria que lutar pela legitimidade do poker como jogo de habilidade e contra os abusos tributários. 
 
Um legislador do partido Conservador-Liberal, Erlen Wiborg, aceitou, e a partida foi agendada para o dia 07 de dezembro de 2013. “Senti como se todo o futuro para a legalização poker na Noruega estivesse sobre os meus ombros”, conta. “Eu pensei: ‘Se eu perder essa partida, não só perderei dinheiro, mas toda a esperança da legalização do poker online por aqui’. Então, perder significaria um futuro sombrio para mim, para os jogadores noruegueses e para todo o poker da Noruega”.
 
De acordo com Ola, Wiborg tinha certa experiência no poker, mas não foi o que pareceu quando o heads-up começou. A batalha, originalmente agendada para durar vários meses, foi realizada no Centro de Conferência de Oslo e só durou uma sessão. O político jogou a toalha depois de perder 26 buy-ins em cerca de 1.000 mãos. Foi um massacre. Os dois jogaram com blinds de $0,50-$1.
 
Depois da humilhante derrota, Wiborg concordou em envergar a bandeira do poker no País. “Espero que isso tenha servido pelo menos para colocar o poker em pauta”, desabafa Ola.
 
Ola também tem esperanças que possa conseguir apoio de outros países e que o poker possa ser visto como um esporte da mente, a exemplo do xadrez. Ele acredita que os Estados Unidos deem o exemplo. Homens como o Joe Barton e John Mccain podem fazer a diferença. O primeiro é um ávido jogador de poker e, no passado, propôs uma lei federal a favor do poker online. O segundo perdeu a eleição presidencial em 2008 para Barack Obama e foi pego jogando poker em seu telefone durante uma reunião no Congresso. “Os jogadores de poker estão na Capitol Hill, talvez algum jogador devesse desafiá-los”, finaliza Ola.
 
Um futuro com menos poker
Como muitos profissionais que passam anos em ritmo pesado de grind, Ola acha que pode cortar o poker online da sua vida alguma dia, já que é jogo que muitas vezes é estressante e solitário.
 
“Perder e ganhar seis dígitos todos os dias é complicado. Eu preferiria um emprego com salário fixo, principalmente quando constituir família”, revela. “O dia que eu perder a motivação para seguir melhorando, então vou parar e procurar outros desafios na vida”.
 
Atualmente, Ola faz meio-período de Ciências da Computação. Ele gosta de ir à escola e ter uma vida social, isso ajuda com a monotonia da rotina online: “É sempre bom manter a cabeça fresca com outras coisas além do poker, isso me ajuda a não pirar”.
 
Outro motivo que pode levar o norueguês a largar o poker é algo completamente paralelo à sua vida pessoal.  Segundo ele, o limit hold’em é um jogo “basicamente desvendado” por computadores e isso pode acontecer com outras modalidades no futuro.
 
“Eu realmente acho que o PLO será resolvido por computadores nos próximos 10 anos. Mas como é uma modalidade bem complexa e avançada, essa será a última variante do poker que terá todos os seus segredos desvendados”.



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